Em artigo, cantor escreve suas observações sobre a premiação

Leonardo Gonçalves comenta sobre o Grammy

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:15

O que aconteceu no grammy deste ano?!


Não sei quantos de vocês acompanham o Grammy e sabem como a premiação funciona, por isto deixem-me, de maneira rápida e objetiva, responder às principais perguntas que surgem em relação ao Grammy, até mesmo para criar uma base em cima da qual as minhas impressões e idéias do que aconteceu possam ser apresentadas/discutidas.
Quem vota? os membros da academia.


Quem são e quantos são os membros da academia? Na academia mundial (não a do Grammy Latino) são aproximadamente 18.000 membros, todos profissionais que fazem parte da indústria fonográfica mundial. Mais ou menos um terço destes 18.000 são engenheiros e produtores. Os outros 12.000 são músicos e artistas. Para se tornar membro votante você precisa ter seu nome nos créditos de pelo menos 6 faixas de 1 categoria em um ou vários álbuns lançados/distribuídos nos EUA; e, claro, pagar a anuidade simbólica de uns 80,00 dólares.


Todos os membros votam em todas as categorias? É claro que não…! o pessoal do rap não vota na categoria de música clássica (que deveria se chamar música erudita, mas tudo bem). Existem as categorias gerais nas quais todo mundo pode/deve votar e depois você pode escolher 9 outras categorias nas quais pode votar se você se sentir apto a fazê-lo (estar apto é conhecer bem o gênero e conhecer todos os indicados). Se isto acontece na prática é outra história, mas esta é a recomendação.


Outro detalhe importante é que existe uma forte recomendação para você votar na categoria dentro do critério desta categoria. Não por gosto pessoal. Não por afinidade. Não por amizade. Não por recomendação/imposição da gravadora. (aliás, a gravadora não pode/deve sequer fazer sugestões e a votação é sigilosa e individual, no caso ideal), mas seguindo um critério de avaliação artístico ou técnico, na maioria dos casos uma mistura dos dois: artístico e técnico. (Nota do Editor: seria realmente muito mais saudável que as gravadoras não interferissem nos resultados de prêmios como este, sem patrocinar “anuidades” para membros votantes e coisas do tipo).

Por exemplo: na categoria ”Song of the year” você está votando apenas na canção; e quem recebe o prêmio não é o artista (a não ser que este também seja o compositor da canção), mas o compositor. Não importa quem canta, como cantou, onde gravou, se está bem ou mal gravado, etc. O que importa é a composição, letra e música. simples assim.


Quando é “Recording of the year”, você está votando na gravação do ano; aí, sim, é a síntese e confluência da composição, arranjo, produção e interpretação. Uma das maiories críticas que se fazem ao Grammy, inclusive, é que em algumas categorias o nicho é tão pequeno que basta “arrumar” uns 10 votos para desequilibrar, desestabilizar toda a categoria e faturar o prêmio. Uma outra vez, desta vez no Oscar, um filme que a Barbra Streisand produziu e dirigiu teve um monte de indicações, inclusive a melhor filme, mas ela não foi indicada como melhor diretora, apenas porque, na época, ela era muito impopular no meio artístico de Hollywood (tinha muita gente com inveja dela, por ela, como mulher, ser tão talentosa e poderosa tanto nas artes visuais como na música)!


Tendo explicado isto, de antemão, preciso dar meus parabéns para a Adele. o que ela conquistou ontem foi conquistado apenas por uma outra mulher: beyoncé. levar 6 Grammys em uma só noite é um feito incrivelmente notório. Cantoras como Lauryn Hill, Alicia Keys e tantas outras, nunca passaram de 5 em um ano só… e a pessoa que mais ganhou Grammys em toda história “só” ganhou 31 (Sir George Solti, um já falecido maestro de música erudita, onde, evidentemente, a concorrência é infinitamente menor). Ou seja: com apenas 23 anos e 2 discos gravados (!!!) já ter tido 11 indicações e possuir 8 grammys, é realmente incrível. A música “Someone like you” de Adele é um dos maiores fenômenos que eu já testemunhei desde que acompanho a indústria fonográfica. e uma das maiores surpresas, também.


Não lembro de nenhuma outra ocasião em que uma música tão simples e singela, apenas piano e voz, sem uma grande produção, sem um grande clipe, foi a música mais executada nas rádios ao redor do MUNDO. Uma melodia linda. uma letra profunda. uma interpretação verdadeira. Algo realmente comovente, especialmente pra quem já assistiu a versão do blu-ray/dvd live at Albert Hall. E não me lembro, também, nestes pelo menos 27 anos em que acompanho mais ou menos o que acontece no universo da música, de ver um artista se expôr tanto – seus sentimentos, sua vida pessoal – e fazer sucesso com isto! É realmente impressionante e lindo. Também vejo com um sorriso irônico nos lábios como todas as magnatas do pop que apelam para a imoralidade e a sensualidade (em alguns casos à bizarrice) irem para casa de mãos abanando: Britney spears, Beyoncé, Rihanna, Katy Perry, Lady Gaga, Christina Aguilera… aliás, dos “grandes nomes”, mesmo, só quem ganhou alguma coisa foi a Taylor Swift.


Impressionante como não teve nenhum ”Grammyzinho“ nem pro Coldplay, Jay-z, Justin Bieber ou qualquer outro dos super-astros da música mundial. Kanye West e Chris Brown só ganharam prêmios em suas respectivas categorias. No rock, quem levou tudo foi o Foo Fighters, que fez questão de em seu agradecimento dizer que, diferentemente do que acontece na indústria atualmente, não procurou os melhores e mais caros estúdios, nem a melhor e mais cara produção, mas – literalmente – gravou o seu mais recente álbum na garagem de seu diretor e vocalista, com apenas os instrumentos de cada um, alguns microfones e, claro, uma máquina de 2 polegadas de gravação analógica. Ele ressaltou que o mais importante é o que acontece no coração e na mente de quem faz música e não na produção ou marketing.


Outro destaque da festa de premiação foi o Bon Iver. Levou 2 Grammys. Sugiro que todos vocês ouçam Bon Iver. Conheça Bon Ive e se espante com o fato desta banda tão lindamente “estranha” ter sido nomeada 4 vezes (concorrendo como “holocene” à música do ano e gravação do ano!) e ter ganho 2 Grammys. Nada mais do que 14 dos mais importantes prêmios da noite, foram ganhos por sonoridades totalmente orgânicas e por propostas que visam a sinceridade artística acima da produção, exatamente como Dave Grohl (do Foo Fighters) havia ditto, mas será que o rumo da música realmente está mudando?


Será que a academia e o mundo estão realmente cansados do “plástico” que parece “pré-fabricado” do pop, do rock, do r&b, do rap e até do country da última década (pelo menos)? Será que músicos verdadeiros com canções e interpretações verdadeiras vão dominar o futuro da indústria musical? Há esperança contra a “massificação emburrecente”?! É claro que somente o tempo dirá, mas particularmente, duvido muito. até porque o que comanda a indústria não são prêmios e, sim, vendas, dinheiro e as rainhas e princesas do pop continuam em alta. Basta checar o número de visualizações no youtube! Seus video clips são extremanente populares e assistidos mundialmente. Muito do que aconteceu ontem, na minha visão, não passa de uma reação momentânea por parte de uma boa parte dos membros votantes da academia em relação ao fenômeno pop da última década. Querem exemplos?


- 3  dos 6 grammys que a Adele faturou ontem foram em cima da música “Rolling in the deep”;
- 3 dos mais importantes, inclusive: gravação do ano, música do ano (já expliquei a diferença, mais acima) e melhor video clipe. Gente, adoro a Adele, mas convenhamos: “Rolling in the deep” DE LONGE, não é a música mais forte dela. A música mais forte dela é “Someone like you”, mas não era com esta canção que ela concorreu a estes 3 prêmios. Mas os membros votantes descartaram isto e votaram não na música, mas na artista. Do ponto de vista das recomendações da academia, isto está errado;


- Em gravação do ano, analisando puramente os critérios estabelecidos, tudo bem que não tinha como o Bon Iver ganhar, mas a obra fonográfica “Fireworks” da Katy Perry é uma música que deveria perder de “Someone like you”, mas não de “Rolling in the deep”. A Katy Perry perdeu da Adele, quando a música da Katy é mais forte e tem uma mensagem melhor, inclusive, do que a da Adele (embora “fireworks” talvez seja a única música da Katy Perry que NÃO tem uma mensagem ruim, moralmente falando);
- Em música do ano aconteceu mais ou menos a mesma coisa… Adele enquanto artista pode até ser superior aos outros artistas da categoria, mas a música sozinha, como diz meu amigo Jonas Paulo… não sei, não… se fica em pé, sem Adele, sem a produção, sem o clipe, sem o fenômeno “pró-orgânico” do momento;


- E , deixando todas as questões puramente morais e religiosos à parte, o álbum LOUD da Rihanna – seu melhor álbum até agora e, talvez, o melhor de sua vida! – perder em duas categorias para o álbum 21 da Adele… não sei, não, sinceramente. há muitos pontos altos no 21, é uma brisa de ar fresco (breeze of fresh air) para a indústria, mas não é um album tão coeso, redondo e objetivo quanto o LOUD da Rihanna… e mais uma vez: meu gosto e seu gosto não têm importância alguma quando se trata do Grammy! E embora esta “revolta silenciosa” à imoralidade por parte da academia seja uma grande vitória em muitos sentidos, não a vejo como sendo inteiramente dentro do que o grammy se propõe a ser: que é uma avaliação artística e técnica de obras musicais e líteromusicais…


Agora como seria maravilhoso se a “música artesanal” realmente voltasse a valer mais no cenário musical mundial. e como seria maravilhoso se respingos disto caíssem também para a indústria fonográfica brasileira, quiçá a indústria de música cristã brasileira! Seria maravilhoso se os “enlatados” e a “produção em massa” começassem a ceder espaço para tudo o que é mais artesanal, autoral, inovador e arriscado… sei que isso não vai acontecer, mas posso sonhar, pelo menos, rs.?!
Nota do Editor – vale ressaltar que Kirk Franklin faturou 2 prêmios Grammy como Melhor Álbum de Música Cristã e Melhor Canção de Música Cristã pelo CD Hello Fear, já lançado no Brasil pela Sony Music. Adele e Foo Fighters são artistas Sony Music.

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