Investigação social de candidatos a concursos deve estar prevista em lei

Investigação social de candidatos a concursos deve estar prevista em lei

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:13

Órgãos públicos podem fazer investigação social e funcional de candidatos a concursos se existir uma regulamentação específica que permita essa prática, segundo especialistas em direito. A chamada instrução normativa deve constar no edital de cada concurso. Além disso, os que disputarem vagas devem estar cientes de que passarão pela investigação.

Em São Paulo, policiais da Divisão de Capturas, do Departamento de Identificação e Registros Diversos (Dird) são suspeitos de quebrar ilegalmente, de 2000 a 2009, o sigilo de candidatos a emprego em concurso público a pedido da Petrobras. A empresa alega que esta seria uma prática legal, mas ainda não informou se está apoiada em instrução normativa do Serviço Público Federal. A Petrobras disse, por meio de nota, que o levantamento de informações sociofuncionais é prática corrente no meio corporativo e faz parte da sua política empresarial de segurança.

Segundo reportagem do jornal "Folha de S.Paulo" publicada nesta quarta-feira (15), a investigação da Corregedoria da Polícia Civil de SP detectou que, de janeiro de 2008 a julho de 2009, a Divisão de Capturas passou à Petrobras fichas criminais de 70.499 pessoas. Os alvos seriam candidatos a vaga na estatal ou em empresas terceirizadas contratadas por ela. Em troca, os policiais teriam recebido brindes. Os agentes foram transferidos da divisão nesta quarta, pela Secretaria de Segurança Pública do estado.

Como funciona a investigação legal
A investigação de candidatos é comum em concursos das áreas policial e de inteligência, como na Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Em ambos os órgãos existem instruções normativas que regulamentam a prática e que são citadas nos editais dos concursos.

Os candidatos são submetidos a investigação social e “de vida pregressa” (ações passadas que desabonem sua conduta) durante todo o processo seletivo, até o fim do curso de formação, última etapa do concurso. Eles também devem fornecer informações confidenciais por meio de uma ficha, respondendo se sofrem processos na Justiça ou tiveram alguma condenação. Além disso, precisam apresentar certidões negativas, como de antecedentes criminais e dos cartórios de protestos de títulos da cidade onde residiram nos últimos cinco anos.

Durante a investigação social e funcional, os órgãos poderão pedir ao candidato documentos complementares para esclarecer fatos levantados no decorrer da apuração e fazer entrevistas com ele e pessoas conhecidas dele. A investigação, dizem os especialistas, deverá ser feita pelo próprio órgão que abre as vagas, como é o caso da Abin e PF, e não terceirizada, como seria o caso da Petrobras.

Em cinco editais de concursos da Petrobras, entre 2002 e 2010, só consta informação de que entre as etapas do processo seletivo existe o levantamento sociofuncional, que faz parte da chamada qualificação biopsicossocial, etapa eliminatória que é de responsabilidade da empresa. Não há, no entanto, citação de nenhuma lei ou instrução normativa que permita essa prática no regulamento.

Lei que cria o cargo
De acordo com Leonardo Carvalho, diretor jurídico da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), a investigação social e funcional é permitida só quando a lei que cria o cargo prevê essa prática e quando o candidato também presta a informação ao órgão. “Ao preencher a ficha de informações confidenciais, o candidato que dá o norte para eles [órgãos públicos], como se estivesse autorizando que seja feita a investigação. E ele não pode mentir [na ficha].”, afirma. De acordo com Carvalho, mesmo que esteja previsto no edital que haverá a investigação sociofuncional, não quer dizer que do ponto de vista jurídico é legal, pois tem que haver uma norma que preveja isso. “O candidato que ficar sabendo que foi investigado de forma ilegal deve procurar o Ministério Público”, diz.

O advogado de direito administrativo diz ainda que o órgão deve dar direito de defesa ao candidato caso descubra algum fato que desabone sua conduta e que possa eliminá-lo do concurso.

Justiça
De acordo com Ricardo Ferreira, professor de direito administrativo e especialista em concursos, apesar de candidatos que respondem a inquérito policial ou administrativo poderem ser impedidos de assumir o cargo, esse não é um entendimento predominante da Justiça, que tem se manifestado no sentido de que aprovados não podem ser eliminados por isso. “Algumas decisões vão além, determinando que só pode haver exclusão no caso de condenação definitiva, da qual não cabe mais recurso”.

Segundo ele, o candidato insatisfeito deve reclamar à Justiça por meio de um advogado.

Subjetividade
De acordo com a Polícia Federal, a investigação social e funcional é feita pelos próprios policiais federais, mas o órgão reconhece que os critérios podem ser subjetivos. Por exemplo, segundo a PF, agentes podem ir ao local onde mora o candidato para checar o comportamento dele com os vizinhos.

Nesse caso, são acionadas as delegacias da PF próximas ao local da residência.
A intenção, segundo a PF, é verificar se o candidato tem uma postura adequada perante a sociedade.

A PF diz que os candidatos eliminados por causa da investigação sociofuncional podem entrar com recurso administrativo questionando a decisão.

Iniciativa privada
No âmbito privado, de acordo com a advogada trabalhista Juliana da Silva Borges, frequentemente empresas pedem aos candidatos atestado de antecedentes criminais. “Mas nosso sistema legal veda qualquer tipo de discriminação, assim, a verificação ou requisição do atestado de antecedentes criminais, ainda que não tenha a intenção, pode ser considerado de cunho discriminatório”, diz.

De acordo com ela, se ficar constatado que a intenção de utilizar o atestado de antecedentes é para decidir se contrata ou não candidato, pode haver o entendimento de que a medida fere os preceitos da Lei 9.029/95 bem como da Constituição Federal, que veda qualquer forma de discriminação.

A advogada trabalhista diz que há entendimento de que algumas atividades justificam o pedido de atestado de antecedentes, como, por exemplo, empregados que lidam com grande soma de dinheiro, tenham porte de arma, façam transporte de valores ou de crianças. “Nesses casos, a informação dos antecedentes criminais seria importante para contratação, não sendo caracterizado como discriminatório”, diz.

Caso seja comprovado que houve discriminação por parte da empresa, o candidato poderá entrar com ação na Justiça trabalhista por dano moral.

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