Ansioso, Rivaldo quer jogar no Arruda e diz que não está de férias no Tricolor

Ansioso, Rivaldo quer jogar no Arruda e diz que não está de férias no Tricolor

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:49

Rivaldo Vítor Borba Ferreira. Pernambucano, 38 anos. Pentacampeão mundial com a Seleção Brasileira em 2002, sob comando de Luiz Felipe Scolari. Eleito melhor jogador do mundo em 1999, vestiu a camisa de grandes equipes do futebol brasileiro e mundial, como Palmeiras, Corinthians, Cruzeiro, Barcelona e Milan. E, já na etapa final de sua vitoriosa carreira, o craque viverá uma emoção especial na noite desta quarta-feira. Com a camisa 10 do São Paulo, ele terá o prazer de entrar no estádio do Arruda lotado e enfrentar o time do seu coração e de toda sua família, o Santa Cruz. O duelo é válido pela segunda fase da Copa do Brasil.     Diante disso, o veterano volta a apresentar a ansiedade dos tempos de garoto. Quer que o tempo passe rápido. Em entrevista exclusiva concedida ao GLOBOESPORTE.COM, ele fala do carinho pelo Tricolor pernambucano, conta das dificuldades do início de carreira, pede mais respeito com o fato de ainda jogar bola mesmo com a idade avançada e deixa claro: será uma enorme frustração se não entrar em campo na noite desta quarta-feira.

GLOBOESPORTE.COM – Quarta-feira será especial para você. Como está o coração?

Rivaldo – Sem dúvida, batendo mais forte. Tem coisas que estão acontecendo na minha vida que eu nem esperava. Estar em um clube como o São Paulo já é uma coisa que eu não imaginava que poderia acontecer mais. Agora, ir ao Recife para jogar contra o Santa Cruz, onde comecei a jogar desde pequeno, será incrível. Sou torcedor, assim como toda minha família. É um clube maravilhoso, com uma torcida única no Brasil. O time está na quarta divisão e enche o Arruda. Pode escrever aí. Teremos 50 mil pessoas no jogo. A ficha ainda não caiu. Mas, quando a bola rolar, terei de ser profissional e pensar no bem do São Paulo.

De onde vem toda essa paixão pelo Santa Cruz?

Do meu pai (seu Romildo). Eu nasci no bairro da Encruzilhada e, com seis anos, fui morar em Paulista. Meu pai era tão fanático que me levou para fazer um teste na escolinha do clube, em 1988. Depois, passei a treinar no juvenil da equipe. Todo dia pegava um ônibus para ir e um para voltar. De repente, fui dispensado por um treinador chamado Betinho sem ter um motivo aparente. Em setembro de 1988, voltei para a minha casa e acabei conseguindo uma vaga no Paulistano, time da cidade. Um mês depois, no campeonato juvenil, fomos enfrentar o Santa Cruz no Arruda e ganhamos por 2 a 0, com dois gols meus. Quando acabou o jogo, os dirigentes me queriam de volta. Só que eu não queria, fiquei magoado com o que havia acontecido. Aí descobri que havia um problema de documentação.

Que problema? O que aconteceu?

Quando fui mandado embora do Santa Cruz, me avisaram que uma semana depois, mandariam a minha documentação, o que não aconteceu. Quando o Paulistano me deu uma oportunidade, o treinador da época disse que não havia problema fazer um novo registro, já que eu era amador. Eu então assinei. Quando o Santa Cruz pediu minha volta, eles descobriram o problema e entraram com um pedido na Federação para anular a partida, o que acabou acontecendo. Foi marcado um novo jogo e eu não poderia estar em campo. O Paulistano nem apareceu e perdeu por W.O. E eu tive de voltar para o Santa Cruz.

Como era a sua rotina? Todo dia ia e voltava de ônibus sozinho? Seu pai não te acompanhava nos treinamentos?

Ele não podia, trabalhava na Prefeitura como datilógrafo. Tudo na época era feito com muita dificuldade. Meu pai, apesar do pouco dinheiro, conseguia me dar um passe para ir e outro para voltar para casa. Um dia, fiquei com muita fome e resolvi trocar esse passe por um pão doce e um caldo de cana. E, sem alternativa, voltei a pé para casa. São 25 quilômetros entre Recife e Paulista e não tinha outra maneira. Meu pai também fazia bico como porteiro no estádio do Arruda para conseguir um dinheiro a mais. Ele era o meu maior incentivador.  

Foi aí que você sofreu o primeiro grande baque da sua vida.

O primeiro e o maior, sem dúvida. Lembro até hoje da data. Dia 6 de janeiro de 1989. Meu pai morreu atropelado. Foi muito difícil, quis abandonar tudo, não tinha mais o motivo que me fazia querer ser jogador. Lembro que tinha de me apresentar no dia 23 e não queria nem sair de casa. Foi quando minha mãe veio falar comigo. Ela não gostava de futebol, mas disse que eu não podia desistir porque o sonho do meu pai era me ver atuando pelo time profissional do Santa Cruz. Por ele, arranjei forças e fui. Quando cheguei ao treino, falei que meu pai havia morrido e foi aquela comoção geral. E aí passaram a me dar o dinheiro da condução.

E como você e sua família fizeram para se sustentar na época?

Foi difícil, não vou mentir. Quando meu pai estava vivo, eu já trabalhava pelo menos um período na praia vendendo coxinhas e sonhos para aumentar o orçamento. Quando meu pai morreu, passamos a viver do dinheiro da pensão dele. Na primeira semana, não tínhamos nem dinheiro para comer. A burocracia atrasou a liberação do dinheiro da pensão e os vizinhos trouxeram comida. Um trazia feijão, o outro levava cuscuz e a gente foi se virando como podia.

E como seguiu sua carreira?

Dali para frente, tudo evoluiu rapidamente. Em 1990, embora continuasse registrado como júnior, disputei alguns jogos no profissional do Santa Cruz e o dinheiro do bicho de cada partida ajudava demais em casa. Naquele ano, lembro que fomos campeões estaduais. Na hora do título, só pensava no meu pai, em como tinha conseguido realizar o sonho dele. Em 1991, disputei a Copa São Paulo de juniores. Me lembro que a sede era em Bauru. Disputamos quatro jogos, perdemos três (Noroeste, XV de Jaú e Atlético-MG) e ganhamos um (Moto Clube). Acabamos eliminados. Mas, quando voltei para Recife, fui levado de novo para o profissional. O técnico era o Sérgio Cosme e cheguei a fazer bons jogos, mas tive o azar de me machucar. Em 1992, disputei outra Taça São Paulo e me destaquei. Durante a competição, fiquei sabendo que estava sendo negociado com o Mogi Mirim (ele foi para o time paulista junto com Válber e Leto, que mais tarde formariam o Carrossel Caipira com o técnico Oswaldo Alvarez). Fui para lá ganhando 200 cruzeiros por mês. Podia parecer pouco, mas era três vezes o salário que eu levava para casa antes.

Como se virou longe da família?

Foi muito difícil. Eu estava muito longe e não tinha como saber se minha mãe estava comendo direito. Naquela época ninguém tinha telefone. Para dar notícias, ou mandava uma carta, que demorava muito tempo para chegar, ou então ligava a cobrar na casa de um amigo, que ia até a casa da minha mãe e falava que eu estava bem. Mas em um determinado dia, ao tentar falar com esse meu amigo, fiquei sabendo que ele havia morrido. Era o Robson, gente boa demais, amigo de pelada em Paulista. Fiquei transtornado. O pessoal do Mogi me ajudou bastante, consegui superar o momento e tudo melhorou.

Todo esse sofrimento ajudou a manter a humildade que o caracteriza até hoje?

Não tem nada a ver. Minha história não é pior nem melhor do que a de ninguém. Muitos jogadores iguais a mim e que hoje brilham também tiveram dificuldades. Sou assim por causa do meu pai, da minha mãe, de tudo que eles me ensinaram. Quando pisam na minha cabeça, chega. Quando estava no Barcelona e via que o treinador (Louis Van Gaal) queria me prejudicar, reclamei para todo mundo ver o que estava acontecendo. Eu sou assim calado, no meu canto, mas não pisa no meu calo. Aí eu viro bicho.

Como você reagiria se não fosse utilizado pelo Carpegiani na noite desta quarta-feira?

Vou respeitar a decisão como sempre respeitei. Mas, sem dúvida nenhuma, não vou esconder que seria uma decepção, ficaria muito triste. Estou aqui no São Paulo para jogar, não para passar férias. Se eu não tiver oportunidade, vou para a minha casa. Estou aqui para fazer um pouco mais e mostrar que tenho condições de jogar. Não vou ficar de dublê aqui. Mas a decisão é dele. Mas é duro demais quando você não atua. Nos dias 20 dias em que me tratei, ralei demais, fiz tratamento de manhã e à tarde, inclusive aos sábados e domingos, tudo para estar recuperado o mais rápido possível. Sempre joguei nos clubes por onde passei e, quando isso não acontece, não consigo dar risada.

Como você analisa o seu momento no São Paulo?

Fico triste pela situação de ter me machucado, mas entrego na mão de Deus. Sei que vou ter dificuldade para ter o meu espaço. Preciso ser sincero. Sei da minha qualidade, mas tenho 38 anos e só vim para o São Paulo por causa do Rogério. Não adianta negar, esconder. O Rogério tem 21 anos de clube, se quiser ser presidente, será. Ele tem moral para trazer alguém aqui. A história dele é a história do clube. Vou encontrar essa dificuldade, mas confio no meu potencial e sei que, uma hora ou outra, minha chance vai chegar.

  Como você lida com os comentários de que a sua lentidão hoje não se encaixa no rápido time do São Paulo?

Sei que o time é rápido, mas se eu não posso jogar no São Paulo, o Zidane não joga. Pega o time do Barcelona, o único que é rápido é o Messi. Nenhum outro lá corre mais que o Fernandinho, por exemplo. Se for assim, o Ganso também não poderia jogar no time do São Paulo, já que não é rápido. Isso é uma besteira. Onde fica o talento nessa história? Em algumas horas, alguém precisa parar, pensar e dizer: calma, vamos segurar o jogo. Precisa ter um cara que pensa, não adianta só correr. Isso depende do treinador. Ninguém corre 90 minutos. Não vou sair correndo aos 38 anos. Quem tem de correr é o Fernandinho. O Zidane foi três vezes melhor jogador do mundo e nunca foi rápido.

Percebo que você ficou incomodado com a última pergunta.

O grande problema são os comentários. Um fala que você está velho, o outro vem em cima e diz que, com 38 anos, você não presta mais. Eu cheguei agora no São Paulo e não vou criar confusão com ninguém. Se tiver uma disputa, sei que vou perder. Esses comentários incomodam demais. Se fosse uma questão técnica, eu aceitaria numa boa. Mas não é o caso. Mas sigo tranquilo, trabalhando forte porque sei que a oportunidade vai aparecer. Tem a Copa do Brasil, o Campeonato Brasileiro é muito longo e vou mostrar nos treinamentos que mereço uma chance.

E como você analisa o seu desempenho até agora?

É muito cedo para fazer qualquer tipo de comentário. Se você pegar o número de minutos em que estive em campo, não dá três jogos completos. Contra o Palmeiras, joguei cinco minutos, entrei em uma situação complicada, o time tinha um homem a menos. Sofremos o empate e, com mais tempo, poderíamos até ter perdido. Até agora, acho que está normal. Tenho de continuar trabalhando porque sei que muita coisa ainda vai acontecer. E um detalhe pode mudar toda uma história. Um lance pode fazer a diferença, um gol pode dar um título e você fica marcado na história.

Aproveitando que você tocou no nome do Palmeiras na última resposta, esclareça uma coisa: ficou ou não ficou uma mágoa do Felipão por não ter aberto as portas do Verdão para o seu retorno?

Eu não tenho mágoa do Felipão. Só escutei na imprensa que ele não me queria no Palmeiras, mas nunca conversamos sobre isso. Tenho muito respeito por ele. Eu o ajudei a ganhar um bom dinheiro quando o levei para o Uzbequistão e ele me ajudou muito no Mundial, quando eu estava machucado e ele apostou na minha recuperação. Não tenho mágoa nenhuma dele. São coisas que acontecem. Não vou mentir. É claro que na minha cabeça, quando pensei em voltar ao Brasil, o plano A era o Palmeiras, mas não aconteceu. Mas Deus sabe o que faz. Se minha liberação tivesse chegado antes, já teria jogado pelo Mogi e hoje não estaria no São Paulo.

Você acredita que poderá renovar o seu contrato com o São Paulo? (O vínculo vence em 31 de dezembro, mas poderá ser prorrogado por mais um ano)

Vai depender de uma série de fatores. Depende de ter prazer, de continuar com alegria, de conquistar títulos. Se continuar me sentindo importante no São Paulo, vou ficar. Mas eu também preciso fazer algo pelo clube, quero marcar meu nome para poder continuar. Não quero favor de ninguém.      

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