Aos 38 anos, Helen encerra a carreira e embarca em novo projeto: ser mãe

Aos 38 anos, Helen encerra a carreira e embarca em novo projeto: ser mãe

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:54

Quando a última sirene tocou na noite de segunda-feira em Americana, não foi só o campeonato que acabou para o time da casa, eliminado por Ourinhos. Acabou também uma carreira de mais de duas décadas dedicadas ao basquete. Aos 38 anos, Helen Luz se despede da bola laranja e coloca o ponto final num currículo que inclui o título mundial de 1994, o bronze olímpico de 2000 e uma penca de taças no Brasil e na Europa.

Do calor do interior paulista aos 45 graus negativos da Sibéria, a ala-armadora viu de tudo em suas andanças. E reviu boa parte delas num longo papo por telefone com o GLOBOESPORTE.COM na tarde de terça-feira. Na casa da mãe, em Louveira, a 70km de São Paulo, a agora ex-atleta avisou que pretende mergulhar em dois projetos: estudar gestão esportiva e, principalmente, ser mãe. Interromper a aposentadoria para defender a seleção no Pré-Olímpico em setembro? Nenhuma chance: “Espero estar grávida quando me ligarem”, diverte-se.

GLOBOESPORTE.COM: Então é isso mesmo? Não tem mais volta?

HELEN LUZ: É, eu já tinha tomado essa decisão antes de voltar para o Brasil. É claro que não foi da maneira que eu esperava, queria muito disputar a final da liga, mas vida de atleta é assim. Fiquei muito feliz porque, quando falei que ia parar, todo mundo pedia para eu continuar. Mas todo atleta sabe qual é o seu momento. Meu desejo era voltar ao Brasil e jogar numa equipe daqui, e Americana é uma cidade que eu já conhecia muito bem, já tinha jogado lá. Então tudo que eu desejei se realizou. E não foi nenhum motivo específico que me fez parar. Dor no joelho? Tenho. Rotina de treinos? Cansa. Mas são várias coisas juntas. Agora quero me realizar em outras situações. E quero ter filho, não estou mais com idade de atrasar muito esse projeto (risos).

Você vai continuar envolvida com o basquete?

Com certeza. Converso muito sobre isso com o Octavio (marido, espanhol). A gente tem um projeto social aqui em Louveira, estou muito ansiosa para começar logo. Além disso, quero voltar a estudar, depois de anos sem tocar num caderno. Quero me dedicar à gestão esportiva, o Brasil ainda está tateando nessa área. Geralmente você estuda para depois viver a experiência. Eu vivi a experiência e agora quero estudar, quero contribuir para o basquetebol.

Não pensa em ser técnica?

Olha, não vou falar “nunca”, mas não é minha prioridade agora. Não é porque fui jogadora que tenho que ser técnica. Não é fácil comandar um time, dar treino, dominar uma equipe. Gostar, eu gosto, mas vou deixar acontecer.

Agora que você decidiu parar, vamos olhar lá para trás, no início dos anos 80, em Araçatuba. Quantos anos você tinha quando descobriu o basquete?

Eu tinha uns 11 anos. Aliás, esse projeto que eu estou fazendo é justamente por isso. Naquela época, me deram oportunidade de conhecer o basquete. Eu fazia natação, atletismo, meu pai sempre me incentivou. E hoje eu vejo que falta oportunidade. Passo aqui na rua às 15h, a criança está sem fazer nada. Por que não está praticando um esporte? Por que não fazer outras Helens? Isso não entra na minha cabeça. Comigo foi assim. Meu pai foi técnico, jogador, me incentivava, e eu sabia que queria ser atleta. Um dia conhecia a Hortência e, nossa, nem podia imaginar que anos depois eu seria campeã mundial com ela.

Como você conheceu a Hortência?

Foi numa edição dos Jogos Abertos do Interior, eu tinha uns 12 anos. E fui lá no colégio em que a Prudentina estava jogando. Ela nem se lembra mais dessa história, mas eu me lembro muito bem. Eu, magrela, fui lá perguntar se tinha jeito para jogar basquete. Ela disse que sim, fiquei toda feliz. Depois conheci a Paula também, eu idolatrava as duas.

Alguns anos depois, no início da década de 90, você já ganhava títulos jogando como profissional. Quais foram as passagens mais marcantes nos clubes brasileiros?

Eu me lembro muito do Mundial de Clubes pelo Corinthians, a gente jogou super bem, eu e a Cíntia. Era muito novinha. Tive um momento muito legal em Piracicaba, quando era juvenil. A Ruth não apareceu para treinar, e a Heleninha me chamou. Treinei, mas achava que não ia jogar. Era a final do Paulista. E joguei, entrei bem na partida. A gente nem ganhou aquele título, mas nunca me esqueço. Jogar com as minhas irmãs no Brasil também foi muito legal, tive uma boa experiência no Paraná.

Depois de conquistar títulos no Brasil, você foi para os Estados Unidos e jogou três temporadas no Washington Mystics, da WNBA. Como foi lá?

Nunca passou pela minha cabeça jogar lá, com aquelas meninas muito fortes fisicamente. Mas eu quis ir por causa do desafio. Até minha mãe se surpreendeu e disse: “Das minhas filhas, você é a última que eu imaginava que pudesse ir para os Estados Unidos”. E a torcida gostava de mim. No início, quando eu saía do banco, eles gritavam “Luz”, e eu não entendia, achava que estava sendo vaiada. A Vicky Bullet é que me explicou: “Eles estão gritando seu sobrenome” (risos). Até hoje tenho contato com fãs de lá.

Sua passagem pela Europa foi longa, por vários países. O momento mais especial foi em Barcelona, onde você foi campeã espanhola?

Pois é, em 2003 fui para a Rússia. Fui a primeira brasileira a jogar lá. A gente estava em Novosibirsk, na Sibéria, a cinco horas de Moscou. Quando cheguei no aeroporto, olhei a temperatura: 45 graus negativos. Achei que eu ainda estava dormindo (risos). Mas o frio é tão natural para eles, nem dá para sentir. Por incrível que pareça, eu passo mais frio no Brasil do que passava lá. Porque lá era natural, não faltava água quente, aquecimento, é uma estrutura maravilhosa. Depois fui para o Barcelona, na Espanha, onde conheci o Octavio. Nosso time foi campeão espanhol, eu e a Érika. Foi uma época legal, quando o Ronaldinho Gaúcho jogava lá, estava em evidência.

E pela seleção? Seu grande momento foi mesmo o título mundial em 1994?

Ah, aquilo foi espetacular. Hoje eu valorizo muito mais aquele título do que valorizava na época. Quando você ganha, parece que é uma obrigação. Foi uma conquista linda, com Hortência e Paula. Naquele momento eu não sabia se voltaria a jogar com elas. E não posso deixar de citar as Olimpíadas de Sydney, também foi um grande desafio conquistar aquela medalha.

Tem algum jogo que seja o mais marcante da sua carreira?

São dois. Primeiro, a final do Mundial. Jamais pensei que ia entrar naquela partida, aos 22 anos. Bem depois daquilo, fui a um programa de televisão, fazendo uma retrospectiva, e só aí eu me toquei que joguei uns 20 minutos (risos). Nossa, foi uma final de Mundial. E teve também uma final de Copa América, em 2001, no Maranhão, contra Cuba. Aquele foi o meu jogo, realmente eu fui muito bem.

E a cesta mais marcante?

Ah, foi aquela do Mundial de 2006, né, na estreia contra a Argentina (O Brasil venceu o jogo com uma cesta de Helen nos últimos segundos, pegando um rebote no ar, longe da cesta, e arremessando antes de cair no chão). Isso eu posso dizer: nunca perdi para a Argentina, nem na base, nem no adulto. E não podia ser naquela vez, né, no Brasil, com o Ibirapuera lotado.

Você foi campeã paulista, nacional, espanhola, mundial, sul-americana, ganhou Copa América, medalha em Olimpíada. Faltou alguma coisa?

Teve uma medalha que eu não ganhei, que foi a prata das Olimpíadas de 1996. Eu estava na seleção e tinha feito uma cirurgia no joelho. Não tenho a medalha física, mas cheguei a fazer parte daquele grupo, sabia que o motivo da minha ausência era só físico. Não foi nada frustrante, na verdade ajudou a me fortalecer.

Essa geração medalhista olímpica e campeã mundial, a sua geração, manteve o Brasil na elite do basquete feminino mundial. Agora a seleção passa por um período muito difícil, de renovação. Qual é o lugar do Brasil no cenário internacional hoje? E por que chegamos nesse ponto?

É difícil dizer qual é o lugar. Mas é preciso ser sincero e realista. Não estamos nos nossos melhores momentos. O que acontece hoje é um reflexo de dez anos atrás. Quando fomos campeãs do mundo, por que não fizeram algo naquele momento? Era a hora de valorizar o professor de educação física, o treinador. Educação física não pode ser recreação, como é hoje no Brasil. Vivi sete anos na Europa, a Espanha tem 45 milhões de habitantes, e a quantidade de pessoas jogando basquete é impressionante. Tem que fazer as coisas acontecerem. Hoje eu falo da Hortência porque, certa ou não, ela está tentando o melhor, tem que ser apoiada. Temos que fazer clínicas, cursos, os técnicos têm que trocar mais informações entre eles. Vamos pegar aquela menina e dar a ela o melhor, é esse detalhe que vai fazer a diferença no futuro. Agora, isso tem que acontecer com 10, 11 anos, é ali que o técnico tem de ser valorizado. Esse técnico da base é mais importante que o do adulto. O problema de hoje é um reflexo do passado.

No segundo semestre, o Brasil disputa o Pré-Olímpico. Se o seu telefone tocar, e do outro lado estiver o técnico Ênio Vecchi, te chamando para voltar... não tem nenhuma chance?

Não. Eu espero estar grávida quando me ligarem (risos).

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