Louco por corrida, sorveteiro treina forte para prova em ex-rota do tráfico

Louco por corrida, sorveteiro treina forte para prova em ex-rota do tráfico

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:44

Algumas pessoas encaram o esporte apenas como uma forma de diversão. Outras procuram fazer da atividade física uma forma de ganhar mais saúde. Mas existe um grupo que encontra na prática esportiva uma das grandes motivações em seu dia a dia, mesmo que para isso não ganhe um centavo sequer. É o caso de José Cantídio Leal Ferreira Neto, ou simplesmente Seu José, corredor e sorveteiro de 50 anos que vai ter a responsabilidade de carregar o número 1 no Desafio da Paz , corrida de 4,850 km na antiga rota do tráfico entre a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, neste domingo.

Após começar no esporte com 18 anos e parar por um tempo, o sorveteiro, que acorda cedo faça chuva ou faça sol para correr, resolveu levar mais a sério aos 30 e, a partir daí, começou um novo vício. Só de camisas de provas disputadas são mais de 100. Participações na Meia Maratona do Rio, ele já perdeu a conta. Troféus, medalhas, marcas e histórias de superação também não são mais contabilizados pelo atleta.

José mostra resultado das conquistas estampadas na parede de casa (Lucas Loos / Globoesporte.com)       - Às vezes corro à noite, quando chego cedo do trabalho, mas geralmente vou durante a manhã, umas 7h. Tem vezes que vou até Duque Caxias correndo e volto, o que dá uma distância de mais de 21 quilômetros. Desde que comecei a correr, ganhei mais saúde e passei a acordar cedo e dormir cedo. Às vezes até saio mais à noite, mas não demoro muito a voltar para casa, para poder treinar de manhã cedo. Posso estar gripado que não perco uma – garante.

Até o ano passado, os treinos costumavam ser sob o acompanhamento de um treinador no Estádio Célio de Barros. Mas, por não ter mais dinheiro para pagar a mensalidade, ele teve que mudar a rotina e deixou os treinos no Maracanã. Lá, ele registrou seus melhores tempos, exibidos com muito orgulho: 19m40s nos 5 km; 3m30s na prova de 1 km; além da marca de 1h43m43s conquistada na Meia do Rio.

Mesmo com a experiência de anos na modalidade, José terá uma oportunidade inédita neste domingo. Após passar por momentos de tensão em novembro do ano passado durante a ocupação da polícia no Complexo do Alemão (veja no vídeo ao lado) , local onde mora há seis anos, o sorveteiro terá a chance de, enfim, participar de uma prova “em casa”. A empolgação foi tanta que ele estava na fila de espera para se inscrever duas horas antes de as vagas serem abertas ao público. Este desafio, para ele, significa uma chance de a corrida de rua se desenvolver na região.

 

- Aqui, muitos não são ligados ao esporte. Tem gente que nem sabe o que é isso. Acho que a corrida vai mudar a cabeça das pessoas, porque vai haver uma exposição maior da modalidade - diz ele, que afirma ter passado quatro dias em casa, sem sair para treinar ou trabalhar, durante a ocupação policial no Complexo do Alemão.

Esporte é protagonista no dia a dia

Nascido em Recife, estudou até a oitava série e mudou-se para o Rio aos 16 anos. Na nova cidade, tentou servir ao exército, mas não conseguiu por excesso de contingente. Em seguida, trabalhou em lojas de auto peças. Atualmente, ele, que revela não gostar de sorvetes, tem sua carrocinha e garante que percorre mais de 50 quilômetros por dia para ganhar vender seus produtos, começando às 9h e terminando só ao anoitecer.

Para arrumar tanta disposição, o dia começa com um café da manhã reforçado, à base de frutas, pães, café e uma receita pra lá de especial aprendida nos tempos de Célio de Barros: vitamina feita com o gel da babosa, laranja e duas colheres de guaraná e ginseng. José garante que a mistura é boa, mas alerta: não deve ser consumida todo dia. O almoço tem arroz e feijão, com peixe, frango ou fígado. Só não entra carne no cardápio. Após o trabalho, um lanche leve.

Com coleção de mais de 100 camisas, José mostra algumas especiais (Lucas Loos / Globoesporte.com)

  Na casa humilde, as medalhas fazem parte da decoração, e o armário é cheio de camisas de provas. As fotografias guardadas são quase todas de corridas disputadas, especialmente as que terminam em pódio. Lá, José, que já foi casado, mas se separou sem ter filhos, mora sozinho. A mãe ainda está em Recife, enquanto um irmão também vive no Rio de Janeiro. O pernambucano, no entanto, tem atualmente uma namorada com quem pretende constituir uma família.

Sonho de R$ 6.000

Organizada pelo AfroReggae, a prova abriu vaga para mil corredores, sendo 300 da comunidade. Estes concorrem ao prêmio de R$ 6.000 destinado ao melhor colocado entre os moradores da região, e José acredita que tem cinco "vizinhos" na briga. Mesmo assim, ele não esconde as manhas do conhecido percurso e abre o jogo.

- A subida da pedra é a pior parte do trajeto, e vai ter muita gente que não vai aguentar. Eu vou pegar o canto da pista para encurtar o percurso e ganhar tempo - conclui o sorveteiro, que, emocionado, promete ajudar amigos da comunidade em caso de vitória.          

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