Perto dos 80, 'menino' Zagallo se diverte com Disney

Perto dos 80, 'menino' Zagallo se diverte com Disney

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:32

"Um menino de 8 anos aos 80." Com essa frase, Mario Jorge Lobo Zagallo definiu a sua atual fase às vésperas de se tornar octogenário. Curiosamente, "Menino Zagallo" tem 13 letras. Superstição perfeita para as comemorações do Velho Lobo nesta terça-feira, dia 9. O maior defensor da "amarelinha", como costuma se referir à camisa da Seleção Brasileira, acabou de chegar com a alma renovada de divertida viagem com a família pelos Estados Unidos, onde matou a saudade de duas cidades que adora. Na Disney, em Orlando, os golfinhos e baleias superaram o Mickey Mouse na preferência. Mas Las Vegas deixou o tetracampeão mundial  de boca aberta, especialmente a apresentação que viu do Cirque du Soleil.

- Foi o maior show que vi na minha vida. Como uma final maravilhosa de Copa do Mundo. Com o Brasil, é claro - comparou o tetracampeão mundial, que não tira o futebol da cabeça.

Zagallo é assim desde pequeno. Apesar de ter nascido em Maceió, sua vida foi toda no Rio de Janeiro, para onde a família se mudou quando tinha apenas oito meses de idade. A infância, na Tijuca, era recheada de grandes peladas, principalmente na Praça da Bandeira. Ali, Mario Jorge já era chamado pelo sobrenome Zagallo e temido pelos seus adversários. Jogava no Ameriquinha, que tinha duelos fantásticos com o Cruz de Malta, outro time das cercanias. Na época, era o habilidoso driblador que deixava os adversários no chão e praticamente entrava com bola e tudo. Ao contrário do que se pode pensar, vestia a camisa 10.

Foi logo para o América, onde começou a carreira em 1948.  No primeiro clube de coração, do qual o pai era sócio e frequentador assíduo, já havia trocado de posição e escolhido a camisa 11. Achava que teria mais chances de um dia jogar na Seleção. Veja só. A amarelinha já era sua paixão. O menino de 18 anos e o sonho, no entanto, tiveram um encontro triste em 1950. Como soldado, na Polícia do Exército, acabou escalado como seu pelotão para trabalhar na final da Copa do Mundo entre Brasil e Uruguai. Posicionado no anel superior do Maracanã, ao lado do gol onde estava o goleiro brasileiro Barbosa, viu Gigghia sacramentar a virada por 2 a 1 que levou às lágrimas os 200 mil torcedores espremidos no Maracanã e os milhões no resto do Brasil.

O sofrimento daquela derrota só fez crescer em Zagallo o sentimento cívico poucas vezes visto em um atleta. Nascia ali um dos maiores soldados dos gramados. Do América para o Flamengo, Zagallo começou sua transformação. Na Gávea, conheceu Fleitas Solich, técnico paraguaio chamado de bruxo por causa de suas mudanças estratégicas. Foi ele, o bruxo, que convenceu o ponta-esquerda a mudar sua característica. Trocar os dribles pelo jogo coletivo. Recuar para ajudar na marcação. Nascia o Formiguinha, que foi tricampeão carioca em 1955 e ganhou logo vez na Seleção Brasileira.

Com boa "condição orgânica", como costuma dizer, foi importante na conquista da primeira Copa, em 1958. Acompanhado de Pelé e dos alvinegros Garrincha, Didi e Nillton Santos, entre outros craques, repetiu a dose em 1962, já pelo Botafogo, onde também  foi bicampeão carioca no meio de outros jogadores de Seleção - como Amarildo -, pendurou as chuteiras e começou a carreira de treinador. Ali, em General Severiano, o "soldado" virava "coronel". Primeiro nas categorias de base. Nos profissionais, deu outro bicampeonato ao clube, comandando  a outra geração de craques como Gerson, Jairzinho, Paulo Cezar, Rogério, Sebastião Leônidas...

O Botafogo foi o pulo para a Seleção Brasileira. No lugar de João Saldanha, fez as mexidas na base da equipe considerada por muitos e pelo próprio Zagallo como a "melhor que o mundo pôde ver jogar". O tricampeonato em 1970 provou que ele estava certo ao juntar, do meio-campo para frente, craques típicos de um time dos sonhos: Clodoaldo, Gerson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino, fora o reserva de luxo Paulo Cezar, o Caju, que seria titular em qualquer outro país. Atrás, um capitão genial como Carlos Alberto Torres, além de uma zaga formada pelo xerife Britto e o improvisado e bom Piazza. Os eficientes Félix, no gol, e Everaldo, na lateral esquerda, completavam a formação da grande vitória no México.

Que partida é essa, Santos e Flamengo? Sensacional. Foi como se tivesse visto um jogo do passado" Zagallo Depois, o tetra como coordenador técnico, em 1994, o vice como treinador novamente em 1998, na França, partidas, títulos memoráveis, derrotas sofridas, seja na Seleção ou nos clubes por onde passou, como Flamengo, Botafogo, Fluminense e Vasco, mostram que Zagallo, nos quase 60 anos dedicados ao futebol, foi o grande onipresente. Em entrevista por telefone, após ter ido ver as obras do Maracanã, diz que está "ótimo" de saúde aos 80, volta a afirmar que é torcedor da "Seleção" e tem paixão dividida pelo Fla e Botafogo. Relembra grandes momentos, como as conquistas com a amarelinha e o tri rubro-negro no gol de Pet. Sobre o futebol atual, achou a Copa América nivelada por baixo, torce por final Brasil x Uruguai em 2014 e  vibrou com o épico Santos 4 x 5 Fla.

- Que partida é essa? Sensacional. Foi como se tivesse visto um jogo do passado. Tinha muito espaço para jogar, como antigamente. Mas isso não vai acontecer numa Copa do Mundo - disse, em meio aos vários toques do celular, enquanto falava com o GLOBOESPORTE.COM.

Confira abaixo a entrevista:

GLOBOESPORTE.COM: Perto dos 80, você fez uma viagem pelos Estados Unidos, foi à Disney, Las Vegas. Deu para dar boa relaxada? Como se sente? Um menino de 8 aos 80?

ZAGALLO: Exatamente isso, um menino de 8 anos aos 80. Foi maravilhoso . Sinto-me ótimo, com saúde completa. Já tinha ido outras duas vezes, mas sempre corrido. Agora, passei 15 dias, fui com a minha família. Minha mulher, filha, genro, dois netos. Brinquei com os golfinhos, as baleias, foi o que eu mais gostei da Disney. Mas não mergulhei com eles não... Ainda fiz umas compras por lá. Mas eu achei Las Vegas o ponto alto da viagem. Curti mais. É uma cidade diferente. O grande problema foi o calor. Mais de 50 graus. Um bafo enorme. O jeito era ir para os hotéis, para aproveitar o ar-condicionado. E no Hotel Inn, vi um lindo espetáculo com pessoas no palco dentro d'água, uma beleza. Foi o melhor show que vi na minha vida. Como uma final maravilhosa de Copa do Mundo. Com o Brasil, é claro.

Esse assédio que tem recebido pelos 80 anos não o incomoda? Os telefones não param de tocar, dá para ouvir do outro lado da linha...

De forma alguma. É muito melhor ter a procura do que passar despercebido. Estou me sentindo cortejado. Sou sempre procurado. Nas ruas, me param para lembrar da frase "vocês vão ter que me engolir". Até crianças. Certamente, os pais contam, né? É muito divertido isso...

Zagallo lembra que, jno jogo do aviãozinho, em amistoso contra a África do Sul, em 1996, fez boa mexida no intervalo, fundamental para a virada do Brasil de 2 a 0 para 3 a 2 (Foto: André Durão / Globoesporte.com) Foi o fato que mais o aborreceu na carreira? Teve também a caricatura do Romário, a derrota em 1998... O que mais o deixou triste?

Ah, sem dúvida, o que aconteceu com o Ronaldo antes da derrota na final da Copa de 1998 (o jogador teve uma convulsão). Não foi bom vê-lo daquela maneira. Depois, ele me pediu: "Pelo amor de Deus, não me deixe de fora." Eu achei que tinha de escalá-lo. Infelizmente, perdemos por 3 a 0. O "vocês vão ter que me engolir" eu disse como resposta aos críticos, mas a frase pegou, ficou uma coisa engraçada, virou um bordão. A caricatura do Romário eu botei na Justiça e ganhei. Tive problemas com ele em 1998. Foi a ressonância que cortou o Romário. Eu só comuniquei. Mas ele achou que fui eu. E ainda botou o Zico na história, que não tinha nada a ver. Eu não falo mais do Romário como pessoa. Como jogador, foi excepcional, e ponto.

Na sua fase de jogador, qual momento destacaria?

A Seleção de 70 foi a melhor que o mundo pôde ver jogar. Em 1958 não teve televisão" Zagallo A conquista da primeira Copa, em 1958. Ali, participei de uma mudança tática, com o técnico Feola, em 1958. Antes do Mundial, quando jogávamos no esquema 4-2-4, só estávamos tomando ferro. Foi quando o Feola me botou para fazer o terceiro homem, o do vaivém, que recuava para ajudar o meio-campo. O jogador de 100 metros. Deu tudo certo. Tenho que agradecer a dois técnicos por isso: o Fleitas Solich, no Flamengo, que mudou minhas características, e o Feola, que me deu a chance na Seleção. Antes disso, eu era a terceira opção para a ponta esquerda. . Na minha frente tinha o Canhoteiro, do São Paulo, e o Pepe, do Santos. Mesmo assim, eu não me entreguei, aproveitei a chance. Estreei na Seleção contra o Paraguai, e fiz dois gols. Pouco antes do começo da Copa, num treino, machuquei o dedo num chute do Bellini, tenho a marca até hoje. Eu e Pelé treinávamos no gol no dois toques. Tínhamos essas opções para um caso urgente no meio do jogo... Fiquei com o braço na tipoia. Pensei que não fosse jogar. O Ricardo Serran, jornalista de "O Globo", é que me avisou no avião que eu seria o titular. Aí, foi o que todo mundo viu depois...

E como treinador?

O tricampeonato mundial em 1970. As mudanças que fiz no time quando assumi no lugar do João Saldanha. Mudanças técnicas e táticas. Passamos do 4-2-4 para o 4-3-3. Tirei o Rivellino e o Clodoaldo do banco. Recuei o Piazza para a quarta zaga. E o Tostão como um pivô de basquete, na frente. Fora o Carlos Alberto, um lateral que funcionava como ala. Mas o principal foi botar o Rivellino na ponta esquerda, voltando para ajudar o meio de campo. O Paulo Cezar Caju é que seria o ponta-esquerda. Foi para o banco...

Ele não ficou contrariado?

Nada. Entendeu pefeitamente a situação. Foi tranquilo. Nunca tive qualquer problema com o PC. Depois ele entrou no time, fez um partidaço. Vou te dizer uma coisa... Ele foi o melhor ponta-esquerda que eu vi jogar. Era aquele jogador de 100 metros. Habilidoso, veloz...

E a Seleção de 70, acha que foi a melhor de todos os tempos?

A melhor que o mundo pôde ver jogar. Em 1958 não teve televisão. As duas foram muito boas, as melhores. Todas cheias de craques. O maior jogo de Copas para mim foi Brasil 1 x 0 Inglaterra, em 1970.

Das seleções que não ganharam Mundial, quais o impressionaram?

A Holanda de 1974, o Brasil de 1982 e de 1998. O Carrossel Holandês montado pelo Rinus Michels era cheio de gênios que não ganharam uma Copa. Perderam a final para a Alemanha, que tinha também uma boa seleção. Mas o time laranja eu chamava de "Crush" da época. Perdemos deles por 2 a 0. Mesmo assim, tivemos chances de vencer aquele jogo. Jairzinho e Paulo Cezar perderam dois gols feitos.

E o Brasil de 1982?

Era um grande time, mas não chegou nem em quarto lugar. Foi uma pena. Em 1998, conseguimos chegar à final, apesar dos problemas. Houve aquele imprevisto com o Romário, depois aquela semifinal com a Holanda nos pênaltis, em que eu ia de um a um para passar confiança. Mas na decisão, depois daquele problema com o Ronaldo, o time foi apático.

Arrepende-se de alguma decisão que tomou? Em 1970, por exemplo, muitos reclamam que não foram convocados para o México Dirceu Lopes, Zé Carlos, Ademir da Guia, Eduzinho...

Não me arrependo de nada não. Os que eu tinha que tirar, eu tirei. Foram o Zé Carlos e o Dirceu Lopes, do Cruzeiro. Não tinha jeito. Eu precisava levar dois atacantes de área. Levei o Dario e o Roberto. que, inclusive, jogou a Copa. O que eu mais lamentei de não ter ido foi o Sebastião Leônidas, zagueiro do Botafogo. Estava em grande fase, e tive que cortá-lo por contusão. Talvez fosse o titular ali. Mas não dá para afirmar. Na vida, as coisas mudam de forma surpreendente.

Gostaria de escolher um jogo especial em que sua atuação no banco como treinador foi mais decisiva para uma vitória?

Ah, teve aquele do aviãozinho, contra a África do Sul, em 1996. Um amistoso. Eles fizeram 2 a 0, e a cada gol que marcavam, o técnico deles (Cliver Barker) fazia aquela gracinha na comemoração, imitando um avião. Fiquei quieto. Afinal, não podia fazer nada... Depois, efetuei uma substituição que não me recordo direito (foi a entrada de Zé Elias no meio-campo no lugar de Jamelli) que melhorou muito o time. O Flávio Conceição diminuiu. Fiquei na minha. O Rivaldo empatou. Continuei quieto. quando o Bebeto virou o jogo, com aquele sem-pulo... Não resisti. Corri fazendo o aviãozinho também...

Nos clubes, qual foi o momento mais especial?

Zagallo com as taças da Copa do Mundo (Foto: AFP) O tricampeonato carioca no Flamengo, em 2001. Aquele gol do Pet, faltando dois minutos para acabar o jogo, foi demais. Uma emoção como se fosse uma Copa do Mundo. Faltavam dois minutos. O Eurico Miranda, presidente do Vasco na época, estava no fosso, fumando aquele charuto. O Joel Santana, o técnico, de  um lado para o outro. A torcida do Vasco comemorava. O Flamengo vencia por 2 a 1, mas o resultado ainda era deles. Precisávamos de dois gols de diferença. Na hora daquela cobrança, segurei o meu Santo Antônio no bolso. O Pet meteu aquela bola no ângulo... Até hoje me arrepio quando revejo aquela cena.

 Zagallo, afinal, qual é o seu time de coração?

Meu time é Seleção Brasileira... E gosto dos dois clubes. No Flamengo eu fui tricampeão como jogador, depois como técnico. No Botafogo, fui bicampeão como jogador, depois me tornei técnico e também fui bicampeão. Tenho forte ligação com os dois clubes. E ainda tem o América, que foi o primeiro clube para o qual torci. Comecei minha vida ali. eu morava na Professor Gabizo, na Tijuca. Tinha o meu time de pelada, o Ameriquinha, muito bom por sinal. Os duelos com o Cruz de Malta... Mas minha paixão maior, sem dúvida, é a Seleção Brasileira.

Por falar em Seleção, o que achou da Copa América?

Para mim, o nível técnico ficou por baixo. As equipes que tinham que chegar não chegaram, como Brasil e Argentina. O Uruguai é que soube marcar bem e fazer os gols. Foi a que fez melhor o vaivém, por isso mereceu o título.

Acha que o Uruguai surge como um dos favoritos para 2014?

Não acredito. Mas até gostaria. Queria ver uma final novamente entre Brasil e Uruguai no Maracanã. Torço para ver o Brasil bater o Uruguai... Estava no Maracanã em 1950... Agora, fui lá para fazer entrevistas, vi a reforma. Vai ficar ótimo.

Muito se falou sobre a partida Santos 4 x 5 Flamengo. Viu o jogo? O que achou?

Que partida foi essa? Sensacional. Foi como se tivesse visto um jogo do passado. Tinha muito espaço para jogar, como antigamente. Os times marcando mal... Saíram nove gols. Mas isso não vai acontecer numa Copa do Mundo. Imagina um Brasil x Inglaterra assim?. Mas pelo visual e para o torcedor, foi muito bom. Fiquei vibrando. Torcendo para o Flamengo, lógico. Estava num jantar, o Santos fez 2 a 0. Quando cheguei em casa, o Flamengo já estava reagindo. "Caramba, que jogo é esse?", pensei. Depois, o Santos voltou a ficar na frente, e o Flamengo virou. Ronaldinho mostrou muita evolução, Neymar estava fantástico...

Imagino que, quando viu o Maracanã em obras para 2014, veio um filme de 1950 na cabeça e os outros momentos que viveu no estádio...

Passou esse filme, sim. Em 1950, estava ali na parte superior da arquibancada, como soldado na Polícia do Exército. Foi muito duro ver aquela tristeza toda do povo com a derrota. Nunca podia imaginar que, oito anos depois, estaria no campo ajudando o Brasil a ganhar a primeira Copa na Suécia. E depois, participar de tudo que participei. Bom demais...    

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