Às vésperas da final, Ricardinho vê a seleção distante: ‘Acho improvável’

Perto da final e das Olimpíadas, Ricardinho fala da seleção

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:13

Ricardo Bermudez Garcia tem 36 anos e se preocupa com a acelerada queda de cabelos. Reclama de uma foto, sugere um novo ângulo em outra e ajeita os fios, cortados um pouco mais curtos do que o normal, a pedido da filha. A feição realmente não é a mesma de quando foi descoberto, apenas como Ricardinho, no início da década de 1990, em São Paulo.

O incômodo com a calvície, no entanto, é pontual. Desde que voltou para o Brasil, há dois anos, repatriado pelo Vôlei Futuro, o levantador tem se reinventado. Diz ter encontrado um lar e uma nova família em Araçatuba, cidade do interior de São Paulo que adotou o vôlei como maior paixão. E, em quadra, o jogador tem retribuído. Maestro do time nas últimas temporadas, pode ficar mais feliz neste sábado, às 10h, na decisão da Superliga, contra o Cruzeiro, em São Bernardo do Campo. De quebra, ainda que considere improvável, voltou a sonhar com algo que parecia impossível: seleção brasileira.

Ricardinho não foge do assunto. Em alguns momentos, desacelera o ritmo das frases e mede as palavras. Sabe que, no passado, algumas declarações o deixaram mais longe de uma conciliação com Bernardinho. Campeão olímpico em Atenas-2004, o levantador foi afastado da seleção às vésperas dos Jogos Pan-Americanos do Rio, em julho de 2007. Agora, a menos de 100 dias da Olimpíada de Londres, o líder do Vôlei Futuro reconhece que um retorno é improvável, apesar da boa forma, da vontade e dos pedidos da torcida.

- São cinco anos fora, e é complicado entrar no ritmo de ciclo olímpico, como eles estão. Conheço bem o Bernardo e sei dessa filosofia dele de ser fiel ao jogador. Para ele, não depende do momento do cara. Por isso eu acho improvável - admite.

Por enquanto, Ricardinho diz ter na cabeça apenas uma preocupação: levar o inédito título da Superliga para Araçatuba. O levantador não se considera protagonista. Afirma, até, que é o oposto Lorena quem tem aparecido mais na competição. Diz, no entanto, que a força da equipe está justamente no grupo montado para a temporada.

- Não é uma estrela só, é uma constelação que faz esse time jogar. Aparentemente, um só carrega o piano. Mas, se não tivéssemos o que temos, não daria certo.

GLOBOESPORTE.COM: Você chegou ao Vôlei Futuro com status de estrela, astro repatriado após um longo tempo fora do país. Qual a sensação de levar um projeto como esse, que movimenta uma cidade inteira, à final da Superliga?
RICARDINHO: No ano passado, chegamos à semifinal. Tudo o que eles (diretoria) fizeram, a forma que eles conduziram, não só a minha contratação, é realmente uma coisa muito caseira. É verdadeiro, sincero, gosto desse estilo deles. Estou emocionado de poder ter correspondido com tudo o que eles sonharam. Eu cheguei há dois anos, mas o projeto tem dez. Um time que chegava nas oitavas e, de repente, procuraram investir nele, trouxeram sempre grandes jogadores. E agora você vê o resultado. Eu imagino o quanto é prazeroso para eles. Fazem muito por mim e minha família. Verdade, tenho o contrato certo, sou financeiramente valorizado, com certeza, mas o lado família que o Vôlei Futuro tem é espetacular. É uma coisa que eu nunca tinha passado. Fico feliz de, depois de tantos clubes que eu andei, voltar depois de seis anos para onde não me tratam como uma estrela do time. Eles brincam comigo e me tratam como uma pessoa que faz parte desse projeto. É um projeto muito verdadeiro.

No ano passado, o time investiu na contratação de jogadores que estavam na seleção brasileira, como Leandro Vissotto, Mário Jr. e Lucão. Nesta temporada, a diretoria mudou o planejamento e apostou em alguns nomes de talento reconhecido, mas que não eram estrelas, como o próprio Lorena. Apesar disso, o time foi ainda mais longe. O Vôlei Futuro, hoje, é um time mais completo?
São times bem diferentes, como você disse. No ano passado, eram jogadores com modos de agir e comportamentos diferentes na hora de decidir. E quase chegamos. Esse ano não temos tantas estrelas da seleção brasileira. A equipe procurou repatriar jogadores que não tinham tanto nome, como Bob, Piá, Lorena... Procuramos montar um time que ficasse o tempo inteiro com o projeto, com a cidade. E acho que esse time tem grandes chances. E não é um time que joga em cima do Lorena. A gente sabe disso. Isso é o que vocês (imprensa) falam (risos). Realmente, o Lorena é o carro-chefe, como o Camejo, na hora de derrubar as bolas. Mas o grupo é muito forte. Não é uma estrela só, é uma constelação que faz esse time jogar. Aparentemente, um só carrega o piano. Mas, se não tivéssemos o que temos, não daria certo.

Você tinha mercado em qualquer equipe do país quando desejou voltar. Por que apostar em um projeto que, antes da sua chegada, convivia com resultados medianos?
Eu tinha muita vontade de fazer parte de um projeto que tivesse identidade. E no Brasil não tem isso. É muita mudança, o clube não tem muita afinidade com o torcedor. E com eles é diferente. Fecharam muito a forma deles, um projeto forte de marketing, como na NBA. Eles procuram essa fórmula, como Real Madrid, Barcelona. Procuram as coisas melhores e tentam transferir para o vôlei. É difícil ver uma estrutura dessas no vôlei. E isso me atrai muito, não a grandeza, mas esse profissionalismo. Isso dá uma tranquilidade e conquista. Era o que eu queria para mim.

Quando você voltou para o Brasil, disse nas entrevistas que seu ciclo na seleção havia acabado, logo depois de entrar na pré-lista do Bernardinho para a Liga Mundial de 2010 e não ser convocado. Agora, você mudou de ideia. Por que?
Eu deixei bem claro que queria jogar as Olimpíadas, mas não é uma coisa com a qual eu fique me preocupando. Não quero pensar nisso. Isso não atrapalha minha cabeça, jogar uma final e pensar na seleção. Mas, realmente, eu não penso nisso. Resolver essa situação, não só com o Bernardo, mas com o Brasil, é tudo o que eu quero. Independentemente se eu vou estar lá ou não, eu vou resolver isso. O interessante é que é difícil para ele. Eu conheço ele.

Mas o que houve, de fato, que resultou na sua saída da seleção?
Não houve nada. Foi uma decisão dele, e só isso. Aí, começou, na minha opinião, a rolar um orgulho dos jogadores, um mal-entendido com o que eu disse e o que saía na imprensa. Não teve uma briga que gerou isso. Mas eu cheguei no Pan e fui cortado. Fui embora e nunca mais falei com ninguém. Passei um ano e meio mal, trancado em casa. Depois, as coisas foram acontecendo e, infelizmente, ficaram muito grandes. E não consegui retornar. Por isso que eu falo. São cinco anos fora. E é complicado entrar no ritmo de ciclo olímpico, como eles estão. Conheço bem o Bernardo e sei dessa filosofia dele, de ser fiel ao jogador. Para ele, não depende do momento do cara. Por isso eu acho improvável.

Você acha que faltou conversa na época?
Com certeza. Faltou diálogo, foi uma briga de egos muito grande. Tanto da minha parte, quanto dele, de alguns outros jogadores. Eu falo de alguns jogadores que já não estão lá. Acho que alguns jogadores ficaram nesse meio e ficou uma confusão. A verdade é que não soubemos conduzir essa situação.

Na época, e talvez até hoje, havia a teoria de que um dos grandes fatores da sua saída teria sido uma briga com o Giba. É verdade? Realmente aconteceu?
Não, o que aconteceu é que, simplesmente, começaram a falar que o Giba era meu melhor amigo e que ele não tinha me defendido. Outros falavam que ele tinha me defendido, sim, e que eu tinha entendido errado. Aí, vocês falavam com um outro jogador da seleção, que tinha o ponto de vista dele e que respondia em cima daquilo. A imprensa publicou o que ele falou, e depois o Giba comentou sobre aquilo... Foi um desentendimento total. Fico muito contente por não ter havido uma briga séria que desenrolasse nisso.

Mas vocês se falam bem hoje? Como é a relação com os jogadores que eram daquele grupo?
Nós nos falamos, sim. Eu falo com o pessoal que era mais da minha época, que era o pessoal do meu grupo. Anderson, Gustavo, Giba. Claro, cada um com suas características. Quando eu estava lá dentro, não conversava muito com Escadinha, com Rodrigão. Isso porque o meu contato era com aqueles outros. Mas hoje nos falamos e nos cumprimentamos, como na seleção. Não mudamos. Quando você fica com um grupo muito tempo, obviamente sai mais com alguns. E outro grupo se forma, com um pensamento diferente. Isso é normal. Eu me sinto muito tranquilo com eles.

Então você acha que não sofreria veto em caso de uma possível volta à seleção? O maior obstáculo é o entendimento com o Bernardinho?
Eu acredito que não, mas não posso falar. O meu pensamento hoje é que não, não tem nada a ver. Na minha opinião, o que complica é que esse ciclo olímpico está muito em cima. É complicado entrar no grupo agora.

Você acha que disputar os Jogos de Londres serviria para escrever um final diferente na sua história com a seleção e deixar para trás toda essa polêmica?
Não penso assim. Eu sinto que fiz muito pela seleção, e que a seleção me deu muito também. Eu não sou um cara que precise disso para me satisfazer, uma coisa pessoal. Eu não sou assim. Se Deus entendeu que eu não tinha de estar nesse período lá, tudo bem. Minha preocupação não é ir, colocar a camiseta e disputar mais uma Olimpíada. Vários jogadores pensam assim, em números, quantidades. Mas eu sou um cara que gosta muito de qualidade e tempo percorrido. Eu acho que passei um tempo maravilhoso da minha carreira na seleção. A minha preocupação agora, e eu sei que vai acontecer, antes ou depois das Olimpíadas, é ter essa conversa com ele (Bernardinho).

Você acha que mudou muito nesses cinco anos longe da seleção?
Eu acho que, como jogador, não. Tenho o meu estilo. Mas minhas tomadas de decisões são diferentes hoje em dia, depois desses cinco anos. Com certeza o que eu falava, e posso ter errado muitas vezes, não falo mais, procuro evitar. Essa é a minha grande diferença hoje, saber conduzir melhor essas situações.

Um título da Superliga ajudaria a mostrar que você, aos 36 anos, ainda pode render muito em quadra?
Não tem muito a ver o que eu tenho que mostrar. Esse ano inteiro foi brilhante para essa equipe. Isso é o que me deixa satisfeito. Tudo o que mais quero é entregar esse troféu nas mãos da diretoria. É algo que eu visualizo muito nesses dias.

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