Em 5h de depoimento, Demóstenes nega usar mandato a serviço de Cachoeira

Em 5h de depoimento, Demóstenes nega usar mandato a serviço de Cachoeira

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:12

O senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) negou, durante seu depoimento de cinco horas no Conselho de Ética do Senado nesta terça-feira, que tenha envolvimento com o esquema de exploração de jogos ilegais orquestrada por Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. “Eu queria dizer às senhoras e senhores que todas as autoridades que atuaram nesse inquérito disseram textualmente que eu não tenho nada a ver com jogo. Devo essa explicação à minha mulher, aos meus filhos e aos senhores”, disse.

Demóstenes enfrenta processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar. Ele é acusado de mentir sobre seu envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Também é apontado por colegas por atuar como uma espécie de lobista da quadrilha encabeçada pelo contraventor, que está preso há três meses.

Ao começar seu depoimento, Demóstenes falou sobre sua trajetória no Senado e disse que este é o “pior momento” de sua vida. “A partir de 29 de fevereiro desse ano, hoje estamos inteirando três meses do episódio, eu passei a enfrentar algo que nunca tinha enfrentado na minha vida: depressão, remédio para dormir, que não fazem efeito, fuga dos amigos e talvez a campanha sistemática mais bem engendrada do Brasil”, afirmou o senador.

Ele acrescentou que só pôde entrar no Conselho de Ética e enfrentar os seus colegas graças a redescoberta de Deus em sua vida. “Parece um fato pequeno mas acho que minha atuação era mais pautada pelos homens do que por Deus. Se eu cheguei aqui, é porque eu readquiri a fé”, afirmou. Questionado posteriormente se as referências a Deus e à sua família não seriam parte de uma estratégia de defesa para tentar sensibilizar a opinião pública, Demóstenes respondeu: “Eu sou um homem de vergonha na cara. Eu fiquei um mês para ter coragem de olhar para os senhores senadores. Acho que ninguém pode usar o nome de de Deus em vão, como estratégia. Eu sou um carola.”

Mais especificamente sobre Cachoeira, Demóstenes voltou a afirmar que tinha uma relação pessoal com o contraventor, mas não tinha conhecimento de suas atividades ilegais. Ele acrescentou que o bicheiro tinha bom relacionamento com diversos políticos, entre eles parlamentares e governadores. “Eu não tinha a lanterna na popa. Não podia adivinhar o que eu sei hoje. Eu me relacionava com um empresário que também se relacionava com cinco governadores de Estados, dezenas de deputados federais e estaduais. E todos confirmaram conhecê-lo: Sim, ele tinha vida social, ele era recebido nos lugares.”

Ele apontou também que as divulgações da imprensa sobre o seu envolvimento com Cachoeira são feitas com “maledicência” e que o aumento de seu patrimônio ocorreu de forma legal. Seu apartamento, segundo ele, foi pago com R$ 400 mil de sua mulher, e o restante, R$ 800 mil, foi parcelado a perder de vista. “Vou terminar de pagar a última prestação quando inteirar 80 anos de idade. Saíram em manchetes um apartamento de 700 m², ele tem 400m² como eu vou mostrar nos documentos”, afirmou. “E saiu uma manchete: Demóstenes quadruplica seu patrimônio. Sim, em 30 anos meu patrimônio será quadruplicado.”

‘Foi feito com o intuito de me destruir’

Demóstenes negou conversas com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, sobre conversas que não tratassem de interesse do Estado de Goiás, mas nega favorecimento a Vitaplan, empresa de Cachoeira da área farmacêutica. Padilha teve o nome citado em uma conversa telefônica em que teria autorizado o grupo do bicheiro a dar sequência a um negócio na área da saúde. O ministro também negou qualquer relação com o grupo de Cachoeira.

O senador negou tráfico de influência no Ministério Público de Goiás e disse que nunca pediu nada ao irmão Benedito Torres Neto, procurador de Justiça há nove anos no Estado, e afirmou que o MP deu parecer desfavorável a um negócio envolvendo a empresa do bicheiro. Demóstenes rebate também o recebimento de dinheiro do esquema. “Comprovei que não recebi dinheiro e não pertenço a jogo. Não recebi recurso para pagar avião dele (Cachoeira)”, afirmou Demóstenes.

Ele também negou a acusação de ser sócio oculto da construtora Delta, que aparece em diálogo de Cláudio Abreu, ex-diretor da empreiteira no Centro-Oeste: “Não posso ser responsável pelo que os outros dizem de mim”. E completou: “Tudo foi feito com o intuito de me destruir”.

Ao responder às perguntas, Demóstenes afirmou que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão com medo. “Vivemos um perigo, os ministros do STF estão com medo porque dá a impressão que o senador (com quem eles conversavam) lidava com contravenção”, disse em depoimento no Senado. Fica a impressão, ainda segundo ele, de que se aproximou dos ministros para obter favores.

 

Demóstenes insiste que as gravações dos inquéritos da PF em que aparece foram editadas e que as investigações foram ilegais porque não foi investigado pelo STF devido ao foro privilegiado a que os parlamentares têm direito.

Decisão do STF

Em outro grampo telefônico interceptado pela Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, que investigou as atividades do esquema, Cachoeira e Demóstenes comemoram uma decisão tomada por Gilmar Mendes de levar para o STF uma ação bilionária envolvendo a Companhia Energética de Goiás (Celg). Nesta terça-feira, o senador negou que houvesse qualquer interesse escuso por parte dele em relação à empresa ou que ele tivesse feito lobby junto ao ministro para que a ação fosse para o Supremo.

“Eu comemorava uma decisão de um ministro do Supremo que poderia tirar das costas da Celg uma dívida de R$2 bilhões, R$ 3 bilhões. Não há interesse de quem quer que seja, nem hoje, nem ontem, nem amanhã, a não ser um interesse público de que a empresa tirasse uma dívida enorme de suas costas e possa se viabilizar”, disse. “Se comemora o fato de ter subido uma ação que pode dar lucro para uma empresa e para o Estado de Goiás.”

Lobby

O senador também explicou a conversa telefônica interceptada pela PF em que Cachoeira pede ao senador que trabalhe pela aprovação de um projeto para legalizar a exploração dos jogos de azar. “Eu não tomei nenhuma providência em relação a isso, e as maiores testemunhas disso são meus colegas senadores. Eu indago a qualquer um se eu procurei qualquer senador para discutir sobre a legalização de jogos”, afirmou.

O senador disse que, muitas vezes, para se livrar de interlocutores, dizem-se certas coisas que não necessariamente tornam-se ações. “Eu peço às Vossas Excelências para ser julgado pelo que eu fiz, não pelo que eu disse.”

Demóstenes disse que Cachoeira teria afirmado a ele e ao governador de Goiás, Marconi Perillo, (PSDB) que não tinha mais envolvimento com jogos ilegais. O senador destacou que, em muitas conversas com o bicheiro “jogou verde” e “fazia testes” para saber se Cachoeira tinha, de fato, parado de realizar atos de contravenção. “Mas evidentemente o único propósito era saber se ele estava no jogo.”

Dinheiro e Nextel

O senador também negou que tenha recebido um depósito em sua conta corrente de R$ 1 milhão de Cláudio Abreu, diretor da regional Centro-Oeste da Delta Construções, acusado de pertencer ao grupo de Cachoeira.

Em diálogos gravados entre 22 e 23 de março de 2011, o diretor da construtora e o contador de Cachoeira, Geovani Pereira da Silva – foragido da polícia, falam do repasse da quantia a Demóstenes. O inquérito indica que outros R$ 2 milhões teriam sido depositados na conta do senador.

“Estou entregando a cópia das minhas duas contas no período em que nenhum momento foi depositado R$ 1 milhão. É preciso dizer que nem R$ 1 milhão, nem R$ 1 mil nem nada. Em nenhum momento esse dinheiro entrou na minha conta ou foi me dado de qualquer maneira.”

Em relatório, o Ministério Público aponta que o grupo comandado por Cachoeira entregou rádios Nextel antigrampos para políticos, entre eles, Demóstenes Torres, que admitiu novamente ter recebido o aparelho. “Recebi um rádio que foi utilizado para a minha comodidade. Afirmam que o rádio era sigiloso. Nunca tive essa informação. Se era sigiloso, como foi grampeado?”

‘Massacre’ da imprensa

Pouco antes do final da sessão, o senador Aníbal Diniz (PT-AC) pediu a palavra e relembrou que, durante sua trajetória política, Demóstenes foi um crítico “implacável do lulopetismo” e usou sua experiência técnica “para expor de maneira avultante” pessoas sob denúncia. “Vossa Excelência acredita que essa seria uma forma de castigo?”, ao que o senador respondeu: “Não. Minha postura sempre foi de oposicionista. Sempre tive relação de extrema cordialidade com os situacionistas.”

Diniz encerrou sua fala criticando Demóstenes, que disse ter sido vítima do maior massacre da imprensa, e citou como contraponto o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que teve seu mandato de deputado federal cassado em 2005 e está inelegível até 2015 acusado de ser mentor do mensalão. “O que eu digo em relação a mim é pela quantidade de áudios vazados, por tanto tempo. Pelo tempo, não há dúvida que eu fui o mais sacrificado em relação a isso. Não fiz qualquer alusão aos meus colegas senadores. Estou aqui e quero prestar contas”, respondeu Demóstenes.

Relatório no conselho

O relator do caso de Demóstenes no Conselho de Ética é o senador Humberto Costa (PT-PE). Em 3 de maio desse ano, ele apresentou um relatório preliminar que pede a cassação do congressista goiano. Para Costa, Demóstenes mentiu durante discurso na tribuna do Senado sobre como era sua relação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

“Está em debate não é a imagem do parlamentar individualmente considerada, mas a do Parlamento. Se os atos foram praticados no exercício do mandato de senador, projetando-se para a atualidade e atingem a imagem do Senado Federal, não há que se alegar ilegítima a inauguração de um procedimento investigatório”, escreve Costa no relatório de 63 páginas.

O Conselho de Ética é composto por 15 membros. Presidido por Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), o colegiado conta com quatro senadores do PMDB, dois do PSDB, três do PT, um do PTB, um do DEM, um do PR, um do PP e um do PDT. Até para amigos de Demóstenes no Senado, é dada como certa a cassação no Conselho, onde o voto é aberto. Ele espera se safar no plenário, onde o voto é secreto.



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