Além do Haiti, Brasil está presente em outras 13 missões de paz pelo mundo

Além do Haiti, Brasil está presente em outras 13 missões de paz pelo mundo

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:27

São mais de 1,3 mil brasileiros, homens e mulheres do Exército, envolvidos em 14 missões de paz que acontecem, atualmente, pelo mundo. A que conta com o maior número de brasileiros - mil, ao todo -  é a do Haiti. Outros 900 militares ainda serão enviados ao país. Essa é única missão coordenada pelo Brasil. A operação, chamada Minustah, começou em 2004 com a proposta de auxiliar na estabilização do Haiti e atuar como força policial. Hoje, depois do terremoto que atingiu o país há um mês, a missão passa a ter um caráter ainda mais humanitário.

Tenente-coronel Nelson Santana da Silva, comandante do 8º Batalhão de Polícia do Exército (Foto: Raul Zito/G1) "A Organização das Nações Unidas (ONU) tem entre seus propósitos manter a paz em seu sentido mais amplo. E esse é o objetivo das missões de paz. Quando essas operações tiveram início, na década de 50, sobretudo no período da Guerra Fria, tropas eram mantidas em zonas de conflito, em geral depois do cessar-fogo, para garantir a manutenção da paz. Nesse caso, a função das tropas era, de forma imparcial e com o consentimento das partes envolvidas, manter as partes conflitantes separadas fisicamente. Com o fim da Guerra Fria, as operações passaram a ser mais abrangentes, a fim de construir a paz. É assim nossa missão no Haiti", diz ao G1 Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Lafer explica que o Haiti não ameaça a paz internacional, mas ainda assim precisa da presença de militares que atuem na reconstrução do país, de forma multidisciplinar. "A ideia é trabalharmos em uma atuação de natureza humanitária, principalmente depois da ocorrência do terremoto", afirma.

Para quem atua em uma missão de paz, as dificuldades da rotina em um país em conflito são as mais diversas. Foi assim com o tenente-coronel Nelson Santana da Silva, comandante do 8º Batalhão de Polícia do Exército, de São Paulo. Silva cumpriu missão no Timor Leste pelo 4º Batalhão de Polícia do Exército, de Olinda (PE), durante seis meses. "Foi uma missão de tropa de Polícia do Exército. Ficamos lá de agosto de 2001 a janeiro de 2002. Nós fomos o quinto contingente brasileiro a atuar no Timor", diz.

Silva era capitão e durante a missão foi promovido a major. Ele comandava a tropa de Polícia do Exército da Força de Manutenção da Paz da ONU. "A nossa companhia cumpria as missões de polícia voltadas especialmente para os militares e civis da ONU. Fazíamos escolta de comboios, escolta de autoridades, revista de pessoal, perícia criminal, escolta e custódia de presos, patrulhamento ostensivo, entre outras coisas". Essas, no entanto, eram as funções oficiais da equipe. "Extraoficialmente nós ainda reconstruímos uma escola e auxiliamos com apoio de saúde um 'orfanato' de crianças abandonadas pelas mães", conta. 

Inspeção do Comando de Operações Terrestres no Timor Leste (Foto: Arquivo Pessoal) O objetivo específico da missão no Timor é a manutenção da disciplina entre os militares que operam no país, mas, para o tenente-coronel, os meses longe da família representaram mais do que o cumprimento de tarefas.

"A gama de sensações a que somos submetidos desde quando somos selecionados até o nosso retorno ao Brasil é imensa. Com a seleção, nos sentimos reconhecidos profissionalmente pelo Exército, pela família e pelos amigos. Com o retorno, sentimos o sabor único da missão bem cumprida. Durante a missão somos gratificados todos os dias. No Timor Leste, a precariedade material e afetiva das pessoas era gritante. Toda vez que auxiliávamos alguém provendo segurança, fornecendo alimento, tratando a saúde, realizando um parto e até salvando vidas, sentíamos o quanto valia a pena estar ali."

O maior desafio para Silva foi a distância da família e do Brasil. "Quando conseguíamos contato telefônico era o júbilo. Quando recebíamos correspondências ou conseguíamos uma vídeoconferência era a glória. Nós nos apegávamos aos filmes, à música e à culinária brasileira de corpo e alma", diz.  Durante os seis meses de missão, o militar conseguiu ver a mulher, que viajou para encontrar com ele, mas seus filhos não puderam ir. "Cada militar tem 18 dias de dispensa para serem tirados em duas etapas de nove dias: a primeira após três meses de missão e a segunda após cinco meses. A distância do Timor foi um obstáculo quase intransponível neste sentido. E aliado ao alto valor das passagens, praticamente impediu visitas pela família."

Treinamento

O preparo de um militar que vai integrar uma missão de paz, segundo Lafer, é bastante trabalhoso. "Envolve o conhecimento do país e das dificuldades por que ele passa, o domínio da língua, e competência para lidar com os problemas específicos com os quais cada operação se confronta. No Haiti, um grande problema é a logística de entrega de comida e água, por exemplo, e é preciso experiência para lidar com escombros, por isso os Bombeiros estão a caminho."

Os treinamentos para as Missões de Paz são coordenados pelo Comando de Operações Terrestres, de Brasília, e são realizados efetivamente pelos Comandos Militares de Área. São geralmente três meses de instrução intensiva. O preparo envolve treinamentos de tiro, educação física, cursos voltados para o ambiente operacional com cursos de inglês, de administração de conflitos e negociação, de Direito Internacional Humanitário, além de palestras sobre os hábitos e costumes e sobre a história do conflito do país em que ocorrerá a missão.                

Protagonismo no cenário mundial

Além do aspecto da solidariedade, participar de missões de paz pode trazer bons retornos para o Brasil diante do cenário internacional. "Se o país contribui para resolver certas questões tópicas, ele aumenta também sua credibilidade e confiabilidade. Isso é sempre um ativo nas negociações internacionais. Conduzir ou participar de missões de paz corresponde à dimensão dos objetivos gerais do Brasil, interessado na maneira como funciona o mundo", afirma Lafer.

Para André de Carvalho Ramos, professor de Direitos Humanos e Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP, a longo prazo, a atuação em missões de paz favorece o objetivo maior de garantir a dignidade humana e inclui o Brasil em diálogos internacionais. "O Brasil começa a construir um certo protagonismo na esfera internacional, e isso fortalece os interesses brasileiros em outros campos. O país passa a ter capacidade de participar de diálogos internacionais não só no que diz respeito à segurança, mas quanto à economia, clima, porque há inter-relação entre os temas", diz.

O embaixador Gelson Fonseca Junior também defende a importância da presença brasileira em missões de paz. "A paz interessa a todos, principalmente em um mundo globalizado como o nosso. Todo o sistema, seja política, social ou economicamente, funciona melhor se você for capaz de evitar focos de conflito", afirma.

Entidades de manutenção da paz

A Minustah é uma das 11 missões com participação brasileira sob a proteção da Organização das Nações Unidas (ONU). Outra três missões, essas de desminagem humanitária, são realizadas sob a égide da Organização dos Estados Americanos (OEA). De acordo com especialistas, a única diferença entre as entidades é o fato de a primeira ter caráter mundial, enquanto a segunda é regional.

"A OEA, criada em 1948, três anos depois da criação da ONU, tem também o objetivo de auxiliar na manutenção da paz, mas de forma regional, nas Américas. A existência da OEA torna mais fácil a mobilização porque envolve países afins, com proximidade geográfica e histórica", afirma Ramos.

De acordo com o Exército, as missões da OEA e da ONU têm diferenças operacionais. Enquanto que as da primeira destinam-se à preparação de pessoal especializado em trabalhos de desminagem, supervisionando a limpeza de áreas minadas, as missões da ONU estão relacionados à manutenção da paz e a segurança, assistência e monitoração de processos políticos, treinamento de policiais e desarme e reintegração de ex-combatentes.

Para o professor Ramos, a tendência é que as missões de paz se apliquem cada vez mais aos conflitos internos, e menos no âmbito mundial. "Antes, a preservação da paz visava à ausência da guerra. Hoje há conflitos internos, dentro do próprio Estado, de proporções graves, que também ameaçam a paz. A paz tem um novo conceito, mais amplo, e corresponde também a ter uma vida digna, sem a violação dos Direitos Humanos", diz.

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