Autoescolas de SP oferecem "esquema" para renovar CNH

Autoescolas de SP oferecem "esquema" para renovar CNH

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:26

Criado para modernizar a emissão das carteiras nacionais de habilitação (CNHs) e classificado pelas autoridades como uma eficiente barreira contra as fraudes, o sistema digital usado pelo Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) para aplicação das provas de atualização de motoristas já foi corrompido pelas autoescolas e Centros de Formação de Condutores (CFCs) da capital paulista.

Sem rodeios ou vergonha, os atendentes oferecem aos interessados esquemas variados para driblar o controle oficial e emitir os documentos sem que os motoristas tenham de estudar ou aprender os conteúdos mínimos necessários para dirigir pelas ruas. Noções de primeiros-socorros, cujo desconhecimento pode custar vidas, não precisam nem ser vistas pelos corruptores da lei.

Como apontam entrevistas feitas com pessoas que participaram do golpe e após a reportagem do UOL Notícias comprovar in loco que o crime é negociado abertamente, a estratégia inventada para enganar o Detran mistura tecnologia, malandragem e até interpretação teatral.

O foco do esquema são os motoristas que vão renovar a CNH e que precisam passar pelos processos de atualização de condutores que começaram ser obrigatórios com a resolução 168 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), de 2004. Esses testes – são 30 perguntas em que é preciso obter 70% de acertos - servem para averiguar o aprendizado dos motoristas sobre obrigações fundamentais a quem conduz um veículo: evitar e sinalizar acidentes, acionar serviços de emergência, além de dominar as normas gerais de circulação e cuidados na direção.

3 vezes no cartão

Na autoescola Pamplona, na zona sul, por exemplo, o valor da propina para escapar de todo o estudo pode ser pago até em 3 vezes no cartão de crédito. Na última semana, a reportagem esteve no estabelecimento e, com gravadores de som e imagens captadas da rua, simulou interesse em fraudar o teste exigido pela legislação de trânsito.

Não houve dificuldade. No próprio cartão da autoescola, a atendente começou a rabiscar os preços de cada item. A soma total pelo processo dentro da legalidade ficava em R$ 245. Nesse caso, até então, o motorista poderia tomar duas atitudes: estudar por conta própria uma apostila com uma série de dados técnicos e fazer o exame ou então frenquentar um cursinho, que pede presença de 100% nas aulas e tem carga horária de 15 horas.

Lá, no entanto, uma terceira opção é ventilada. Por R$ 370 (ou seja, R$ 125 a mais), é oferecida a possibilidade ilegal da pessoa simplesmente não estudar nada - e receber a carteira renovada em casa, sem incômodos nem dor de cabeça. A única exigência é comparecer ao local do exame, para "colocar o dedo" em um dispositivo que faz a leitura da impressão digital.

O UOL Notícias conseguiu encontrar três pessoas que passaram por todas as etapas da fraude. Uma delas, que pede para não ser identificada, será chamada por um nome fictício, Renata.

Como ela relata, quando chegou até a autoescola, foi logo sendo bombardeada pela atendente com uma série de taxas e condições para renovar sua CNH. "Eram tantas etapas e tantos valores que, como em uma brincadeira inocente, perguntei: 'não tem nenhum outro jeito?'", lembra.

Para sua surpresa, havia sim um jeitinho. "Sem explicar muito, a moça falou que, por R$ 150 a mais, não precisaria fazer a prova. Como eu não teria tempo para estudar tantos conteúdos e fui informada que, caso reprovasse, teria que pagar quase tudo novamente, achei que valeria a pena tentar".

Fechado o negócio, Renata recebeu um boleto, em que foi feita uma pequena marca com uma caneta colorida. Seguiu até o CFC Paulista, no Edifício Winston Churchill, na avenida Paulista, 807, onde faria o falso teste. "No começo, estranhei um pouco, achei que tinha que fazer algo muito escondido. Mas percebi que ali todos estavam na mesma situação."

Robô da fraude

Na sala de provas, segundo ela, os computadores possuem webcams, conectadas a um centro de controle no Detran. Na tela, o logotipo do órgão estadual deixava claro que o golpe era "quente". Logo que sentou, veio a orientação. "Me falaram para ficar imóvel, mas sem jamais esquecer de ficar com a mão no mouse. Disseram que era uma forma de fingir para câmera que eu estava respondendo aos testes".

O que ela viu a seguir foi o mais chocante. "Do nada, o cursor do mouse começou a se mexer sozinho. Aos poucos, com o cuidado de não parecer rápido demais, todas as questões foram sendo respondidas. Em algumas, esse ‘robô’ inclusive errava de propósito, para não gerar suspeita sobre um ótimo desempenho", recorda-se Renata, que em 10 dias recebeu a nova CNH em casa.

Nas últimas semanas, a reportagem tentou comprovar a oferta da fraude também em outras autoescolas. Nas autoescolas Guerra, na rua Afonso Bovero, 312, e em outra autoescola sem nome aparente, na rua da Consolação, número 914, também foram sugeridas formas para conseguir ilegalmente a renovação da CNH. Nesses dois casos, no entanto, não foi comprovado qual era o método usado no esquema criminoso - nem se ele não passava de uma promessa impossível de ser cumprida.

Análises

Especialistas em trânsito ouvidos alertam para o risco do ingresso de motoristas despreparados nas ruas e criticaram as recorrentes práticas ilícitas que cercam rotineiramente os processos de emissão de CNHs. Procurados para comentar a denúncia, o Detran e o Sindicato das Auto e Moto Escolas e Centros de Formação de Condutores do Estado de São Paulo repudiam a prática e pediram punição aos envolvidos.

Por: Arthur Guimarães

Este conteúdo foi útil para você?

Sua avaliação é importante para entregarmos a melhor notícia

Siga-nos

Mais do Guiame

O Guiame utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência acordo com a nossa Politica de privacidade e, ao continuar navegando você concorda com essas condições