Cheia no Pantanal deixa alunos ribeirinhos sem aula em MS

Cheia no Pantanal deixa alunos ribeirinhos sem aula em MS

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:34

A cheia no pantanal sul-mato-grossense, que este ano foi uma das maiores das últimas duas décadas, muda a rotina de muitas crianças de famílias ribeirinhas. As aulas em algumas escolas rurais tiveram de ser suspensas por causa do regime das águas pantaneiras. Nessas regiões, a garantia da educação como direito constitucional torna-se um desafio ainda maior por conta das imposições da natureza.

A educação é um direito constitucional garantido a todos os brasileiros. Direito que nem sempre é respeitado. Ao longo dos anos, a TV Morena mostrou em diversas reportagens as dificuldades enfrentadas por crianças que não tinham acesso à escola. Muitos brasileiros perdem este direito de escolha pela disputa com o trabalho infantil, pela desestrutura familiar e até mesmo pela pobreza.

No pantanal sul-mato-grossense, iniciativas recentes ajudam a romper o isolamento de famílias ameaçadas pelo analfabetismo e pelo trabalho infantil. Algumas iniciativas privadas, do chamado terceiro setor, colaboram para a melhoria desse quadro. É o trabalho de um dos setores que mais cresce no Brasil. Voluntariado feito por adultos e crianças para ajudar a vencer as barreiras impostas pela natureza.

Conhecendo a região

Ainda é tempo de cheia na região da Serra do Amolar, onde vivem comunidades tradicionais como catadores de iscas e pescadores. São quase três horas de barco pelo rio Paraguai.

A variação entre a cheia e a seca rege a vida no Pantanal. A enchente deste ano foi considerada pelos pesquisadores da Embrapa uma das maiores dos últimos 20 anos. Uma cheia diferente, pois a água subiu muito rápido. O rio chegou a quase seis metros. Na região, onde existem mais de 650 espécies de animais, bichos e homens se adaptam às mudanças da natureza.

Na Baía Vermelha, o ribeirinho Agnaldo de Arruda conta que para conseguir ganhar R$ 30 por dia, precisa catar pelo menos 100 caranguejos. Enfrentar os alagados em busca de iscas é a única fonte de renda para muitos moradores no período da cheia.

A elevação do nível do rio não dificulta apenas o ganha-pão. Também deixa muitas famílias sem teto. Este ano, Antônio Caetano vai ter de reconstruir o sítio que ainda está debaixo d'água. "Nesses 16 anos foi a cheia maior que teve aqui. Perdemos nossa roça de mandioca, de milho, até a criação da gente acabou", conta.

Educação vira privilégio

Na época de cheia, muitas famílias que vivem às margens do rio Paraguai ficam ilhadas. Para quem vive nesta situação, sair de casa é um desafio. Educação vira privilégio.

Dez quilômetros rio acima fica uma das poucas escolas da região. Em vez de alunos, salas vazias. A escola Paraguai-Mirim faz parte de uma rede conhecida como Escolas das Águas. São poucas as alternativas de educação para as crianças que vivem no meio do pantanal. Cerca de 60 crianças cursam o ensino fundamental, mas este ano, elas só conseguiram concluir o primeiro bimestre. As aulas estão paradas desde o dia 15 de abril.

A água invadiu tudo. O esgoto estourou e parte da estrutura do colégio construído em 2005 ficou comprometida. A imagem de abandono contrasta com a última vez em que a reportagem da TV Morena esteve no local, em dezembro de 2009. Naquela ocasião, a algazarra da criançada invadia o pátio da escola. As salas de aula estavam cheias de saber, de sede por aprender.

Cheia do rio Paraguai causou danos a escolas pantaneiras em MS (Foto: Reprodução/TV Morena)  

A escolinha é uma realidade recente. Só foi construída depois de uma denúncia levada ao ar pela TV Morena. Há seis anos, os filhos dos ribeirinhos ajudavam os pais catando iscas à noite. Crianças, algumas com seis anos de idade, com água até o pescoço.

Com a escola, eles tiveram a chance de vencer o analfabetismo que, durante gerações, isolou ainda mais os moradores de áreas distantes do pantanal.

Mas a natureza ainda é um obstáculo. Dona Neusa tem seis filhos, quatro em idade escolar. Nos últimos meses, as crianças passam o dia soltas pelo quintal. A família só sabe que a professora viajou em um feriado e não voltou mais.

A rede de Escolas das Águas, instaladas nos pontos mais distantes do pantanal, tem onze unidades onde estudam mais de 300 crianças. Este ano, três unidades tiveram as aulas suspensas. Além do Paraguai-Mirim, as escolinhas do Porto de São Lourenço e de Porto Índio.

Quem tem a chance de estudar, nem sempre segue adiante. Seu Caetano e dona Dalvina Moura têm quatro filhos. A mais velha cursou até a 7ª série e abandonou a escola que fica a mais de 300 quilômetros de casa. "Foi muito difícil para mim, ela estudou quase um ano lá. Chegou uma época que para mim não teve condição. A gente pagava R$ 40 por dia para ficar lá", conta.

Dona Neusa, que não sabe ler nem escrever, orgulha-se de ter os filhos alfabetizados e sonha com o dia em que o rio volte ao nível normal e a escola retome as aulas, cheia de crianças brincando e descobrindo novas palavras.

Segundo a secretaria de educação de Corumbá, um engenheiro foi até a região para analisar o que deve ser feito na escola Paraguai-Mirim. As obras serão feitas, ainda sem data para começar. As aulas nas escolas Paraguai-Mirim e São Lourenço foram retomadas no dia 1º de julho, e devem terminar no dia 23 de dezembro.            

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