Espalhada numa área de 1 milhão de metros quadrados, a favela de Heliópolis tem 125 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE. Formada em grande parte por imigrantes nordestinos, segundo líderes da comunidade, a favela jamais conseguiu eleger um vereador nascido ou criado ali. Mas, a cada dois anos, a região é invadida por candidatos e se transforma em passagem obrigatória para quem vislumbra acumular votos no maior colégio eleitoral do País.
É fácil encontrar na favela cenas como ocorrida na quinta-feira da semana passada, em que apresentadores vestidos de palhaço, acompanhados de personagens da Disney, gastavam a voz sob o sol do meio-dia. A ideia era chamar a atenção para uma casa de carnes que acabava de ser inaugurada. Mas o anúncio das promoções era interrompido toda vez que descia e subia pela avenida um carro de som anunciando jingles eleitorais.
Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), os dois principais presidenciáveis da atual campanha, já caminharam pela favela e visitaram lideranças locais. Geraldo Alckmin (PSDB) e Aloizio Mercadante (PT), que disputam o governo paulista, também. Ao chegar na região, todos reafirmam laços com a comunidade carente e listam obras trazidas para a população local a Etec, vitrine do governo tucano de um lado, e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do lado petista.
Além dos candidatos, banners, cavaletes, adesivos e bicicletas duplas com cartazes disputam a atenção dos cerca de 50 mil eleitores da região que irão às urnas, no próximo dia 3, em um dos dez colégios eleitorais espalhados pelo bairro.
Os candidatos mais espalhafatosos estão de olho em um lugar na Câmara dos Deputados ou na Assembleia Legislativa paulista. Nas contas do líder comunitário Nazareno Antonio da Silva, o Buiú, são pelo menos 40 dobradinhas espalhadas em cartazes pelo local. Na rua principal, é difícil encontrar uma casa ou estabelecimento que não tenha ao menos um cartaz pendurado na fachada alguns com inscrições como 100% Heliópolis ou Lula apóia, nós também.
Vieram aqui e pediram para colocar. Não cobramos nada para isso. A gente deixa, mas não sabe se vai votar neles, não. Mas na Dilma todo mundo em casa vai votar, diz a moradora Fernanda de Oliveira Lopes, de 21 anos, apontando para o cartaz dos candidatos petistas a deputado federal, Ricardo Berzoini, e estadual, Carlos Grana.
Diretor da Unas a união dos núcleos de associações de moradores de Heliópolis e São João Climaco Buiú acredita que, dos mais de 80 candidatos que fazem da favela uma trincheira eleitoral, apenas seis possuem algum tipo de relação com a comunidade. Heliópolis não tem portaria. Então não podem ser impedidos de fazer campanha aqui. Apesar de terem instalado ali espécies de comitês para divulgação da candidatura, nem todos sobem ao local para fazer campanha diretamente.
Segundo Buiú, a Unas não tem vínculo partidário e dialoga com representantes de todos os partidos. Mas a ligação com o PT é notória, já que a maioria dos candidatos que, segundo ele, de fato têm ligação com a comunidade é filiada ao partido. Segundo ele, o índice de aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Heliópolis é maior do a média do País. Um dos motivos, afirma, foi o trabalho para legalizar a rádio comunitária do bairro. Na rua da Unas, uma placa do governo federal anuncia o financiamento de R$ 34 milhões para obras de urbanização de assentamentos precários. Em frente, há também um escritório de campanha de Berzoini e Grana.
Militância
Exaltada pela campanha petista, a entrada de 30 milhões de pessoas para a classe C durante o governo Lula é ilustrada, em Heliópolis, pela profusão de produtos e serviços que se engalfinham na Estrada das Lágrimas. A porta de entrada para o mercado de consumo é também o argumento usado pelos eleitores do PT que vivem na região para dizer que a vida melhorou. Entre os que dizem votar em Dilma, alguns admitem que não se encaixam, por exemplo, na lista dos que conseguiram um emprego formal - a criação de vagas com carteira assinada é outra bandeiras da petista.
Eu não consegui emprego, mas minha irmã, minha sobrinha, várias pessoas conseguiram. Antes, só tinha uma TV. Agora, em casa, temos três e com DVD, relata Claudineide Angelo de Lira, paraibana de 38 que mora com pai, mãe e nove irmãos em Heliópolis.
Sem emprego fixo, Claudineide arrumou um bico durante a campanha: por um salário mínimo, ela percorre as ruas do bairro distribuindo santinhos de dois candidatos do PT, entre as 9h e as 17h30, com direito a meia hora de almoço. Como ela, dezenas de militantes pagos transitam pelas ruas de Heliópolis em horário comercial pregando e espalhando santinhos. Alguns contam que chegam a ganhar R$ 700 por mês pelo serviço.
Embora seja fácil encontrar eleitores de Dilma na região, Heliópolis conta também com bolsões de oposição. Nas eleições 2010, a dissidência foi instalada em frente a uma AMA, unidade de assistência médica ambulatorial da prefeitura paulistana, administrada pelo DEM. Em frente ao local, um imóvel onde está sendo construída uma ótica leva na entrada uma placa com a inscrição: Sonrisal apoia Campos Machado.
Sonrisal é Antonio Rodrigues Filho, microempresário de 46 anos nascido no Ceará que pedalava pelo bairro tirando e vendendo fotos de moradores e hoje é dono de uma rede de ótica e outros estabelecimentos. Campos Machado é deputado estadual pelo PTB, um dos principais aliados do PSDB de Serra e Alckmin em São Paulo.
Em sua casa, Sonrisal reúne material de campanha para Campos Machado e Arnaldo Faria de Sá, candidato a federal pelo PTB. Diz que não ganha nada pelo trabalho. Apenas promessas de apoio para 2012, quando acredita que poderá eleger, pela primeira vez, um morador de Heliópolis para a Câmara Municipal.
Não será a primeira tentativa. Em 2008, pouco antes do início das eleições municipais, lideranças de Heliópolis, entre eles representantes da associação comercial que reúne 2.000 comerciantes do bairro se reuniram para fechar um nome comum entre 11 postulantes que tinham a intenção de se candidatar a vereador.
Lançaram, assim, Luciano Celestino da Silva, o Nunes Peixeiro (PTB), para o posto. O candidato da gema recebeu quase 7 mil votos, mas não se elegeu. Na região do Ipiranga, porém, apenas um candidato recebeu mais votos que Peixeiro. O problema é que um bairro só não elege ninguém, explica Nunes. Na casa onde funciona o comitê petebista em Heliópolis ainda está desenhado na parede o slogan de Nunes Peixeiro usado na última campanha.
Mais à frente está instalada outra ilha da oposição em meio ao reduto petista. Dentro de uma copiadora funciona o escritório de um candidato do DEM, Ulisses Sales. Nas fotos que estampam a fachada, apenas uma menção discreta ao presidenciável José Serra (PSDB). É complicado aqui fazer campanha contra o Lula, diz a militante Alessandra Gonçalves, de 28 anos. E conclui: Mas a gente conversa com as pessoas e diz que a vaga é para deputado, e não contra o Lula.
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