CSN manteve quatro lixões tóxicos clandestinos por duas décadas

CSN manteve quatro lixões tóxicos clandestinos por duas décadas

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:44

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) manteve ao menos quatro lixões industriais clandestinos com material "perigosos" em Volta Redonda, cidade-sede da empresa, durante mais de duas décadas.

O primeiro aterro, Márcia 1, foi descoberto por acaso, em agosto de 2010, durante a construção da Rodovia do Contorno, na cidade. O Inea intimou a CSN, e a siderúrgica informou que o depósito funcionou a partir de 1989.

Respondendo a pedido de informações do Inea, a empresa revelou ainda a existência de outros três aterros irregulares – Márcia 2, Márcia 3 e Wandir, o maior, todos sem controle ambiental –, aonde eram levados resíduos industriais classe 1, do tipo "perigoso", o de maior risco.

O iG mostrou que o vazamento de resíduos perigosos de depósitos irregulares da CSN também contaminou um bairro inteiro em Volta Redonda e causa medo e insegurança aos moradores. Não se sabe quais são as possíveis conseqüências da contaminação do solo para a saúde da população.

O Ministério Público Federal (MPF) move ação civil pública no valor de R$ 300 milhões relativo apenas ao Márcia 1, depois de tentar um acordo extrajudicial. O local contém 540 mil toneladas de resíduos perigosos, e o MPF calculou a multa em R$ 1 mil por metro cúbico – são 300 mim metros cúbicos. Como os depósitos ocupam áreas equivalentes, os pedidos de indenização devem superar R$ 1 bilhão.

O Márcia 1 foi descoberto quando operários que atuavam na obra da Rodovia do Contorno escavaram um trecho e passaram a sentir forte odor de produto organofosforado, semelhante a enxofre. Funcionários passaram mal e teriam até desmaiado. O Inea lavrou um auto de constatação e notificou a empresa para retirar o material e apresentar projeto de recuperação da área. A obra da rodovia chegou a ser paralisada, mas atualmente, segue. Na quinta-feira (28), dezenas de operários estavam no local contaminado.

"É aterro industrial não licenciado, totalmente inadequado, feito de forma clandestina por anos", afirmou Sérgio Alves, assessor técnico do Inea.

A CSN defende fazer o tratamento do material depositado no local, sem precisar removê-lo – como pede o MPF. Para se ter ideia da quantidade depositada, de acordo com cálculos da siderúrgica, para retirar todo o material apenas do Márcia 1 seriam necessários 100 caminhões por dia, durante dois anos.

"Cobramos a remoção ou a garantia de condições de aterro licenciado para não haver risco à saúde humana nem ao meio ambiente", disse o procurador da República Rodrigo Lines.

A Justiça Federal em Volta Redonda acolheu parcialmente o pedido de liminar do MPF, mas o Tribunal Regional Federal o suspendeu em fevereiro, e até hoje o recurso não foi julgado. A CSN contratou a empresa Nickol para fazer o plano de gerenciamento de resíduos, sem precisar remover. A proposta está agora sob análise do Inea.

"Há um impasse: a CSN não quer implantar o plano e o condiciona à desistência do pedido de indenização pelo MPF. Não temos como aceitar isso. Podemos discutir valores, mas é preciso haver compensação pelo ilícito praticado durante este tempo todo. Não há possibilidade de abrir mão", disse Lines, que pediu nova liminar.

Para o procurador, a postura da CSN é uma "chantagem". "Hoje as circunstâncias são outras, porque já houve um consenso técnico (de que o material é perigoso). Mas precisa ser executado. A CSN diz não ser responsável pela área porque há uma obra acontecendo. Há abuso do direito de defesa. Eles reconhecem que é deles, mas fazem essa ‘chantagem’. Se for assim, vamos ao julgamento", afirmou.

Um dos pedidos do MPF é que a CSN seja condenada a ressarcir os cofres públicos, caso o Estado pague pela retirada do material. O procurador diz que o montante pedido se deve ao volume de resíduos, aos riscos ao ambiente, ao período que ficou depositado e à atitude da empresa na resolução do caso.

"A CSN sempre espera até a última instância, até ser obrigada a fazer algo. A empresa não tem se mostrado disposta a resolver de forma espontânea. Não se pode comportar assim diante de danos ambientais, sem reparar o que se fez e resistindo ao máximo e, no fim das contas, ainda se gastar só o mesmo que se gastaria se tivesse feito tudo certo. A irregularidade não pode compensar. As medidas compensatórias têm esse efeito educativo", disse Rodrigo Lines.

O Inea também critica a postura da siderúrgica em relação ao passivo ambiental. "Nas reuniões, em vez de mandarem técnicos, mandam advogados", disse o assessor técnico Sérgio Alves, do Inea.

Só no Márcia 1, foram depositadas no terreno 540 mil toneladas de resíduos carboquímicos e oleosos, misturados com escória. Segundo o Inea, a CSN aproveitou a topografia do terreno – uma espécie de vale, entre dois montes – para fazer com que o depósito não ficasse tão visível.

Assim, ao longo dos anos, foi-se igualando a "paisagem" e sendo coberto pela vegetação, como se o lixão industrial fizesse parte do relevo natural.

Como cada um tem características próprias, o MPF vai fazer uma ação para cada depósito irregular. "A CSN se recusa a assinar o TAC. Diz que até concorda em fazer o tratamento, mas não aceita como um compromisso, e sim como se fosse uma liberalidade", disse o procurador.

O iG enviou uma série de perguntas sobre o tema para a assessoria da CSN na segunda-feira (2). A siderúrgica não respondeu aos questionamentos.  

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