Declaração de bens não reflete a riqueza dos candidatos

Declaração de bens não reflete a riqueza dos candidatos

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:19

As declarações de bens dos candidatos, entregues à Justiça Eleitoral no registro das candidaturas, não refletem de maneira fiel o valor do patrimônio de quem busca uma vaga no poder público. Imóveis, automóveis e participações em empresas, que formam grande parte das posses dos concorrentes, devem ser declarados com o preço da data da compra, e não com o valor de mercado atual. Em determinadas situações, antigos apartamentos de R$ 100 mil podem valer milhões, e carros que um dia foram de luxo podem não alcançar o preço de automóveis populares.

A distorção se dá devido a uma instrução normativa da Receita Federal. Para que o Fisco possa cobrar os 15% de impostos, por exemplo, numa transação imobiliária, é preciso saber o preço de venda e o de compra. Se alguém adquiriu um apartamento por R$ 100 mil e vendeu, anos depois, por R$ 300 mil, há R$ 200 mil de lucro onde o Leão dará sua mordida. Por isso o preço de compra deve ser mantido nas declarações ano após ano.

Esse modelo, que ajuda a Receita em seus cálculos fiscais, também deve ser seguido na declaração de bens dos candidatos. Uma resolução de 2008 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tratou dessa questão e fez tal determinação. O objetivo da Justiça foi o de poder comparar os dados que recebeu com os do Fisco.

O que, por um lado, é benéfico para a Receita e para o TSE, pode acabar prejudicando o eleitor que quer ter uma noção mais clara do real patrimônio dos candidatos. Tal situação ainda pode deixar políticos sob a suspeita de enriquecimento súbito ou ocultação de sua riqueza, mesmo tendo declarado suas posses como manda a lei. O   iG   analisou a declaração de bens dos governadores ou ex-governadores dos cinco maiores colégios eleitorais do país. Em todas elas, devido às regras da Receita e do TSE, discrepâncias entre os valores declarados e o preço atual de mercado foram identificadas.

Veja abaixo alguns casos onde itens das declarações podem gerar distorções e confusão para o eleitor: José Serra (PSDB) deixou o governo de São Paulo para disputar a presidência e   declarou possuir um patrimônio de R$ 1,4 milhão . Se o preço de dois de seus imóveis pudesse ser corrigido em seu imposto de renda, e consequentemente em sua declaração de bens entregue à Justiça, ele teria ficado mais rico, para os olhos dos eleitores, em cerca de R$ R$ 640 mil.

Dono de um conjunto de três salas comerciais, cada uma com 33 metros quadrados, num prédio localizado no bairro de Pinheiros (SP), Serra declarou o valor de R$ 240 mil para sua propriedade. O imóvel, adquirido antes de 2006, foi se valorizando ao longo dos anos. Hoje, em estimativas de mercado, valeria entre R$ 792 mil a R$ 990 mil, a depender do estado de conservação e urgência do interessado em comprar.

“O metro quadrado nessa região varia de R$ 8 mil a R$ 10 mil. Há um prédio do lado [do que Serra tem as salas] e venderemos por esse preço. Uma sala de 33 metros [como a do tucano], ficaria na faixa de R$ 264 mil a R$ 330 mil”, disse o corretor da Lopes, Manoel Carlos Mendonça.

Serra também é dono de uma casa no município de Ibiúna - próximo da fazenda onde foi realizado o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1968, que acabou com a prisão de quase mil estudantes e líderes estudantis – avaliada em R$ 61 mil.

De acordo com o corretor Eduardo Duarte, que atua há 30 anos na região, a casa de Serra, localizada num espaço denominado “Clube Angico”, é uma das “mais simples e vale entre R$ 150 mil e R$ 200 mil”. Se as duas propriedades forem cotada pelo valor mais baixo, o patrimônio de Serra saltaria dos R$ 1,4 milhão para R$ 2,04 milhões.

Sérgio Cabral   Com uma declaração total de R$ 843 mil,   o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), afirmou possuir uma casa em Mangaratiba (RJ), comprada em 1998, no valor de R$ 200 mil. Se o imóvel estiver dentro da média das mansões do local, vale hoje cerca de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões.

De acordo com o corretor Jean Claude, da Imóveis de Luxo, esse seria o valor médio das propriedades do local. Ele mesmo faz a intermediação na venda de uma mansão no condomínio, pede R$ 5,8 milhões pelo imóvel.

Levando em conta a média mais baixa, de R$ 3 milhões para a casa, o patrimônio de Cabral saltaria de R$ 843 mil para R$ 3,6 milhões em valores estimados somente com a atualização, pelos valores de mercado, de um dos itens de sua declaração de bens.

Além do imóvel, há outra dificuldade para se determinar o patrimônio real de Cabral. Ela está numa participação de R$ 90 mil na empresa SCF Comunicação. A Receita pede que declarações de cotas sejam feitas pelo valor da compra. Por isso, em 2006, Cabral apresentou os mesmos R$ 90 mil de participação.

Somente uma análise da empresa e o preço efetivamente pago no momento da venda de sua participação pode determinar o valor real da companhia e o patrimônio de Cabral. Caso tenha existido crescimento da SCF, os R$ 90 mil do governador também cresceram. Se perdeu valor, o candidato do PMDB terá menos dinheiro que o declarado à Justiça Eleitoral.

Aécio Neves   O ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), que disputa uma vaga no Senado,apresentou à Justiça bens que somam R$ 617 mil . Tal como Serra e Cabral, o mineiro declarou imóveis que sofreram grande valorização nos últimos anos.

Um apartamento em Ipanema, declarado por R$ 109,5 mil, bastante usado por Aécio na época em que foi presidente da Câmara, está avaliado em R$ 2,5 milhões a R$ 3 milhões. A estimativa é da corretora R. Jardim Imóveis, que mesmo sem ter ido ao apartamento se baseou no preço de imóveis da região.

O síndico do prédio, Walter de Sá Leitão, foi um pouco mais comedido em sua avaliação. De acordo com ele, como a cobertura é adaptada – não constava no projeto original do prédio – o valor deve ser um pouco reduzido.

“Não acho que chega a R$ 3 milhões. Deve ficar na casa dos R$ 2,5 milhões mesmo”, disse.

Jaques Wagner   O governador baiano, Jaques Wagner (PT),apresentou R$ 1 milhão em sua declaração de bens . Entre as posses está um apartamento no Condomínio Edifício Mansão Duque de Orleans, em Salvador, comprado em 2001 por R$ 150 mil.

De acordo com a administração do condomínio, imóveis no local valem hoje entre R$ 750 mil a R$ 850 mil, a depender do andar e número de vagas na garagem. Levando em conta o preço mais baixo (R$ 750 mil), teria que se acrescentar R$ 600 mil à declaração de Wagner para que ela ficasse mais próxima de seu patrimônio real em valores atualizados.

O governador ainda possui R$ 801 mil aplicados no mercado financeiro. Parte em ações parte em fundos de renda fixa. A peculiaridade gera duas situações. Por um lado, é possível se ter uma idéia de sua riqueza no momento da entrega de seus documentos à Justiça. Por outro, a base de seu patrimônio pode se perder no dia seguinte à apresentação dos dados patrimoniais.

Dos R$ 801 mil, R$ 474 estão aplicados em renda fixa e são corrigidos constantemente. Assim, é bastante transparente o dado no dia da apresentação da declaração de bens. À medida que o tempo vai passando esse patrimônio varia, deixando os dados já imprecisos, por exemplo, no dia de hoje. Apesar disso, tal situação gera menos distorções que as declarações de imóveis, automóveis e cotas societárias de empresas.

O restante do patrimônio de Wagner está em ações da Petrobras, Vale do Rio Doce, Banco do Brasil e Gerdau. Como não há especificação da data de aquisição dos papéis e nem uma indicação se os valores dizem respeito ao que foi investido em ações ou ao que elas valem no dia da declaração de bens, é impossível, a partir dos dados, precisar o patrimônio do governador.

Além disso, as ações que possui são consideradas de alta liquidez e estão mais suscetíveis às variações do mercado. Assim, a cada dia, o patrimônio de Wagner pode estar maior ou menor.

Yeda Crusius   Candidata à reeleição, a governadora Yeda Crusius (PSDB)   declarou um patrimônio de R$ 620 mil . Seus maiores bens são dois imóveis, sendo que possui metade de cada um. Ela detém R$ 375 mil de uma casa na Vila Jardim comprada há quatro anos por R$ 750 mil, e outros R$ 98,5 mil de um apartamento adquirido por R$ 191 mil.

De acordo com o presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Rio Grande do Sul (CRECI), Flávio Koch, a valorização média imobiliária dos últimos quatro anos ficou em 40%. Assim, a casa de Yeda deve valer cerca de R$ 1,05 milhão. Sua metade, em valores atualizados, ficaria em R$ 525 mil.

O outro imóvel, em valores atuais, é estimado em R$ 480 mil. Esse é o preço que a imobiliária CIM está pedindo pelo apartamento 902 no prédio em que Yeda é proprietária do 901. Sua metade, então, ficaria em R$ 240 mil.

Ao contrário de imóveis valorizados, a governadora perdeu dinheiro num outro patrimônio. Em sua declaração consta um Fiat Siena 2004 no valor de R$ 40,4 mil. Em preços atuais de o veículo não sairia por mais de R$ 17 mil.

Entre os ganhos e as perdas, pode-se somar R$ 271,5 mil ao patrimônio do Yeda levando em conta três itens de sua declaração de bens.

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