Drama familiar supera boxe em "O Vencedor"

Drama familiar supera boxe em "O Vencedor"

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:57

De longe o esporte mais adaptado aos cinemas, o boxe tem um apelo todo especial para grandes plateias. Invariavelmente marcadas por sofrimento e superação, as histórias arrancam lágrimas fáceis e, vez que outra, promovem um espetáculo de edição nas lutas. No caso de "O Vencedor", de David O. Russell, concorrente a sete prêmios no Oscar 2011, a balança pesa muito mais para o drama, até por focar a vida real do peso leve Micky Ward, o que não impede a sensação de "já vi isso antes". Leia mais: A paixão do cinema pelo boxe e Assista a 10 cenas emblemáticas do esporte

Nascido em Lowell, Massachusetts, antiga pérola da indústria norte-americana, hoje falida, Micky (Mark Walhberg) trabalha pavimentando as ruas da cidade. Enquanto isso, treina com um sargento da polícia (Mickey O'Keefe, interpretando a si mesmo) e com o meio-irmão, Dicky Eklund (Christian Bale), herói local por ter derrubado Sugar Ray Leonard em 1978 numa luta controversa. Seguido de perto por uma equipe da HBO, Dicky imagina que está sendo filmado para um documentário sobre seu retorno aos ringues, quando na verdade o objetivo é flagrar seu vício no crack.

Magricelo e com olhar vidrado, ele frequentemente foge para uma casa de subúrbio para fumar a droga com seus amigos desdentados e não exita em flertar com a criminalidade. Empresária dos dois filhos, Alice (Melissa Leo) não enxerga nada disso e continua deslumbrada por Dicky, seu menino prodígio. Morando ao lado das sete filhas, ela gerencia sem muito zelo a carreira do mais novo, em geral agendando combates em que ele atua como trampolim, lutador mais fraco para que o oponente vença e, assim, consiga estatísticas e lutas melhores.

Um caso perdido que vê esperança na garçonete Charlene (Amy Adams). Ex-atleta, a garota não se conforma em ver como a família trata o namorado e cria confusão com todo mundo. A sogra a odeia, o bando de cunhadas partem para a briga e Dicky, bem, ele continua em órbita, até porque é difícil entender a quantidade de filhos, ex-maridos e parentes que passam pela tela. Já Micky, com ar atabalhoado, fica no meio do fogo cruzado sem saber muito bem o que fazer.

O conflito está instalado e é responsável pelo núcleo de "O Vencedor". As cenas de boxe, apesar de adotarem uma estética interessante, narradas por comentaristas de TV e com tons avermelhados, como se estivessem sendo vistas num televisor, não tem a emoção ou apelo de um "Touro Indomável", mesmo que a comparação seja até injusta.

Sobra, portanto, o talento dos atores. Como o Micky original não tinha lá muita personalidade, Walhberg (também produtor do filme) tem uma atuação contida. Mesmo sendo o protagonista inconteste, a situação é perfeita para o resto do elenco aparecer muito mais. Bale está assustador. Assim como em "O Operário" (2004), ele passa por mais uma transformação física, surge com vários quilos a menos e olhos esbugalhados, perdidos no horizonte. Se às vezes Dicky pode ser engraçado, na maior parte do tempo transmite uma tristeza impressionante. Um trabalho grandioso.

No setor feminino, Melissa Leo e Amy Adams se enfrentam na categoria de atriz coadjuvante do Oscar. Adams foge da meiguice de seus papéis mais célebres ("Julie & Julia", "Dúvida") e aparece segura e sensual, mas é Leo quem dá o show. Indicada há dois anos como melhor atriz por "Rio Congelado", ela é a favorita para levar o prêmio. A mãe da dupla de boxeadores é um desastre nos negócios e compensa seus fracassos ao colocar a família acima de tudo – apesar de privilegiar mais uns do que outros.

Dono de um humor peculiar, evidente em filmes como "Três Reis" (1999) e "Huckabees - A Vida é uma Comédia" (2004), o diretor David O. Russell conquistou boas críticas e uma parcela de fãs, mas ficou longe do sucesso comercial. "O Vencedor" é seu projeto mais próximo do gosto popular e comprova que ele sabe contar uma história para o grande público, mesmo sem deixar de lado seus comentários políticos – a situação crítica das camadas pobres norte-americanas formadas por brancos, o "white trash", não é sublinhada, mas está lá, aos olhos de todo mundo.

Embora o drama criado na narrativa de "O Lutador" tenha bastante força, não há como negar que ele segue a cartilha dos filmes de boxe. A trilha óbvia do atleta pobre que supera as adversidades e triunfa, amparado por uma mulher fiel, já é um clichê consumado. Não que isso não agrade ao espectador, ainda mais no caso de uma história real, e muito mais se os verdadeiros personagens surgirem enquanto sobem os créditos – a possibilidade de justificar o clichê com a rótulo de "inspirados em fatos reais" falou mais alto, tanto que o projeto, pensado como um documentário, virou ficção. Ficção de qualidade, ainda bem, e que mantém presença firme nas  produções do gênero.

Por: Marco Tomazzoni

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