Em abrigo de Friburgo, vítimas espantam tristeza com solidariedade

Em abrigo de Friburgo, vítimas espantam tristeza com solidariedade

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:00

O primeiro som ouvido ao chegar é o de crianças brincando. A TV está ligada, em horário de novela. Amigos conversam. A descrição parece com a de uma casa brasileira qualquer, mas a semelhança acaba quando se vê que os moradores dormem em colchões no chão de salas de uma escola, cercados de uns poucos objetos pessoais. Uma semana depois da enchente, o G1 visitou o maior abrigo de Nova Friburgo, que, nesta terça-feira (18), reunia 97 pessoas. Até dois dias atrás, eram mais de cem.

Em quatro salas do Ciep, em Olaria, maior bairro da cidade, as famílias permanecem juntas. Nas portas está colada uma relação com os nomes de todas as pessoas instaladas ali. Entre elas está o motoboy Fábio Queiroz. Ele mora em Conselheiro Paulino, numa casa que não foi afetada pelos deslizamentos, mas cujo entorno está isolado.

Tartaruga de estimação

Queiroz está no abrigo com a mulher, a sogra, uma tia e um primo. A família levou junto até a tartaruga de estimação, Kaká, que estava em uma caixa de papelão ao pé do colchão do casal. A mulher de Fábio conta que ganhou o bichinho quando era criança. Agora, a tartaruga é distração para outras crianças, as desabrigadas. "Elas ficam encantadas com a Kaká", diz Fábio.     Parentes ofereceram suas casas para que a família deixasse o abrigo, mas eles dizem que preferiram ficar. "Tem tantas pessoas precisando de ajuda, né? Vamos batalhar para erguer Nova Friburgo de novo", afirma o motoboy. "Aconteceu em 1996, mas [a cidade] se ergueu e vai se erguer quantas vezes for preciso."

Sem tempo para tristeza

No abrigo, se ocupar é também um jeito de espantar a tristeza. Sorridente e animada, Lucia Maria de Carvalho diz que está feliz ali. "Aqui são todos amigos. Eu faço de tudo: vou para a cozinha, descarrego caminhão, deixo as panelas brilhando...", conta.

O tom de otimismo ela não perde nem ao relatar como foi que perdeu a casa na chuva da semana passada. "Foi a conta de sair e tudo caiu na nossa frente. Mas a gente está aqui, com vida, está feliz. [Sobre o jeito positivo] Tem que ser assim. Se eu fizer cara de tristeza, vou deixar os outros tristes", diz a mãe de oito filhos, seis que estão com ela no Ciep.

Trabalho não falta. O local se tornou um dos principais pontos de recebimento de doações e agora também passou a ser distribuidor dos donativos para outros abrigos. Ao todo, Friburgo tem quatro, diz o secretário de Educação, Marcelo Verly. "A ordem aqui é não ter estoque", afirma. Segundo ele, já não há mais necessidade de doação de roupas. Medicamentos, máscaras e material de higiene e de limpeza são prioridades.

Separada da mãe

No Ciep, uma menina de 4 anos conversava e ria com o pai, deitado ao lado dela com um pé engessado, e um colega dele, que estava em cadeira de rodas. A missão do homem e de seu conhecido, também abrigado ali, era distrair a criança com brincadeiras. A menina não quis ser mostrada.

"Muita gente já veio aqui filmá-la, ela não quer mais. Ela fica triste porque a mãe ainda está internada. Teve que fazer um enxerto na perna", conta o pai, que é logo interrompido pela filha. "Ontem fui visitar a minha mãe. Hoje não deu porque tinha trânsito", diz ela. "Minha mãe está cuidando da perninha."

Vítima de desabamento, a família teve de ser resgatada de helicóptero de casa. "Eu aprendi a falar 'helicóptero'. Com quatro anos, eu ainda não sabia", observa a criança. "Eu andei de helicóptero e não fiquei com medo."    

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