Família mantém intacto quarto de Mércia, que hoje faria 29 anos

Família mantém intacto quarto de Mércia, que hoje faria 29 anos

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:11

Esta quarta-feira (6) será um dia difícil para a família de Mércia Nakashima. É a data do aniversário da advogada, que faria 29 anos. Ela nasceu no mesmo dia que o irmão Márcio, que fará 33 anos. Mas, pela primeira vez, Mércia estará ausente. Por conta do assassinato dela em 23 de maio, não haverá fotos, bolo, festa ou parabéns.

Nesta manhã, Márcio e sua mãe, Janete Nakashima, de 52 anos, deverão comparecer ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para acompanhar a decisão dos desembargadores sobre o julgamento do mérito do habeas corpus dos acusados de matar Mércia.   De acordo com a assessoria de imprensa do TJ-SP, o tema está na pauta do dia. O ex-namorado e ex-sócio dela, o advogado e policial militar reformado Mizael Bispo de Souza, de 40 anos, e o vigia Evandro Bezerra Silva, de 39, estão em liberdade provisória por conta de uma liminar. Eles negam o crime.

Sem bexigas, sem amigos, Janete aguarda agora a decisão dos desembargadores. “Momento de muita tristeza. Muito triste porque eu vou estar lá no TJ. Com uma angústia muito grande, né? Sem saber o que vai acontecer porque não estou achando nada justo. Por quê? O por quê que ele não vai preso se já sabem.”

No dia 29, a relatora Angélica de Almeida havia dado seu voto para que os réus respondam ao processo soltos. Ela entende que não há pré-requisitos para prendê-los. O Ministério Público pensa o contrário. O promotor Rodrigo Merli Antunes alega que os acusados já fugiram quando tiveram a prisão decretada pela Justiça e também teriam atrapalhado a investigação. Restam os votos de mais dois desembargadores para saber se o ex e o vigia responderão ao processo em liberdade ou presos.

Em 23 de maio, antes de Mércia desaparecer da casa dos avós em Guarulhos, na Grande São Paulo, e ser morta, ela havia comentado com a mãe de realizar uma grande festa de aniversário juntamente com o irmão. Segundo Janete, desde que ela havia começado a namorar Mizael, as festas do aniversário dos irmãos Mércia e Márcio haviam perdido a alegria.

“Esse ano, ela [Mércia] falou: ‘ai, mãe. Eu queria fazer uma festa.’ Nesses últimos três anos aí, que ele [Mizael] estava entre nós, assim, houve uma mudança muito grande, sabe? Ele não se aproximava muito. E por ela, pelo Márcio, que não gostava, eles não se davam muito, então nunca, nunca ouve mais assim, nunca foi mais aquele aniversário. Aquelas festas, como eram antigamente, sabe? E agora é o primeiro [aniversário] sem Mércia”, afirmou Janete.

“Isso, isso. Nós estávamos reunidos lá na minha mãe. O Márcio ia para os Estados Unidos agora no dia 6 [de outubro]. Aí nós combinamos que no retorno seria feito a festa. Por que acabou, né? Acabou tanto para mim, pro Márcio. Porque ficou, é marcante. E principalmente... Primeiro ano, né?”, contou a mãe da advogada.

Visita ao apartamento

Quatro meses após o assassinato de Mércia, Janete voltou pela primeira vez ao apartamento onde a filha morava com o pai dela, Macoto Nakashima, desde que ela morreu. Separada dele, com quem teve três filhos (além de Márcio e Mércia, tem Claudia, de 30 anos), Janete morava sozinha. Com a autorização da família da advogada, o G1 teve acesso a todo o imóvel, que fica no 14º andar. Foi a primeira vez que uma equipe de reportagem entrou no local.

Acompanhada de Janete, a reportagem presenciou o reencontro da mãe da advogada com o quarto da filha. A professora primária de língua portuguesa, que ajudava os filhos no escritório de advocacia que eles têm, se emocionou diversas vezes , chegando a chorar ao lembrar de Mércia.

“Uma tristeza muito grande. Um apartamento vazio. Tá... tá muito difícil. E assim... de lembrar que nós... esse apartamento aqui, nós já fizemos muitas festas, muitos jantares, almoço de domingo com a família também. Então, muito difícil. Minha filha estudando, se preparando para o exame da Ordem [dos Advogados do Brasil, a OAB], terminando a faculdade, foi aqui”, se recordou Janete.

Para a mãe de Mércia, a ‘ficha ainda não caiu’. “Até agora eu não consigo entender, não consigo. [Mércia] saía daqui cedinho, ela fazia um cafezinho, tomava um cafezinho e deixava para o pai, e já ia embora. Quando ela passava na padaria, geralmente passava na padaria, já levava o pãozinho.”

Sentada na mesa de jantar do apartamento, Janete lembrou do lugar preferido onde a filha gostava de se sentar. “Os nossos almoços de domingo sempre com a família, sempre com a família unida. Os aniversários também. A Mércia aqui, ó [indica um lugar a sua frente, do outro lado da mesa]. Ou aqui ou nessa cadeira [onde Janete está sentada].”

Quarto da filha

Um dos momentos em que Janete mais se emocionou foi retornar ao quarto de Mércia e ver a cama dela. Na tentativa de apaziguar a dor, um poster com a foto da advogada, como se ela estivesse deitada, foi deixada sobre o móvel. Segundo a mãe, o quarto está do mesmo jeito desde que a filha saiu de lá.

“Foi difícil entrar aqui. Principalmente no quarto dela porque as coisas estão mais ou menos como ela deixou. Sabe? E a cama... A única coisa é que o pai colocou uma foto lá em cima... Só isso. Só... Do mesmo jeito, do mesmo jeito. Do jeitinho que ela deixou também”, disse a mãe de Mércia. “Aqui, ó: do jeitinho que ela deixou. Estava frio no dia. No sábado. Aí ela levantou. Deu uma esticadinha na cama dela e foi para o sofá. Isso aqui [cartaz] foi o pai quem colocou. ”

Percorrendo o apartamento, Janete mostrou alguns objetos da sua filha. “É isso aqui é o anjinho que ela... Isso aqui é o que estava em cima do caixão. Só que eu peguei e levei.”

O apartamento está do mesmo jeito que Mércia deixou. A família disse que ele será mantido assim. O quarto foi decorado do jeito que ela gostava. Há fotos dela com os irmãos. No armário, as roupas continuam.

“Azul, rosa tava sempre... vermelho. Ela não tinha assim aquela cor. Mas assim, o azul é que nós... Ela tinha os olhos verdes, né? Então o verde, o azulzinho. A gente sempre falava para ela que... Que nós já tivemos na doação, aqui um pouquinho. Gostava muito, né? Eu gostava muito dessa blusa. Esse vestidinho aqui ficava muito bonito no corpo dela”, disse Janete.

Baixinha, pouco mais de 1,50 metro, Mércia era considerada uma pessoa de ‘pavio curto’. Por isso, abandonou o magistério e passou a se dedicar a advocacia. A lembrança mais marcante que Janete tem do apartamento é quando a filha passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Ah, quando ela passou no exame da Ordem [dos Advogados do Brasil] foi uma felicidade. Aliás, formaturas, né? Nós... Foi aqui ainda. Aqui, né?” disse Janete, que exibiu um quadro com uma foto da formatura do curso de direito que a filha não gostava. “Ela não gostava dessa foto de jeito nenhum. Eu quis pendurar.”

Questionada se ela e o ex-marido pretendem continuar com o apartamento, Janete se mostra indecisa. “É. Até quando eu puder, eu vou deixar assim. Pelo menos é uma forma, né? Uma lembrança. Eu não sei até quando. Eu, assim, eu não estou tendo assim, ainda... coragem para estar mexendo. Por enquanto sim, né? Por enquanto sim, mas, assim... Já muitos móveis já não têm aqui. Muitas coisas já estão faltando: as flores, sabe? Muitas coisas”, disse ela.

Dia do crime

Segundo a denúncia feita pelo Ministério Público, e aceita pela Justiça, Mizael teria matado Mércia por ciúme. Ele não aceitaria o fim do relacionamento. Evandro é acusado de ter ajudado o advogado a fugir da cena do crime.

Para a mãe de Mércia, o dia 23 de maio nunca sairá da sua cabeça. “[Mércia] foi para minha mãe. Ela se levantou e foi... no domingo. E ela estava fazendo a unha no domingo. Foi ela quem me ligou. Perguntou o que eu estava fazendo. Eu falei: ‘ah, to aqui. Eu to limpando, assistindo televisão’. Ela disse: ‘ah, mãe! Eu também’. Então aí nós combinamos que ela ia passar direto e ia para a casa da minha mãe. Que nós íamos almoçar lá. E foi o que aconteceu.”   De acordo com Janete, sua filha voltaria para o apartamento onde morava com o pai. “Ia passar creme no cabelo. Desapareceu. Aí você já sabe a história triste”.

O assassinato foi praticado numa represa em Nazaré Paulista, no interior do estado de SP. Segundo a Polícia Civil, Mércia foi baleada pelo criminoso dentro do seu próprio carro e desmaiou. Em seguida, o agressor empurrou o carro dela em direção às águas. Um pescador relatou à investigação ter visto o carro afundar, ter escutado gritos de mulher e visto um homem deixar o local durante à noite. Como Mércia não sabia nadar, ela morreu afogada, apontou o laudo do Instituto Médico-Legal (IML).

O automóvel de Mércia foi localizado submerso pelos bombeiros em 10 de junho. O corpo da advogada foi encontrado no dia seguinte.

Psicografia

Com a ausência da filha, Janete afirma que procurou maneiras de manter vivas as lembranças de Mércia. Além de guardar os pertences da advogada, ela diz que quer procurar ajuda espiritual para entrar em contato com a filha por meio de cartas psicografadas.

“Ah, todos os dias eu falo com ela. Loucura ou não, mas é coisa de mãe, eu falo. Todos os dias eu... Primeira coisa que eu falo, eu falo: ‘bom dia.’ Eu converso com ela sim. E às vezes eu sinto a presença dela. Sim, eu sinto. Minha filha tá viva e eu espero..., não sei. Eu acho que um dia ela vai se comunicar. Sabe, eu acho”, disse Janete

“Então, e assim, não sei se, verdade ou não, não sei, quando eu entrei nesse dia, que foi até numa quarta-feira, que eu estava vindo de lá do TJ, eu parei no, eu parei no restaurante e eu comecei a me sentir muito mal, eu achava que eu estava vendo a minha filha, não sei se era da minha cabeça. Aí, saí dali e fui pro salão, quando eu entrei, uma moça que eu nem conhecia, ela era nova no salão, aí ela deu um tempo, ela foi lavar meu cabelo, disse que era irmã dela que é minha cabeleireira, e ela veio, ela... ‘se percebeu que eu fui para fora?’ E eu: ‘não’. Eu comecei a passar mal, tudo. E ela: ‘você não se importa se eu falar? A sua filha entrou junto com você aqui’. Sabe? Não sei se acredito, se eu não acredito. Mas ela descreveu e sabe?”

Cemitério

Na garagem do apartamento onde Mércia morava com o pai dela, Janete se emociona novamente. “É aqui, ó, a vaga dela era essa. Nunca mais eu vou ter isso, né? Nunca mais. Nunca mais.” O veículo, que já foi periciado, ainda não foi devolvido à família.

Questionada se ela sentia a necessidade de visitar tudo o que lembrava a filha, Janete respondeu: “É. Tem que enfrentar, né?”

Depois da entrevista, Janete foi com o G1 ao cemitério onde o corpo da filha está enterrado em Guarulhos. Lá, permaneceu em silêncio, acariciando as flores e rosas que visitantes depositaram no túmulo de Mércia.     Postado por: Guilherme Pilão

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