Filme tailandês com macacos-fantasmas e espíritos agita Cannes

Filme tailandês com macacos-fantasmas e espíritos agita Cannes

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:24

Em um ano de poucos destaques na competição oficial e faltando apenas três dias para o final do festival, um filme tailandês com direito a macacos-fantasmas e peixes que copulam com princesas conseguiu surpreender finalmente o público de Cannes.

Exibido na noite desta quinta-feira (20), "Lung Boonme raluek chat", de Apichatpong Weerasethakul, não provoca estranhamento aos olhos ocidentais só pelo título e o nome do diretor. Nas palavras do próprio cineasta, o filme - com ritmo, imaginário cultural e senso de humor próprios - é uma "homenagem ao meu lar, e a um certo tipo de cinema com o qual cresci".

O longa-metragem (cujo título pode ser traduzido como "Tio Booonmee que pode recontar suas vidas passadas") conta a história de um homem à beira da morte que resolve retornar à floresta para viver seus últimos dias próximo às suas raízes.

Acompanhado de sua irmã, Jen, e de um sobrinho, Tong, Boonmee revê então sua falecida mulher, que reaparece na forma de um espírito e o aconselha na jornada final, e um filho há muito desaparecido, que, descobre-se, acabou unindo-se (social e sexualmente) a um grupo de macacos-fantasmas que habitariam as florestas da região, segundo lendas locais.

O reencontro com o irmão transformado em macaco (uma mistura de Chewbacca com um gorila saído de "Planeta dos macacos") é um dos momentos mais estranhos e engraçados do filme. Em outro momento que provocou risos da plateia, Boonmee relembra a história de uma princesa que, num dia de banho de rio, acaba fazendo amor com um bagre (possivelmente, uma encarnação anterior de Tio Boonmee).

Mesmo se encaradas com humor pela plateia e filmadas ora com uma ambientação de filme de terror, ora com uma leveza quase ingênua, cenas como estas não buscam apenas o horror ou o riso pelo bizarro. Do lado cultural, os episódios sintetizam a crença de que a alma é capaz de trocar constantemente de lugares entre homens, animais e quaisquer elementos da natureza.

Além disso, há um componente político na história, com referências ao comunismo e os diversos golpes militares que ocorreram na Tailândia nas últimas décadas. "Nos últimos anos na Tailândia, o nacionalismo, movido pelos golpes militares, trouxe um confronto de ideologias. Existe agora uma agência estatal que bane as atividades 'inapropriadas' e destrói seus conteúdos", declara em um livreto distribuído a imprensa o diretor. "[Tio Boonmee] é um símbolo do que está prestes a desaparecer, algo que está em erosão como os antigos gêneros de cinema, teatro, as técnicas de atuação ancestrais que não têm mais lugar no cenário contemporâneo."

Monstros no Rio de Janeiro

Razoavelmente conhecido dos frequentadores de Cannes - dois de seus filmes, "Mal dos trópicos" e "Eternamente sua", já receberam prêmios no festival -, Apichatpong é uma das referências citadas pela dupla brasileira Felipe Bragança e Marina Meliande para seu novo filme, "A alegria".

Também apresentado em Cannes nesta quinta-feira, na mostra paralela Quinzena dos Realizadores, o filme acompanha as descobertas, políticas e sexuais, de Luiza, uma menina de 16 anos da periferia do Rio de Janeiro.

Filha de pais separados e liberais, a garota é deixada à própria sorte no apartamento da mãe depois que seu primo desaparece em um tiroteio na mata possivelmente ligado a uma guerra entre policiais e traficantes.

A brecha é aproveitada por Luiza para promover festas com os amigos e botar em prática os primeiros planos em uma ação política que, defende, é pautada pela alegria - "colocar detergente na fonte da praça", "tomar leite condensado na lata até acabar", "atravessar paredes", "acreditar em fantasmas e super-heróis" etc.

Mas ainda que o manifesto da dupla de jovens cineastas seja oportuno e bem-intencionado - promover um novíssimo cinema em que a sua própria geração, os adolescentes, tomem o controle -, o resultado ainda é bastante irregular.

Como Apichatpong, o filme de Felipe e Mariana acerta ao brincar com o universo fantástico, explorando com esperteza fantasias de carnaval, máscaras e um inesperado monstro do mar que parece saído dos enlatados japoneses da década de 1970. Mas, diferentemente do tailandês, o longa brasileiro parece se perder quando tenta lidar com as questões políticas a que se propõe.

A manifestação dos garotos, que se pretende pacífica e contemporânea, termina em um confronto com a polícia exatamente igual aos dos tantos outros filmes de ditadura militar feitos pela velha guarda. E a "alegria" que deveria mover sua causa fica comprometida por uma atuação apagada, em um tom bem mais próximo da melancolia romântica dos emos do que da celebração do amor, da vida e da irresponsabilidade saudável que os personagens supostamente dizem perseguir. 

Mesmo assim, "A alegria" teve uma recepção entusiasmada ao final de sua primeira exibição oficial em Cannes na noite desta quinta e recebeu elogios de parte da imprensa internacional, que chegou a descrever o filme como "um exuberante conto sobre a busca da juventude atual por novas referências" e elogiou a "complexidade formal" do longa de Felipe e Marina.

Por Diego Assis

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