Flanelinhas de terno e gravata infestam as noites de BH

Flanelinhas de terno e gravata infestam as noites de BH

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:15

De terno e gravata eles impõem respeito. Sequer é preciso pedir a chave. Automaticamente, o motorista estende a mão num ato de confiança. Eles abrem a sua porta e o ajudam a descer do carro. Mas daí para frente o que é feito do carro é impensável. Tanta gentileza se difere do achaque rotineiro de flanelinhas, vivenciado por vários cidadãos. Mas a roupa bonita esconde as artimanhas dos homens de preto. Donos das ruas, os manobristas são orientados a garantir vagas para clientes o mais próximo possível do restaurante ou da casa noturna – e cumprem a determinação à risca. Cone pra cá, cone pra lá, o espaço público é obstruído. E, infelizmente, quase nada pode ser feito.

Belo Horizonte não tem legislação própria para disciplinar o serviço de valetes, como ocorre em São Paulo, e vê o número de empresas que ofertam a “comodidade” dos manobristas se multiplicar indiscriminadamente, principalmente em pontos nobres da cidade, como os bairros Lourdes e Sion, ambos na Região Centro-Sul. Outro agravante é o fato de a fiscalização da Guarda Municipal se encerrar às 22h. Apesar disso, garante a assessoria do órgão, são feitas ações conjuntas com a PM e a BHTrans. No entanto, não foi informado o número de blitzes este ano.

Custando entre R$ 3 e R$ 15, as empresas cobram de motoristas valor muitas vezes superior ao de flanelinhas comuns. Sem estacionamento próprio em quase todos os casos, as empresas de valete usam passeios e vagas públicas para estacionar, deixando os automóveis à mercê de furtos, multas de trânsito e danos causados por chuvas de granizo e quedas de árvores. Apesar da garantia de seguro, ser ressarcido pode ser sinônimo de dor de cabeça.

Em Lourdes, praticamente todos os restaurantes ofertam o serviço. Na porta do estabelecimento, os manobristas recebem os clientes e eles não precisam sequer procurar vaga. Até porque, todas estão ocupadas. Cones e cavaletes são usados para impedir que outros motoristas ocupem os espaços, transformando a via pública num estacionamento particular. Com os objetos na mão, eles correm para todo lado quando um carro chega ou um sai. “Pagamos por um serviço que deveria ser público, mas, para deixar o carro em boas mãos, vale a pena”, afirma o advogado Gilberto Camargo, de 32 anos, constante usuário do serviço de valete.

Sem a devida segurança nas noites da capital, ele prefere pagar mesmo tendo uma vaga à disposição e sabendo que o estacionamento é a própria rua. “O certo seria termos a garantia da segurança. Nesse caso, estou transferindo a responsabilidade para alguém”, acrescenta Camargo. Antes de entregar as chaves, os manobristas anotaram a placa do carro e perguntaram se havia algum objeto de valor para qualquer problema de sumiço. Foram informadas seis garrafas de vinho.

Na Avenida Raja Gabaglia, as boates oferecem valetes aos clientes, mas, diferentemente da maioria dos estabelecimentos, têm estacionamento próprio, o que encarece o serviço, tornando-o o mais elevado da cidade. Na Rua Pium-í, no Bairro Sion, um restaurante disponibiliza o serviço, mas os carros ficam na Avenida Francisco Deslandes – segundo a empresa, sendo cuidados por um vigia. “É um conforto, mas você entrega o carro para um desconhecido. É melhor correr o risco de um furto do que deixá-lo com quem a gente não conhece”, diz o belo-horizontino Leandro Motta.

Vistoria necessária

Além da falta de regularização, os motoristas sofrem com problemas de pequenos furtos de objetos deixados dentro do automóvel e acidentes leves. A principal empresa do serviço em Belo Horizonte deixa claro em suas placas: “Faça a vistoria do veículo no ato do recebimento. Não nos responsabilizamos por reclamações posteriores”. Somente no ano passado, a Prepare Manobristas gastou R$ 40 mil em pequenos acidentes com os mais de 100 veículos manobrados em cerca de 50 casas em BH, entre restaurantes, butiques, hospitais, salões de beleza e outros.

Segundo o proprietário da empresa, Wilder Garanelo, as seguradoras não aceitam fazer apólices contra acidentes por dois motivos: os carros são estacionados na rua e os motoristas, variados. Ainda assim, ele garante que sua firma arca com o custo de qualquer acidente acusado. Nada que afete o lucrativo negócio. A estimativa de faturamento mensal é superior a meio milhão de reais. A conta é simples: cobram-se de R$ 3 a R$ 8 por carro manobrado e são cerca de 10 mil clientes/mês. Se considerada a média de R$ 5 o serviço de valete, e multiplicá-la pelos usuários, chega-se ao montante de R$ 50 mil.

Para evitar problemas com clientes de má- fé, os funcionários são obrigados a cumprir duas tarefas ao receber os automóveis: vistoriar o veículo para conferir arranhões e batidas e questionar se ficou algum objeto de valor. “O tíquete entregue ao dono do carro tem listados os objetos que o freguês tem no carro, como celulares e notebooks”, acrescenta Garanelo. Ainda assim, há cerca de um ano e meio um cliente entrou na Justiça contra a empresa alegando que havia deixado uma bolsa com produtos de valor no carro e ao recebê-lo os pertences tinham sumido. “Tivemos uma audiência esta semana e ele pede R$ 18 mil de indenização. Mas confirmou que não informou nenhum objeto ao entregar o automóvel a um de nossos funcionários”, afirma.  

Postado por: Thatiane de Souza

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