O STF (Supremo Tribunal Federal) país teve durante sete meses em seu comando o poeta e juiz sergipano Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, ou apenas ministro Ayres Britto. Ele faz nesta quarta-feira (14) sua última sessão como presidente da Corte – no próximo dia 18, ele completa 70 anos, idade limite para exercer a magistratura no Brasil. Na sexta-feira (16), segundo o STF, o ministro ainda deve trabalhar, mas tem apenas agenda interna programada.
O ministro deixa o Supremo sem concluir o julgamento do mensalão, que tem sua 46ª sessão nesta quarta, mas existe a possibilidade de que ele deixe seus votos por escrito.
Com a aposentadoria de Ayres Britto e, anteriormente, a de Cezar Peluso, o Supremo trabalhará durante duas semanas com apenas nove ministros, mas isso não deve interferir no julgamento do mensalão – o quórum mínimo exigido para ações penais, como a do mensalão, é de seis dos 11 ministros.
O substituto de Peluso, Teori Zavascki, deve tomar posse apenas no dia 29 de novembro.
Ayres Britto tem dito que sai do STF com uma “pontinha de tristeza”. “Saio com esta pontinha de tristeza, mas não é melancolia. Não é desgosto, não é mágoa. Nada disso, eu saio feliz. Acho que passei pelo STF e não perdi a viagem. Tive o melhor de mim. Conhecia e ainda conheço muito bons companheiros de trabalho, fui ajudado por todos”, disse durante entrevista no Encontro Nacional do Poder Judiciário, em 6 de novembro, em Aracaju.
“Eu procurei desenvolver, até em plenitude, a minha vocação de operador jurídico, de estudioso do direito e dei o melhor de mim. No julgamento de causas que tiveram a ver, tudo a ver com o arejamento da cultura brasileira, mudança de mentalidade, quebra de paradigmas ultrapassados e abertura de novos horizontes no plano das ideias, como por exemplo, no combate à corrupção”, avaliou.
O 43º presidente da Suprema Corte do Brasil teve como principal desafio em sua gestão a coordenação por mais de três meses do julgamento do maior escândalo de corrupção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a ação penal 470, mais conhecido como processo do mensalão. Durante o mais longo julgamento da história do STF, o magistrado teve de colocar em prática sua função de mediador para conter as inúmeras discussões e debates acalorados entre o ministro-relator do caso, Joaquim Barbosa, e o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski.
“A AP 470 [processo do mensalão], o que me coube, junto com os ministros, foi colocar em julgamento e tenho presidido as sessões de julgamento nesta diretriz, que me cabe, de coordenador dos trabalhos, para evitar que intercorrências e incidentes resultam em pane processual, coisa que não aconteceu e não vai acontecer”, afirmou.
Especialista em Direito Constitucional, Britto conseguiu em seus discursos e votos no plenário da Suprema Corte, onde atuava desde 2003, e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), incluir poesia e comentários inspirados recheados, inclusive, com metáforas inusitadas.
“Fica um gosto de jiló, de mandioca roxa, de berinjela crua, algo de vinagre, de fel, que fica no céu da boca, que se vê na condenação e ao condenar alguém, sobretudo, na pena de reclusão”, avaliou o magistrado durante sessão de julgamento do mensalão, no dia 30 de agosto (assista ao vídeo ao lado).
Quando tomou posse em 19 de abril deste ano no Supremo, Britto comparou, em seu discurso, o compromisso com a Constituição Federal com uma “jura de amor”. “A Constituição conferiu ao magistrado o dever de guardá-la sobre pau e pedra, o que faz do compromisso de posse uma jura de amor".
Ao presidir o Supremo, Britto também teve como função presidir o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e priorizou uma abertura maior no diálogo com as associações de classe, com visitas também aos Tribunais Superiores, à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), à Defensoria Pública da União e ao TCU (Tribunal de Contas da União).
A disposição de Britto de acelerar as votações em junho deste ano – antes do recesso do meio do ano e já prevendo a demora do julgamento do mensalão que teve início em agosto – chegou a ser criticada por colegas, que chegaram a dizer que ele estaria querendo colocar na pauta "uma final de Copa por semana".
Um momento marcante de sua atuação em plenário foi seu voto pela validade da Lei da Ficha Limpa nas eleições municipais de outubro, unindo a maioria dos ministros. “Essa lei é fruto do cansaço, da saturação do povo com os maus tratos infligidos à coisa pública", afirmou o ministro durante a exposição de seu voto em 16 de fevereiro.
Outro momento de destaque na sua atuação em plenário foi a defesa pelo direito da mulher em escolher se quer interromper a gravidez, em caso de o feto ser anencéfalo (ter má-formação cerebral – que costuma levar o bebê à morte após o parto). Em 12 de abril, a maioria do Supremo decidiu que o aborto de anencéfalo não é mais crime.
“É um direito que tem a mulher de interromper uma gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução ‘dar à luz’. Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. É como se fosse uma gravidez que impedisse o rio de ser corrente”, argumentou Britto, no voto que proferiu em plenário em 12 de abril passado.
Já como presidente do STF, Britto teve como desafio a votação de cotas para negros em universidades públicas. Nos meses de abril e agosto, foram três decisões da Suprema Corte que aprovaram a política de cotas raciais e sociais para o ingresso em instituições de ensino. Com as decisões, o entendimento dos ministros a respeito da constitucionalidade das cotas passou a ser aplicado a todos os processos semelhantes que ainda estavam aguardando decisão da Justiça.
“Eu fui primeiro ministro a votar a favor das cotas raciais e sociais, Lei Ficha Limpa, primeiro a relatar, no sentido de aplicar em plenitude, já nas eleições em 2010, foram ações que me realizaram como cidadão e como magistrado”, afirmou Ayres sobre sua atuação no STF.
Em maio deste ano, Britto presidiu ainda a sessão que concluiu a votação sobre uma área em disputa entre índios e fazendeiros no sul da Bahia. O STF determinou que a área em discussão é indígena e determinou a anulação dos títulos de terras existentes e, obrigando assim, os fazendeiros a deixar o local.
Ao se aposentar compulsoriamente do Supremo por completar 70 anos, Britto diz que se dedicará à vida acadêmica e à poesia. “Vou fazer e ler poesia, vou para a sala de aula”, disse timidamente na penúltima sessão que presidiu no STF.
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/11/14/ayres-britto-tem-ultima-sessao-no-stf-antes-de-se-aposentar-corte-tera-nove-ministros-por-duas-semanas.htm
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