Manobra no Senado derruba MP que pune violação de sigilo por servidor

Manobra no Senado derruba MP que pune violação de sigilo por servidor

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:51

Uma manobra patrocinada por senadores do governo e da oposição acabou por derrubar a medida provisória 507, que pretendia estabelecer um conjunto de punições ao servidor público responsável pela violação do sigilo fiscal de contribuintes.

Tudo começou com as críticas da oposição, encampadas pela base governista, à escassez de prazo para debater o texto da MP.

A matéria havia sido aprovada com modificações na Câmara no dia 1º de março e, se não fosse aprovada sem modificações pelos senadores, perderia a validade à meia-noite desta terça. As mudanças feitas pelos deputados, na avaliação dos senadores, “deixaram brechas” que poderiam facilitar a violação de sigilos em vez de dificultar.

Sem poder discutir, os senadores utilizaram um artifício do regimento do Congresso, que prevê o retorno da MP à Câmara sempre que o Senado realizar mudanças no texto da medida.

Com isso, a matéria até foi aprovada, mas teve de retornar à Câmara porque os senadores suprimiram o artigo 3º da proposta. Como o prazo para aprovação termina nesta terça, a matéria será arquivada.

Enviada ao Congresso pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2005, a matéria foi editada pelo Planalto para conter as críticas da oposição durante o episódio do vazamento de informações fiscais sigilosas de quatro integrantes do PSDB, registrado em uma unidade fiscal de Mauá, no ABC paulista, ocorrido na campanha presidencial do ano passado.

Para amenizar eventuais críticas ao Senado, o líder do PT na Casa, senador Humberto Costa (PE), com o apoio da oposição, se comprometeu a apresentar nos próximos dias um projeto de lei elaborado a partir do texto original da MP. Costa disse que irá protocolar o projeto ainda nesta semana e o texto deve tramitar em regime de urgência urgentíssima.

Críticas

Para justificar a manobra que derrubou a MP, os senadores utilizaram dois argumentos. Primeiro, criticaram o texto da Câmara, apontando artigos modificados pelos deputados que, na avaliação deles, poderiam deixar brechas na interpretação da lei.

Segundo – e principal motivo para alguns senadores –, os parlamentares condenaram a forma de tramitação das MPs. Eles argumentaram que a Câmara esgota praticamente todo o prazo de tramitação e, quando a medida chega ao Senado, está prestes a vencer, e os senadores não podem discutir, fazer alterações. São obrigados a “chancelar” o que a Câmara fez.

“Foi uma reação a essa tentativa de fazer do Senado uma chancelaria pura e simples. Na podemos continuar engolindo um prato feito, muitas vezes com deformações que não justificam aprovar a proposta. Não é pelos méritos da matéria [em questão], mas a forma como ela veio. Então, a ideia foi: vai para o arquivo a MP e se elabora um projeto com regime de urgência”, afirmou o líder do PSDB, Alvaro Dias (PR).

Pela legislação, o Congresso tem 120 dias para analisar, modificar e aprovar uma MP. Após esse prazo, a medida perde validade. Com a derrubada da MP, os senadores também mostram união em torno da proposta do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que defende a mudança na tramitação das matérias na Casa.

“Hoje, na mecânica das MPs, eles [deputados] introduzem alguns assuntos estranhos lá na Câmara. Quando chega ao Senado, se nós derrubarmos, tem que voltar à Câmara para aprovar a nossa decisão. Isso contraria um pouco o sistema legislativo. Vou levar essa resolução à Mesa e espero que, na próxima sessão do Congresso, seja resolvida”, argumentou Sarney nesta segunda (14), quando falou pela primeira vez da proposta.

Texto da MP

No texto aprovado pela Câmara, a pena valeria para o servidor que “permitir ou facilitar, mediante atribuição, fornecimento, empréstimo de senha ou qualquer outra forma, acesso de pessoas não autorizadas a informações protegidas por sigilo fiscal”.

Pela norma, todo servidor público que fosse flagrado cometendo irregularidades poderia ser demitido, destituído de cargo em comissão ou até ter cassada a disponibilidade ou aposentadoria. Essas penalidades também incompatibilizariam, por cinco anos, o ex-servidor para novo cargo, emprego ou função pública em órgão ou entidade da administração pública federal.

O uso indevido de informações fiscais seria caracterizado pela impressão, cópia ou qualquer outra forma de extração dos dados protegidos. Se o servidor acessasse indevidamente as informações, mas não praticar essas ações, a pena poderia ser menor: suspensão de até 180 dias. Caso a conduta seja repetida, também poderá haver demissão.

A legislação atual já pune, no âmbito administrativo, o acesso indevido a arquivos de documentos ou autos de processos que contenham informações protegidas por sigilo fiscal. Também é passível de punição administrativa a falta de cuidado, por parte do servidor, na guarda e utilização de sua senha, bem como seu empréstimo a outro servidor, desde que não se configure quebra de sigilo fiscal. A conduta de quebra de sigilo fiscal já é punida com demissão.

Sigilos violados de tucanos

Tornado público em setembro do ano passado, o caso que motivou a edição da MP envolveu a violação do sigilo fiscal do vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge, e de outros integrantes do partido, entre eles Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio de Oliveira e Gregório Marin Preciado, além de Veronica Serra, filha do então candidato do partido à Presidência, José Serra.

Os sigilos foram violados a partir de um computador de uma servidora da unidade da Receita em Mauá que admitiu negligenciar a senha e até utilizar combinações de seus superiores para acessar dados sigilosos.

Revelado em plena campanha eleitoral para a Presidência da República, o escândalo desencadeou uma investigação na Corregedoria da Receita Federal e levou Lula a editar a MP para tornar mais rígidas as punições a servidores públicos que violarem sigilos.

Por Robson Bonin

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