O décimo dia do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcado pela decisão da Corte, por unanimidade, de anular parte do processo envolvendo o argentino Carlos Alberto Quaglia, um dos réus, desmembrando a ação penal e encaminhando o caso para juízo de primeiro grau. Quaglia foi acusado pelo Ministério Público pelos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro e, segundo a Procuradoria Geral da República, teria recebido recursos, por meio de sua empresa, das agências do publicitário Marcos Valério, para repassar a parlamentares do PP no esquema do mensalão.
Desta forma, dos 38 réus que inicialmente faziam parte do julgamento, 37 terão seus casos analisados pelo STF – apenas as denúncias envolvendo Quaglia serão analisadas por tribunal de primeira instância. Após manifestação do relator do processo, Joaquim Barbosa, e do revisor, Ricardo Lewandowski, esta foi a decisão dos ministros da Corte.
“Entendo que ocorreu uma nulidade absoluta de caráter insanável, uma vez que o direito do réu de se defender com o advogado que escolheu lhe foi sonegado”, afirmou Lewandowski durante a leitura de sua longa manifestação sobre a preliminar apresentada pela defesa de Quaglia – a última trazida à discussão pelo relator Joaquim Barbosa.
No início de sua explanação sobre a questão, Barbosa sinalizou que, assim como havia feito com todas as outras preliminares anteriores apresentadas por vários advogados de réus do processo, também rejeitaria o pedido de Quaglia. Ele apontou o que qualificou como “má-fé” do réu ao pedir a nulidade do processo.
“[Carlos Alberto Quaglia] Não disse a verdade ao afirmar que não conhecia o advogado e que não tinha lhe dado procuração. Segundo, não informou a esta Corte que este advogado não seria seu defensor. Terceiro, foi pessoalmente intimado da renúncia dos advogados constituídos por ele. Quarto, foi informado dessa renúncia pelo próprios advogados. Quinto, não obstante, permaneceu em silêncio diante desse fato. Não há como negar a má-fé. O torpe pretende aproveitar-se da própria torpeza”, atacou duramente Barbosa em seu pronunciamento.
Barbosa, em seguida, admitiu a possibilidade de que o processo fosse anulado pela Corte, mesmo contra seu posicionamento. “Sobre essa questão, eu me princípio pela superação da preliminar, porque eu vejo uma manobra evidente para se criar uma nulidade. Mas se a Corte entender em tomar outra solução, não tenho objeção. A Corte assumirá os riscos”, disse.
Entretanto, após a intervenção do revisor Lewandowski a respeito do assunto, deferindo o pedido da defesa do argentino, o presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, colocou o assunto em discussão no plenário e até mesmo o próprio Barbosa acompanhou a interpretação de que a primeira instância seria o foro mais adequado para analisar o caso.
De acordo com a defesa de Quaglia, feita pelo defensor público-geral da União Haman Tabosa de Moraes e Córdova na última sexta-feira (10), uma falha dos órgãos internos do STF teria sido responsável pelo fato de o argentino ter ficado, na prática, sem defesa durante parte do processo.
“Por quase três anos, de janeiro de 2008 a dezembro de 2010, as intimações foram realizadas incorretamente, destinando-se a outro advogado, e não àquele nomeado pelo senhor Carlos Alberto Quaglia\", disse Lewandowski, reproduzindo trechos da preliminar apresentada pelo réu. Este teria sido o motivo para a renúncia de seus advogados. O revisor faz a ressalva de que, se falha houve, ela teria sido cometida não por Joaquim Barbosa, mas pelos órgãos de controle da Casa.
Em sua longa sustentação oral sobre a matéria, o ministro revisor rebateu a tese inicial de Joaquim Barbosa de que Carlos Alberto Quaglia tivesse agido de má-fé ao questionar a Corte e alegar prejuízo à sua defesa.
“Eu verifiquei que estamos diante de uma pessoa, um estrangeiro, um argentino, que hoje vive da caridade pública no estado de Santa Catarina. Está sendo defendido pela Defensoria Pública da União\", disse Lewandowski. \"É uma pessoa que aparentemente apresenta alguma dificuldade de entendimento da realidade circundante e, de fato, afirma, de forma um pouco confusa, que nunca conheceu este advogado que teria nomeado. É um depoimento um tanto conturbado. Portanto, não estou vendo uma má-fé no sentido de tumultuar o processo.\"
STF rejeita inclusão de Lula
Ao todo, os ministros do STF analisaram 18 questionamentos de advogados de réus do mensalão a respeito do processo. Antes da preliminar apresentada por Quaglia, Barbosa, Lewandowski e o plenário da Corte rechaçaram todas as alegações anteriores. Despertando a ira de alguns defensores que estavam no plenário, o ministro relator ironizou os questionamentos dos réus: “\"Eu quero eliminar as abobrinhas para a gente discutir [o processo em si]\", disse, arrancando risos de alguns ministros.
Entre os pedidos indeferidos pelo STF, estava o feito pela defesa do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, réu e delator do mensalão, que pedia a inclusão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os réus do processo. Joaquim Barbosa lembrou que a questão já foi tratada anteriormente pelo Supremo e rejeitou o pedido. Ele foi acompanhado por Lewandowski e pelo plenário.
No início de seu pronunciamento, Joaquim Barbosa demonstrou nervosismo e indignação por supostamente ter sido ofendido pelos advogados de Enivaldo Quadrado e Breno Fishberg. O relator do mensalão solicitou à Corte que aprovasse o encaminhamento de um ofício à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra esses advogados. A solicitação foi negada pelo revisor e pela maioria dos ministros (apenas Luiz Fux acompanhou Barbosa).
\"Vossa Excelência agrediu a esta Corte, agrediu ao País. Não faz parte do grau civilizatório no qual eu me insiro proferir as palavras que você proferiu em relação a mim\", afirmou Barbosa em resposta a um dos advogados, que pediu a palavra para negar qualquer intenção de ofender o relator.
Outro momento curioso da sessão envolveu o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Ayres Britto interrompeu brevemente o colega e o alertou a respeito do tempo de duração da sessão, já que o revisor já falava por alguns minutos. Lewandowski causou risos dos demais ministros ao responder ao presidente do Supremo: “Não me preocupa a angústia do tempo”, disse.
O julgamento do mensalão será retomado nesta quinta-feira (16), a partir das 14h, com o início da leitura do voto do relator, ministro Joaquim Barbosa.
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