Na Rocinha, candidatos disputam herança de vereador polêmico

Na Rocinha, candidatos disputam herança de vereador polêmico

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:12

Camisas de políticos são proibidas em época de eleição. Mas na Rocinha, maior favela do Rio, é impossível caminhar sem ver centenas de pessoas vestindo camiseta amarela com foto de um vereador, distribuindo “santinhos”. “Eterno amigo e vereador, Claudinho da Academia. Você é o caminho e a luz dos excluídos” diz o texto impresso. Suspeito de ligação com o tráfico – que teria bancado sua campanha – e de fazer da favela um “curral eleitoral” em 2008, Claudinho (PSDC) foi o primeiro membro da comunidade eleito para cargo público. Teve 8.235 (71,5%) de seus 11.513 votos na Rocinha. Morreu de infarto em 19 de junho, aos 39 anos.

Na eleição deste ano, a herança política de Claudinho é disputada por candidatos de dentro e de fora da favela. “Claudinho é mais forte morto do que vivo”, disse ao iG o presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR), Leonardo Rodrigues Lima, o Léo.

Na luta pelo polêmico legado, o deputado estadual André Lazaroni (PMDB), vice-líder do governador Sérgio Cabral, saiu na frente, e teve o apoio de 60 lideranças comunitárias, o grupo político do vereador morto. Em jornal repleto de fotos de Claudinho, André afirma que “abraçou as comunidades” e assina carta-compromisso em que faz promessas como manter o gabinete aberto aos moradores e oferecer reciclagem de lixo. Também se compromete a apoiar e financiar candidatos a vereador da Rocinha em 2012.

Adversários afirmam que ele também assumiu dívidas de Claudinho - a versão é a de que ele vai manter salários do grupo político até dezembro - e loteará cargos no gabinete. André e a equipe negam, e dizem que a adesão é “ideológica” e “no amor”, gratuita, por confiança no projeto político. “Quando Claudinho morreu, me procuraram, porque ficaram acéfalos. Ninguém podia sair candidato e precisavam de alguém em quem confiassem”, afirmou o deputado.

Cabos eleitorais que entregam santinhos do candidato recebem R$ 100 por semana, valor semelhante ao pago por outros postulantes na área (oscila até R$ 125 por semana), e muitos dizem que não vão votar nos candidatos para quem pedem votos.

Nos acessos e vielas da Rocinha – no movimentado vai-vem de gente e mototáxis –, as centenas de cabos eleitorais de amarelo que ostentam a foto de Claudinho pedem voto para André Lazaroni, visivelmente o nome com mais placas espalhadas pela Rocinha. ]

Seus correligionários minimizam e dizem que são mil os galhardetes, mas a reportagem viu cerca de 200 dentro de apenas uma casa, ainda a serem instaladas.

Com o presidente Léo e o secretário do Obras da associação, Xavante, à frente, o grupo político do vereador coordena a campanha na Rocinha. André aposta no carisma de Claudinho para ter votos na favela da zona sul, onde afirma que já atuava antes da campanha. “É uma questão de sobrevivência ( o apoio) . André já tinha ligação com Claudinho”, disse Gisela Andreata, ex-assessora de imprensa de Claudinho, da associação e irmã do sócio do vereador na academia, Gabriel Andreata.

O candidato a federal do grupo é Marcelo Sereno, chefe de gabinete da Casa Civil de José Dirceu e ex-secretário de Comunicação do PT. Sereno foi indicação do líder do MST José Rainha, conhecido de Claudinho e assessores. O nome para senador é Lindberg, e para o governo, Sérgio Cabral.

Há ciumeira entre candidatos pelas opções. “Eu já fiz muito mais que André aqui”, disse a vereadora Liliam Sá (PR), concorrente a deputada federal. “Criei o mercado popular. Em 2000, ninguém queria saber da Rocinha, fui a primeira. Sempre tive 5.000, 6.000 votos aqui. Com Claudinho, tive 1.400, e hoje, 5.000 não bato mais, mas quero manter meus mil e poucos”, disse ela, que fazia campanha na entrada da Rocinha, com cerca de 20 cabos eleitorais.

Ao se encontrar com Xavante, reclamou não ter sido procurada pelo grupo, apesar de sua presença há mais de 10 anos na Rocinha. “Foi injustiça”, disse ela. “Seu estilo é outro”, retrucou Xavante. A conversa logo virou bate-boca.

Autorização

De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), rivais políticos e dois líderes comunitários ouvidos pelo iG , Claudinho era o único candidato “autorizado” pelo tráfico a fazer campanha lá em 2008, o que levou o Exército a atuar, a pedido da Justiça Eleitoral. No dia do pleito, a Rocinha era um mar de camisas amarelas. Centenas de cabos eleitorais indicavam os locais de votação. Correligionários intimidaram jornalistas e impediram fotografias.

Por ter assumido o grupo político, André Lazaroni passou a ser investigado pelo Ministério Público Eleitoral sob suspeita de fazer “curral eleitoral”. “Jamais aceitaria um lugar fechado, não democrático. Traficante nunca deu voto. Jamais fecharia com o poder paralelo. Se o Claudinho tinha ou não ligação ( com o tráfico ) não vai ser nunca provado. Ele morreu. Ficou o Claudinho líder comunitário e vereador que ajudava a Rocinha”, afirmou André.

Em 2010, a situação de campanha é realmente outra. São ao menos três os candidatos de raiz, nascidos e criados na Rocinha. Dois disputam com André Lazaroni vaga a deputado estadual: o ex-líder comunitário William da Rocinha (PRB) e Adelson Guedes (PMDB), porteiro em um edifício de luxo na praia de São Conrado, bairro no sopé do morro. Outro líder, Xaolin da Rocinha (PCdoB), pretende chegar à Câmara dos Deputados na carona da ex-deputada federal Jandira Feghali, após ter 3.000 votos em 2006. “Está democrático para caramba”, diz Xaolin, que lutava caratê e ganhou o apelido dos filmes de Bruce Lee.

Paraquedas

Em dois dias de visita à Rocinha, a reportagem recebeu santinhos de ao menos quatro candidatos a deputado estadual – André Lazaroni, William da Rocinha, Clarissa Garotinho (PR) e Chiquinho da Mangueira (PMDB) e de oito a federal – Alexandre Cardoso (PSB), Júlio Lopes (PP), Liliam Sá, Marcelo Sereno (PT), Xaolin da Rocinha, Washington Reis (PMDB), Pedro Jorge (PCdoB), Sávio Neves (PP). Havia placas e galhardetes de dezenas de outros na favela. Ao menos quatro candidatos têm comitê na favela. Além de André, cujo comitê é ao lado da associação, Alexandre Cardoso, Washington Reis e William têm espaço eleitoral.

“Cai tanta gente de paraquedas... Aqui tem mais candidato que eleitor! Mas ninguém nunca trouxe nada. Eles não têm votos, nós é que temos, que conhecemos as pessoas. Eles andam pegados no nosso braço”, disse Léo. “A gente fica pasmo. Não tenho recursos e disputo com esses caras, porque a democracia permite. Meus recursos são os moradores”, disse Xaolin. Políticos sem serviços prestados são popularmente conhecidos por lá como “candidatos Copa do Mundo”, que só aparecem de quatro em quatro anos.

O motivo para tanta disputa é a importância da Rocinha na eleição proporcional. São 56.389 votos na 211ª Zona Eleitoral, onde votam os habitantes, além de moradores de São Conrado e Gávea. Estima-se que a favela tenha entre 32.000 e 40.000 eleitores. Com exceção de 2008, a tradição é pulverização de votos – diz o ex-prefeito e candidato ao Senado Cesar Maia.

Comunidade de nordestinos, muitos moradores não têm título no Rio. Candidato local, William foi abordado por três pessoas nessa situação em dez minutos – o repórter falou com mais duas pessoas que não votarão pela mesma razão.

William conversa brevemente com três moças, em roupa de ginástica. Ao sair uma delas lhe manifesta apoio. “Estamos juntos! Você não é playboy! É a gente!”, disse, repetindo bordão usado pela ADA, facção criminosa que controla a Rocinha, em oposição ao “é nós”, do Comando Vermelho.

O tráfico não parece interferir na campanha, mas é presença constante. A reportagem cruzou duas vezes com traficantes, sem arma ostensiva. Quatro homens sentados a banquinhas em beco que dá na Via Ápia, principal “avenida” da Rocinha, vendiam drogas, tranquilamente, às 15h de uma quarta-feira. As “cargas” estão em mochilas e sacos sobre duas mesinhas, a 100 metros da entrada da favela. Sobre a mesa, um vultoso saco plástico transparente revela um bolo de notas de R$ 50 e R$ 10, os lucros do dia. Poucos metros à frente, um rapaz gordo e negro, vestindo camisa do Corinthians, fuma um cigarro de maconha.

À frente, cabos eleitorais de diferentes candidatos seguem distribuindo folhetos.

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