Um caso policial que o Brasil jamais vai esquecer: a morte da menina Isabella Nardoni, jogada do sexto andar de um prédio em São Paulo. O pai e madrasta da menina foram condenados e estão presos por esse crime.
Mas agora, seis anos depois da tragédia, um depoimento dado à Justiça levanta a suspeita de que uma terceira pessoa pode estar envolvida no crime.
Uma mulher guarda um segredo há mais de seis anos. Um segredo que pode provocar uma reviravolta em um dos crimes mais conhecidos da crônica policial brasileira.
“Me atrapalhava até o sono saber de um crime bárbaro, me comportar como se não soubesse e me manter em silêncio”, conta uma mulher que trabalha no sistema prisional de São Paulo e não quis ser identificada.
Ela tem medo de sofrer ameaças. “Essa história me incomoda. Eu me sinto no dever de contar”, diz.
A história a ser revelada começou em 2008 na cadeia de Tremembé. Lá dentro, ela conheceu Anna Carolina Jatobá, presa condenada por matar a enteada Isabella Nardoni.
“Foram os primeiros dias dela naquela unidade. Ela tinha muito medo do convívio com as outras presas”, conta a funcionária.
A funcionária afirma: a madrasta de Isabella, que do lado de fora da cadeia sempre negou participação no crime, dentro da penitenciária, contou outra versão.
“Somos totalmente inocentes. Eu nunca levantei um dedo, nunca falei um nada, nunca nem gritei com ela”, disse Jatobá em entrevista ao Fantástico, no dia 20 de abril de 2008.
Segundo a funcionária, Anna Jatobá assumiu ter batido na menina e que o marido Alexandre jogou a própria filha pela janela. A madrasta fez mais: acusou uma terceira pessoa, diz a testemunha.
É uma nova revelação: Antônio Nardoni, o sogro de Anna Jatobá, estaria envolvido na morte da neta, de 5 anos.
“Ela falou que o sogro mandou, orientou os dois a simular um acidente. Eu ouvi da boca dela, falou para mim, olho no olho”, conta a funcionária.
Esta é a versão que a madrasta de Isabella teria revelado depois de presa sobre aquela noite trágica de 29 de março de 2008.
Fantástico: Como as agressões começaram?
Funcionária: Eles foram no supermercado, fizeram uma compra com as crianças. Não levaram a compra para casa. O cartão não passou, deu algum problema. Aí, eles estavam nervosos.
De acordo com a funcionária do sistema carcerário, Anna Jatobá disse que bateu com violência na enteada dentro do carro da família.
Funcionária: Falou que ela bateu na menina, porque a menina não parava de encher o saco.
Fantástico: Usou esse termo?
Funcionária: É, usou esse termo, que a menina estava enchendo muito o saco, que não era para ser tão grave. Pensou que matou, pensou que a menina estivesse morta.
Na época do crime, o Instituto de Criminalística fez um vídeo mostrando passo a passo as conclusões da polícia e do Ministério Público. Para a acusação, Isabella foi agredida dentro do carro na testa, com um anel ou uma chave.
Segundo as investigações, depois, no apartamento do casal, Alexandre jogou a filha no chão com força e Anna Jatobá apertou o pescoço da menina, provocando asfixia.
“Ela fala que não estrangulou a menina, que a menina foi colocada, que ele colocou a menina no chão, acreditando que a menina tivesse morta, enquanto ela ligava para o sogro”, conta a funcionária.
Ainda segundo a funcionária, na conversa com o sogro Antônio Nardoni, a madrasta da menina teria ido direto ao ponto.
“Falou para o sogro que matou a menina e ele falou: ‘Simula um acidente, senão vocês vão ser presos’. Aí, tiveram a ideia de jogar a menina pela janela. Que o Alexandre só jogou a filha, porque acreditava que ela estivesse morta e que ele entrou em choque depois que ele jogou, acreditando que estava morta. Desceu e a menina estava viva”, conta a funcionária.
Na época do crime, com a quebra do sigilo telefônico do casal, ficou comprovado que, a partir das 23h51m09s da morte de Isabella, Antônio Nardoni e Anna Jatobá conversaram durante 32 segundos.
“A ligação teria sido feita logo depois do corpo ter sido jogado. É isso que a investigação indicou, mas nós temos que apurar se havia outro telefone, usaram outro celular. Não sei. Nós teríamos que ver agora de que maneira isso foi feito”, afirma Francisco Cembranelli, promotor de Justiça do caso Isabella.
Fantástico: Por que que ela nunca denunciou o sogro?
Funcionária: Porque ele sustenta ela, a família toda, os filhos dela. Com certeza, é pelo silêncio dela. Ela recebe muita coisa de fora, vários tipos de queijos, brincos. O colchão que ela dorme é especial. Foi presente do Seu Nardoni para ela, porque estava dando problema na coluna dela o colchão da penitenciária.
Fantástico: Ela demonstrou remorso, arrependimento, na hora que ela contou essa história?
Funcionária: Não. Ela só estava com medo da situação dela perante as outras presas, pela barbaridade do crime, pela repercussão que deu. O medo dela era de como conviver com as presas.
Na terça-feira passada (2), a funcionária do sistema carcerário paulista procurou o Ministério Público. Ela prestou um depoimento oficial, e o Fantástico acompanhou.
Fantástico: Por que a senhora resolveu denunciar só agora, seis anos depois, a conversa que a senhora teve com a Anna Carolina Jatobá?
Funcionária: Na verdade, eu queria denunciar a partir do momento que eu ouvi. Essa história me pesava a consciência, saber de um crime e não denunciar. Eu só não sabia um meio legal de denunciar sem me comprometer.
O Ministério Público garantiu o sigilo. “Ninguém saberá o nome ou qualquer identidade dessa testemunha. Se as investigações evoluírem, é claro que é possível que surja um novo júri”, afirma o promotor de Justiça Paulo José de Palma.
Francisco Cembranelli: Seria uma nova investigação agora objetivando apurar responsabilidade de uma outra pessoa citada por ela no cometimento do crime.
Fantástico: O Antônio Nardoni foi considerado suspeito durante a investigação do assassinato da Isabella Nardoni?
Francisco Cembranelli: Durante a investigação havia suspeitas, sim, porque houve um contato do casal com o pai em um momento muito próximo ao crime. Mas nós não conseguimos na investigação também trazer responsabilidade para outras pessoas. Por isso, somente o casal foi denunciado.
As revelações feitas pela testemunha podem repercutir imediatamente. O depoimento dela será analisado nesta semana por uma promotora do Fórum de Santana, que hoje cuida do Caso Isabella. Depois, policiais devem ouvir Anna Jatobá, Antônio Nardoni e a testemunha que fez a denúncia.
Fantástico: A senhora está com a consciência tranquila?
Funcionária: Estou. O que eu ouvi foi o que eu falei em depoimento e o que eu te falo agora. Eu tenho convicção que a Anna Carolina não mentiu para mim. Eu não sei se ela vai repetir isso agora, se ela vai assumir.
A testemunha conta que o sofrimento de Ana Carolina Oliveira, a mãe de Isabella Nardoni, também pesou na hora de decidir que deveria denunciar.
“Já cheguei a sonhar com com a mãe da Isabella. Eu me comovia com a situação dessa mãe. Eu soube de uma coisa bárbara, abominável, e denunciei”, disse a funcionária.
O casal Nardoni sempre negou o crime, mantém a versão de que um criminoso invadiu o apartamento deles na Zona Norte de São Paulo e matou Isabella. Já a acusação nunca acreditou nisso.
No julgamento, em 2010, Anna Jatobá foi condenada a 26 anos de cadeia, e Alexandre, a 31 anos. Os dois continuam presos.
Pedimos à Anna Jatobá que gravasse uma entrevista. Ela não aceitou.
E o que Antônio Nardoni, o avô paterno de Isabella, que é advogado, tem a dizer sobre as novas denúncias?
Ele atendeu o Fantástico por telefone. Disse que jamais falou para Anna Jatobá simular um acidente.
“As pessoas, às vezes, agem como se eu fosse o monstro da história. Eu tenho a minha consciência tranquila. Eu nunca faria isso. Quando ela ligou, ela ligou dizendo que a Isabella tinha caído, mas eu achei que a Isabella tinha caído no apartamento. A gente nunca imagina uma coisa dessa. Não teve nada além disso. Vem uma pessoa falar uma mentira dessa. A gente só tem a lamentar que uma pessoa dessa faça uma coisa dessa para prejudicar quem não está mexendo com ela”, diz Antônio Nardoni.
Sobre a denúncia de que ele compra o silêncio da nora, com regalias na cadeia, Antônio Nardoni disse:
“O que eu faço por ela é uma coisa que, primeiro, é permitido. Segundo, é um pedido do Alexandre para não deixar faltar nada para ela nem para os filhos. E a gente realmente não deixa faltar. Ela tem um problema de coluna. A diretoria, mediante o relatório médico, autorizou a entrada do colchão e a gente levou o colchão. Vou defendê-los enquanto eu viver, está certo? É porque eu tenho absoluta convicção de que eles não fizeram nada. Eu também não fiz nada”.
A Secretaria de Administração Penitenciária confirmou ao Fantástico que Anna Carolina Jatobá ganhou um colchão com altura maior do que os das outras presas.
O Fantástico também procurou o advogado da família Nardoni. “Eu vou ter acesso ao depoimento dessa moça. Nós tomaremos todas as medidas judiciais cabíveis contra ela. É uma exposição dos avós em uma história sem pé nem cabeça”, afirma Roberto Podval.
Francisco Cembranelli foi o promotor do caso Isabella. Foi promovido e hoje é procurador de Justiça. Em uma possível nova investigação, não atuaria mais no caso.
Cembranelli afirma que, se a denúncia for comprovada, Antônio Nardoni também pode responder pelo assassinato de Isabella e considerou a testemunha convincente. “Creio que ela tem realmente essa intenção de contar a verdade, de propiciar condições para que a Justiça possa prevalecer e responsabilizar todos os envolvidos na morte de Isabella”, diz.
“O meu dever já fiz. Se ele for culpado, tem que ser condenado mesmo. Se for inocente, que apareça a verdade. O que importa é que agora eu estou bem com a minha consciência. Eu fiz o que eu achava que deveria ser feito”, diz a funcionária.
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