Pai finge ser o filho na internet para flagrar suspeito de pedofilia

Pai finge ser o filho na internet para flagrar suspeito de pedofilia

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:29

Quando chegar a uma audiência marcada para a tarde desta terça-feira, 27 de outubro, o pai de dois meninos e uma menina vai encarar uma história que resultou na detenção de um suspeito de aliciamento de menores. O homem, que prefere ser identificado somente como F., embarcou nessa história ao descobrir que seu filho mais velho - que completa 14 anos nesta terça - recebia na internet propostas sexuais de um suspeito de pedofilia com 32 anos. A partir daí, a rotina da família mudou completamente: houve ameaças de morte, flagrante e também mudanças na rotina para se proteger de um desconhecido que, segundo o pai do garoto, sabia o telefone e endereço da família.

"Minha vida virou de cabeça para baixo", resume o pai, que relatou sua história ao G1. A emboscada que ele montou acabou não dando certo. Mas dois dias depois, com a ação de um outro pai que também contou ter o filho ameaçado, o suposto aliciador foi preso.

(A reportagem tentou entrar em contato com o advogado do suspeito diversas vezes por telefone, na sexta-feira, 23, segunda-feira, 26, e terça-feira, 27, mas não obteve sucesso.)

A suspeita

O pai começou a suspeitar de algo errado em julho, quando seu filho, então com 13 anos, passou a falar sobre assuntos que não faziam parte de sua realidade. "Eram uns papos estranhos, de que ele compraria uma moto e também participaria de programas na TV. Meu filho sempre gostou de moto, mas ainda não tem idade para tirar carteira e não teria como comprar uma", contou o homem, que vive com a família no Estado do Rio de Janeiro.

Desconfiados das conversas estranhas, pai e mãe do jovem decidiram conferir, no computador da casa, o histórico de mensagens enviadas e recebidas em um comunicador instantâneo.

Foi quando descobriram as conversas virtuais entre o adolescente e um homem que insistia para que o menor tivesse relações sexuais em troca de dinheiro. Depois de muita resistência, o jovem acabou concordando em se encontrar com o adulto se ganhasse uma moto. As participações em programas de TV também seriam ideia do homem, que dizia ser produtor cultural antes de ser preso.

O encontro não chegou a acontecer. No dia combinado, o garoto teve febre alta e não pôde sair de casa. Segundo F., o relacionamento entre os dois começou em julho, na rua, quando o homem parou para pedir informações ao adolescente. Na mesma ocasião, ele ofereceu R$ 100 em troca de um programa sexual e o garoto negou. O homem então conseguiu o endereço do comunicador instantâneo do jovem com alguém das redondezas e usou o ambiente virtual para insistir na proposta.

Uma pesquisa realizada pela empresa de segurança Trend Micro indica que na internet os pedófilos seguem um padrão de comportamento. "Eles adotam estratégias de manipulação para ultrapassar a barreira das más intenções. Esse é o processo pelo qual convencem os jovens a saírem do relacionamento on-line para um encontro off-line", explica Hernán Armbruster, gerente da companhia. Na maioria das vezes, continua o estudo, isso envolve bajulação, simpatia, presentes, dinheiro e até mesmo trabalhos como modelo.

Liberdade vigiada

Após a descoberta, o pai decidiu ter uma conversa séria com o filho, revelou ter visto as mensagens, mas o jovem não admitiu conversar com o estranho. "Fiquei bastante assustado, pois temos um relacionamento muito aberto. Se ele negou as informações para mim, fico imaginando outros pais que não têm um contato tão estreito com o filho."

Mesmo sem a confissão do adolescente, F. foi até a delegacia mais próxima. As autoridades o instruíram a limitar a liberdade de seu filho, e foi o que ele fez. "Sempre o alertamos a ter cuidado e não falar com estranhos. Mas, quando se sentiu seguro e começou a acreditar nessa pessoa, ele forneceu informações pessoais, como o telefone de casa e até nosso endereço."

Por isso, o adolescente que ia para a escola de ônibus passou a andar de perua escolar e todos os seus passeios - mesmo uma simples ida à locadora - ganharam a companhia de um adulto. No ambiente virtual, os pais bloquearam comunicador instantâneo e limitaram a navegação do jovem. "Passamos a viver um inferno, e meu filho perdeu toda a liberdade que tinha", resume F. A rotina da família foi essa de julho a setembro, quando o homem que havia sido bloqueado na internet resolveu se manifestar no mundo off-line.

Ameaça de morte

A história ganhou outra dimensão quando, segundo F., o homem deixou um bilhete na caixa de correio de sua casa com a mensagem "entre no MSN [comunicador instantâneo] hoje ou você vai morrer". "O maior problema é quando o virtual passa para o real e, nesse caso, estamos falando sobre uma ameaça de morte. Não era mais algo restrito à internet, mas sim alguém que tinha ido até minha casa", desabafa o pai.

Conversa com o inimigo

Seu próximo passo foi procurar ajuda na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) do Rio de Janeiro. Como os policiais não poderiam conversar com o suspeito sem a ajuda da família - faltariam informações, e o homem poderia desconfiar -, o pai voltou a fazer contato com o adulto pela internet, se passando pelo filho. "Depois do sumiço, precisei reconquistar a confiança dele para conseguir armar um flagrante. Eu ficava na internet até 3 da manhã e, no dia seguinte, acordava cedo para trabalhar", lembra o pai.

Questionado pelo G1 se não sentia raiva do internauta, ele respondeu. "Nessas conversas, pude confirmar que não houve nenhum contato físico entre os dois. O que dá mais raiva é saber que um adulto usou suas artimanhas para influenciar a forma de pensar do meu filho. Ele tentou deturpar os valores de um jovem, que ainda tem fraquezas psicológicas, mostrando que não há problemas em vender o corpo."

Durante o dia, quando F. estava no trabalho, seu sogro ficava em casa por razões de segurança - sua mulher já havia visto um suspeito tocar a campainha, mas não abriu a porta. Um dia, quando esse desconhecido fez a mesma coisa, o sogro conseguiu anotar a placa do carro. Na DRCI, havia uma queixa de outro pai de menor aliciado envolvendo esse mesmo veículo, que estava no nome de um homem de 80 anos (descobriu-se depois ser o pai do suspeito). O filho desse outro homem tinha iniciado contato virtual com o adulto em fevereiro deste ano.

O flagrante

Com as conversas na internet, F. conseguiu marcar um encontro, em meados de setembro, com o homem que ele acusa de ter aliciado seu filho. No dia e hora marcados para o flagrante, no entanto, o adulto não apareceu - quando confrontado na internet, alegou ter sido puro esquecimento.

Dois dias depois, no entanto, o outro pai que também havia pego a placa do carro armou um flagrante com a polícia e usou seu filho como isca. Quando o veículo já conhecido pela polícia estacionou para pegar o garoto, as autoridades deram ordem de prisão. O homem está detido desde então e, assim como os pais dos adolescentes, aguarda a audiência desta terça.

Para F., o mais tenso dessa história foi ver como algo do universo virtual pode se tornar real, se não houver cuidado. E o mais surpreendente foi ver que o problema pode estar ao nosso lado sem ser notado. Hoje seu filho continua usando a internet, mas de uma maneira muito mais controlada: em seu comunicador instantâneo, por exemplo, o jovem só pode ter os contatos de amigos que conhece na vida real.

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