''É preciso resgatar o bom senso e a atenção dos pais sobre os filhos'', afirma procurador da República

''É preciso resgatar o bom senso e a atenção dos pais sobre os filhos'', afirma procurador da República

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:30

Por João Neto

É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Assim diz o artigo 18 do estatuto da criança e do adolescente, colocando a segurança infanto-juvenil como uma responsabilidade social. Porém, qual seria o papel de cada setor nesta complexa missão? Com o objetivo de responder tal questionamento aos cidadãos, o procurador regional da república Guilherme Schelb lançou o Programa Proteger.

Percebendo que os profissionais atuantes na área segurança pública necessitavam de orientação para lidar com com crianças e adolescentes encaminhados a estes setores, o mestre em Direito Constitucional decidiu criar o projeto, constituído por palestras, cursos, treinamentos, e um livro, que alertam a sociedade e a estimulam a se engajar no combate aos abusos sofridos por estes pequenos. Em entrevista exclusiva ao Guia-me, o procurador falou sobre as experiências que a criação do Programa tem lhe possibilitado viver e a contribuição que setores da sociedade - como família e escola - podem dar para a proteção daqueles que estão propensos a sofrer inúmeros tipos de violência.

Guia-me:  Durante a ministração de uma palestra no ano de 09/12/2008 - com organização do Conselho Municipal Anti-drogas de Barueri (SP) -  V. Exa. afirmou que "cerca de 80% dos detentos foram vítimas de graves abusos físicos e sexuais na infância". Quando se obtém tal informação a respeito de um infrator, quais são as medidas tomadas na penalização deste indivíduo?

Guilherme Schelb: Em geral, a descoberta dos abusos sofridos pelos jovens internos ocorre muitos anos depois, quando a prova e as circunstâncias do crime ficam bastante obscuras ou até mesmo desaparecem. Em um caso real, o jovem de 16 anos relatou haver sido vítima de abuso sexual quando tinha oito anos de idade. O suposto autor teria sido um vizinho da família, cuja localização era incerta. É muito difícil provar o abuso nestas condições.

Guia-me: Você acredita que a sociedade em geral tem o seu papel contra a violência sexual infantil? Como as famílias podem se opor a esse crime, por exemplo?

Guilherme Schelb: Cada pessoa tem uma parcela de responsabilidade. As famílias estão perdidas, não sabem o que fazer. Em regra, a maioria das famílias está no extremo da omissão ou da punição excessiva. É preciso resgatar o bom senso e a atenção dos pais sobre os filhos. Tenho dado muitas palestras para famílias, onde oriento as pessoas a investigar situações suspeitas. O título da palestra é "Técnicas de investigação para Leigos". Por exemplo, ensino o pai ou mãe a fazer perguntas para crianças ou adolescentes, sem despertar desconfiança delas. É preciso ter algum cuidado ao verificar situações suspeitas envolvendo os filhos, pois a revelação indevida da suspeita pode causar danos terríveis à imagem e intimidade do jovem. Em Tocantins,  o professor de uma aluna revelou indevidamente para amigos, que a criança havia sido vítima de abuso sexual. Na verdade, ela havia sido vítima de uma  tentativa de estupro, que não se consumou. Mas, todo mundo na cidade achava que ela havia sido violentada. O prejuízo causado pela divulgação indevida dos fatos causou mais danos do que a violência sofrida. A família da jovem foi obrigada a mudar de cidade, pois a jovem passou a ser humilhada pelos colegas da escola.

Guia-me: E a escola? Como tal instituição pode contribuir no combate a este crime?

Guilherme Schelb: Há muito discurso e pouca ação efetiva nas escolas. A educação ,na verdade, não achou seu caminho. Algumas Secretaria de Educação deviam mudar de nome para "Secretaria da Infomação e do Conhecimento". Isto porque nelas não há interesse pelo ser humano, mas apenas pelo aluno. "Você educa seu filho, nós aprovamos ele no vestibular." Para algumas escolas, se o aluno for usuário de drogas ou estiver sendo vítima de algum abuso, isto é problema da família. "Desde que ele seja aprovado no vestibular, a missão da escola está cumprida". Infelizmente, ainda é um desafio convencer "de fato" muitos professores e escolas de que a educação envolve a criança e o adolescente como ser humano (proteção integral contra abusos e violências, orientação das famílias, etc.),  e não apenas como aluno (transmissão de conhecimentos, informações). No discurso há um consenso. Na prática, nem sempre.

Guia-me: De quanto tempo é a pena para alguém que praticou violência sexual contra uma criança? E em caso de proximidade de grau de parentesco? A pena muda?

Guilherme Schelb: A pena pode ser de 1 anos a até 10 anos, dependendo do tipo de abuso ou violência sexual. Em caso de pais ou pessoas que têm a responsabilidade de cuidar da criança praticar o abuso sexual, a pena é ainda maior.

Guia-me: Em casos de estupro, também acaba descobrindo-se um histórico de abuso sexual na infância do criminoso. O sistema judiciário brasileiro vê a necessidade de um tratamento psicológico no caso deste infrator?

Guilherme Schelb: Sabe-se que são muitos os casos de autores de estupro que foram vítimas de abusos e violências quando eram crianças ou adolescentes. É preciso entender que a violência praticada hoje, teve origem certa e segura no passado: Quem é vítima de abuso ou violência na infância pode se transformar em um adulto violento.

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