Seu apelido era Novinha, por ser a mais nova do grupo. Mas, agora é chamada de Florzinha, pela descoberta de sua beleza delicada. Não sabe se tem 11 ou 12 anos. Também não se recorda da imagem dos pais. Em sua memória, lembra apenas de uma pequena casa na Ilha de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, onde morava antes de ir para as ruas e passar a usar crack.
Novinha ou Florzinha é uma das 400 crianças e adolescentes viciadas que circulam pelas ruas do Rio, conforme mapeamento feito pela Secretaria municipal de Assistência Social.
Para sustentar o vício alucinante, a menina franzina passou a fazer programas com "os coroas e gringos" em Copacabana, na Zona Sul, que lhe rendiam cerca de R$ 10 por noite. O suficiente para comprar mais pedras e passar o dia. Não pensava em comer, nem dormir. "Os gringos pagavam mais. Eles têm mais dinheiro. Já fiz até R$ 100 em dois dias", conta.
Florzinha foi recolhida ao abrigo depois de sofrer um acidente que ainda a obriga a andar de cadeiras de rodas. "Ela estava cambaleando no meio da linha de trem, sob o efeito do crack, quando foi atingida e jogada longe. Fraturou a perna esquerda e só acordou no hospital", conta uma funcionária da instituição.
Atropelada por trem
"Ouvia vozes gritando: Novinha, olha o trem. Mas eu estava muito doidona e não conseguia me mover nem ver nada", lembra a menina de cabelos pretos encaracolados segurando os bonecos de pelúcia que ganhou de visitantes.
A história da menina, que hoje vive em um abrigo da prefeitura, não é a única de menores e adolescentes que caíram na armadilha da droga devastadora.
O menino F., de 11 anos, com um físico aparentemente frágil, conta com um sorriso, um misto de orgulho e inocência, "que os mais velhos da boca já deixaram eu segurar um fuzil".
Gaba-se de saber atirar e ganhar "pedrinhas" para ficar de olho na movimentação da polícia no morro. "Já fui bicho, tio", resume, tentando manter uma certa liderança diante dos colegas que consumiam crack nas ruas com ele.
Crack substituiu cola de sapateiro
Segundo o secretário de Assistência Social, Fernando William, a procura pela droga ficou mais forte nos últimos quatro anos. "Posso dizer que pelo menos 90% de menores em situação de abandono estão usando crack. Já substituíram a cola de sapateiro como droga barata. O número de dependentes químicos e altíssimo. Está disseminado e atinge cerca de 400 crianças e adolescentes", avalia.
De acordo com estudo feito pela secretaria, com informações recolhidas em abrigos e em trabalho de campo de assistentes sociais e psicólogos, foi produzido um relatório que aponta o perfil desses dependentes, com idades entre 10 e 12 anos.
O documento, entregue ao prefeito Eduardo Paes, pode se transformar em um plano de ação para conter essa tragédia social.
"A proposta é um amplo processo de mobilização da sociedade, de líderes comunitários e das autoridades. Precisamos criar abrigos, como o espaço Casa Viva, mas também centros de recuperação e de assistência à família. Como isso exige recursos, vamos atrás de parcerias", afirma Fernando William.
Ao final da conversa, Florzinha lembra de um colega de rua, que juntava papelão para vender e comprar crack. "É o Noinha. Ele era muito triste, tinha cara de sofredor. Um dia perguntei se ele não sentia vontade de parar e voltar para casa. Ele respondeu que não dava mais, já estava muito viciado. Eu quero tentar".
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