Professores acuados

Professores acuados

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:30

Com baixos salários e uma rotina estressante, professores de todo o País ainda são vítimas frequentes de agressões físicas e de ofensas

Na frente de 40 alunos do ensino fundamental, a professora de Educação Física Márcia*, de 36 anos, foi agredida com chutes, cotoveladas e mordidas por um aluno de 13 anos da escola estadual Kakunosuke Hasegawa, em Itaquaquecetuba, no interior de São Paulo. O caso aconteceu no último dia 13 de março. Dez dias depois, no Rio Grande do Sul, a professora Gláucia Souza da Silva, de 25 anos, teve traumatismo craniano após sofrer agressões de uma aluna da oitava série. Além das marcas físicas, Márcia e Gláucia carregam algo em comum: jamais puderam imaginar que chamar a atenção de um aluno por indisciplina pudesse transformá-las em vítimas de violência dentro da sala de aula. "Não imaginava que isso fosse acontecer comigo. Sempre me dei bem com os alunos", diz Márcia.

Não é por acaso que os professores apresentados nesta reportagem escondem os rostos ou pedem para serem identificados com nomes fictícios. As marcas físicas são, na maioria dos casos, mais fáceis de lidar do que a sensação de insegurança permanente.

Eles sentem medo de serem lembrados como os professores que apanharam, de serem agredidos novamente e de nunca mais conseguir pisar numa escola com o mesmo prazer que diziam ter antes de virarem alvo de ataques.

"Os casos que aparecem na mídia são só uma amostra das agressões que os professores sofrem. Muitos são silenciados também por medo de represália das próprias instituições de ensino", comenta Maria Izabel Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Em 2006, a entidade realizou uma pesquisa com 700 professores da rede estadual de ensino. Cerca de 80% respondeu que a violência física é o tipo mais comum nas escolas. Outro levantamento, de 2008, realizado só na cidade de Campinas, com 580 docentes, aponta que um em cada quatro professores já sofreu alguma agressão por parte dos alunos.

A experiência vivida pela professora de inglês Gisele*, de 38 anos, causou espanto em Ribeirão Preto, interior paulista. No início do ano passado, foi espancada por um aluno da sétima série. Ela pediu para que ele saísse da sala por estar atrapalhando outros colegas. "Ele me atacou com socos no rosto", conta. O jovem ainda deu uma rasteira nela e, depois de Gisele cair no chão, ele começou a dar chutes.

A professora ficou afastada por 10 dias. "Tive que ouvir de muitas pessoas que sofri uma agressão por não ter 'pulso firme'. De vítima, passei a ser responsável pelo o que aconteceu". Para ela, a agressão de alunos contra professores se explica, em partes, pela falta de estrutura familiar. "Quando um aluno pratica um ato como esse, é comum que ele tenha problemas em casa.

"Há uma perda de referência de autoridade dentro da escola, que se percebe também em outras estâncias da sociedade, como dentro da própria família", comenta Luiz Alberto Gonçalves, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Minas Gerais (UFMG) e membro do Observatório Europeu de Violência Escolar e Políticas Públicas. "A escola ainda carrega a imagem de detentora do conhecimento. Mas, hoje, ele pode ser obtido em vários espaços, como a internet. As instituições de ensino não acompanharam essas transformações. Por isso, passam a não formar essas crianças para a realidade em que estão inseridas. Daí, a desqualificação da escola por parte dos alunos, que acaba se transformando em agressão", explica.

Em muitos casos, são os próprios pais de alunos que vão até a escola para "acertar as contas". Joana*, de 58 anos, era professora de uma escola estadual de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. No dia 6 de novembro do ano passado, ela exigiu que uma aluna permanecesse dentro da sala durante o recreio por tê-la xingado. No dia seguinte, a tia e mãe da menina da quinta série foram até a escola e ameaçaram Joana. "Quando estava dando minha versão para a diretora, a mãe da aluna me deu um soco na cara. Ela me arrastou pelos cabelos e começou, junto com a tia da menina, a me dar socos e pontapés."

Joana foi transferida e precisou fazer tratamento psiquiátrico para lidar com o trauma. "Eu vivo insegura. Antes era uma alegria ir para escola. Hoje, é um martírio. Tenho receio agora de chamar a atenção dos alunos por não saber como eles podem reagir", desabafa.

Segundo levantamento da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seads) de Minas Gerais, houve um aumento das ocorrências de violência dentro das escolas, estaduais e particulares, da região metropolitana de Belo Horizonte entre 2007 e 2008. Nas ocorrências contra pessoas – que incluem alunos, funcionários e professores –, os casos passaram de 57, em 2007, para 95, no ano seguinte, um aumento de 66%.

Inês Nunes Barbosa, de 54 anos, professora do ensino fundamental da escola estadual Embaixador Hurtado, na periferia do Rio de Janeiro, conta que, "em muitos dos casos, a agressão física dá lugar ao clima de ameaça permanente, o que é ainda pior". Inês já foi intimidada por alunos que disseram que iam chamar o "movimento" (facção criminosa local) para espancá-la e teve o carro riscado como forma de aviso. "Quando acontece um caso desses, você pensa se essa profissão vale a pena."

A agressão física contra professores, entretanto, não se limita apenas às escolas estaduais e municipais. Ela está presente em instituições particulares. "E com um agravante: na área privada, o aluno é tratado como cliente, o que faz com que ele se sinta no direito de fazer o que bem entender", critica Rosana*, professora de uma universidade do Rio. Em junho do ano passado, ela foi agredida por uma aluna, que não concordou com o número de faltas contabilizadas. "Ela me esperou na saída da universidade e me atacou", conta. Como relata Rosana, a universidade não expulsou a aluna, como havia prometido. "Não consigo voltar a trabalhar lá. Essa experiência custou meu emprego depois de 40 anos de trabalho."

Até o fechamento desta edição, a professora gaúcha Gláucia Souza da Silva, citada no começo desta matéria, permanecia internada. "Tudo aconteceu porque pedi para que ela se dirigisse à diretoria por estar atrapalhando a minha aula. Ela me puxou pelos cabelos e me derrubou no chão", conta. Mesmo inconsciente, a professora continuou a receber chutes na cabeça. "Por conta das pancadas, estou sem sustentação na perna esquerda e enxergo com dificuldade com o olho direito. Toda essa situação me deixou em pânico", diz. "Tenho prazer em dar aulas, mas não volto mais para lá."

*Foram usados nomes fictícios a pedido das entrevistadas

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