"Sociedade ainda tolera Jack, o estripador", afirma psicólogo

"Sociedade ainda tolera Jack, o estripador", afirma psicólogo

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:30

Por Adriana Amorim

Na manhã da última terça-feira, dia 30 de março, no Ministério Público do Estado de São Paulo, o Seminário Laços da Rede trouxe temas que discutiram a violência contra a criança e o adolescente e caminhos de atuação para um público de aproximadamente 400 pessoas, entre elas: educadores, assistentes sociais, conselheiros tutelares e psicólogos. O evento foi uma iniciativa do projeto Laços da Rede, apoiado pelo instituto WCF - Brasil. A primeira palestra, "Compreendendo a Violência", foi ministrada pelo doutor do Instituto de Psicologia da USP, Paulo César Endo.

O psicólogo tratou o tema endereçando a preocupação ao corpo da menina. Para expor o modo como a sociedade enxerga a mulher, um personagem percorreu o texto de Endo: Jack, o estripador. Fruto de casos reais que abalaram a Londres da Revolução Industrial, o assassino em série não-identificado vitimou mulheres, todas prostitutas e pobres. No entanto, o que se criou foi uma figura "meio homem e meio monstro", espetacularizada em filmes e roteiro turístico de Londres até hoje. "Não se atenta para a impunidade do crime", apontou.

Embo afirmou que a violência masculina é muitas vezes perdoada e suportada e que é comum ouvir de alguns homens depois de atos de violência: "Eu não sei onde estava com a cabeça"."Por que a inconsciência apagaria aquela que foi vítima da violência?", questionou.

Para o psicólogo, Jack personifica um pensamento social que "demoniza a mulher" e cria uma "redoma" em volta de seu corpo, assim como as burcas usadas no Afeganistão. "Joga-se ácido sobre o rosto daquelas que vão à escola e exibem os cabelos", apontou. Ele intrepreta que a mulher, nesse sentido, representa risco sexual iminente. "É ela que deve ser coberta e desnuda [...] Como demônios são fascinantes e assustadoras [...] Bebida e mulheres são descanso para a suposta racionalidade masculina". Essa racionalidade estabelece então um paradoxo que diz: "O homem é puro e deve ser protegido [...] Só a violência pode domar os corpos demonizados, a fim de proteger a frágil virilidade masculina".

O psicólogo expressou que de acordo com esse modo de enxergar a mulher, somente pela violência é possível "domá-la", de maneira que afirma: "se destruo, é porque é meu".

A figura feminina no Brasil

Endo mostrou o grande engano dessa interpretação, mostrando a diferença que existe, por exemplo, entre homens e mulheres dentro do sistema prisional brasileiro. "As mulheres na prisão são em geral as únicas mantenedoras da casa, têm envolvimento com drogas por meio do parceiro e este é ausente na criação dos filhos", afirmou. O psicólogo esclareceu que essas mulheres desejam saber o paradeiro dos filhos que deixaram fora da prisão e acompanhá-los. Em algumas situações, quando isso não acontece, revoltam-se e ouvem: "Só agora elas se importam com os filhos". "Homens são visitados constantemente por mulheres", lembrou o psicólogo.

Dois casos de situações extremas que chegaram ao conhecimento público no Brasil, foram exemplos da palestra. Endo citou a prisão, em novembro de 2007, da jovem de 15 anos L.A.B., na cidade de Abaetetuba, no Pará. L.A.B., por uma acusação de roubo de celular, foi levada a uma cela comum, onde estavam 30 homens. Lá, Elen foi estuprada e queimada com cigarro. Mesmo depois de sua alegação para o fato de ser menor, por determinação judicial voltou a mesma cela. Alguns presos, sensibilizaram-se com a situação da jovem. A saída dada pelos policiais foi cortar o cabelo da jovem, para assemelharem-na a um homem. "Uma delegada, uma juíza e uma governadora. Não era o risco de ser menor ou pobre, mas o de ser mulher. Os pais de Elen foram instados a mentir a idade dela para 20 anos. Não houve nenhuma citação para o fato dela ser mulher", relembrou.

Outro caso, que chegou ao conhecimento público em março de 2009, foi o da menina de 9 anos que foi estuprada pelo padrasto e engravidou de gêmeos, na cidade de Alagoinha (PE). Fez o aborto devido ao risco de vida. "Tudo poderia ficar assim, mas o bispo de Recife e Olinda condena o aborto [...] O escândalo está feito, disputas viris, desrespeito do Estado laico. A arquidiocese tinha uma advogada. Isso é chauvinismo [...] Transformação voluntária das mulheres em homens", finalizou Endo.

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