Chegar a 10% do volume útil em abril é impossível, diz secretário

Autoridade mundial, ele diz que dá opções para decisão na esfera política. Benedito Braga faz 'mea culpa' sobre comunicação de cortes de água.

Fonte: globo.comAtualizado: sexta-feira, 13 de março de 2015 às 11:50
Crise hídrica em São Paulo
Crise hídrica em São Paulo

O secretário estadual de saneamento e recursos hídricos de São Paulo, Benedito Braga, disse ao G1 nesta quinta-feira (12) que a palavra final sobre as decisões para solucionar a crise hídrica em São Paulo são do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

"O técnico não decide e não deve porque o técnico não tem a visão do político. (...) Quem decide é o governador. Eu dou as alternativas para ele tomar a decisão", afirmou.

Com mestrado em hidrologia e doutorado em recursos hídricos pela Stanford University, Braga ocupou, entre outros cargos, o de presidente da International Water Resources Association (IWRA) e do Conselho Intergovernamental do Programa Hidrológico Internacional da Unesco. Em 2002 recebeu prêmio em reconhecimento à sua contribuição à gestão de recursos hídricos em nível mundial.

Ele negou que esteja em prática racionamento ou rodízio de água na Grande São Paulo. Ele admitiu, entretanto, que é preciso melhorar a comunicação com a população sobre as interrupções no fornecimento de água.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista realizada na quinta-feira (12):

G1: Qual o perfil das demissões recentes na Sabesp? São cargos de confiança ou técnicos?
Braga: "Me parece que a maioria não está nessa área do operacional. A maioria são assessores. Não quero dizer que são dispensáveis. Ninguém é dispensável, o pessoal está lá porque quer trabalhar. Mas não é o pessoal de linha de frente, o camarada que abre o registro ou fecha o registro. A companhia está trabalhando no sentido de não desmobilizar, principalmente em uma época dessa que temos uma crise hídrica. Agora, obviamente, que há uma situação difícil que houve uma perda de receita muito grande e a companhia está cortando na carne para poder sobreviver."

G1: A Sabesp vai conseguir cumprir a determinação da Justiça e atingir 10% do volume útil do Cantareira até o fim de abril?
Braga: "Nós já estamos trabalhando no sentido de discutir com a Justiça de cassar essa liminar. Porque ela é inexequível. A vazão média que seria necessária para conseguirmos chegar aos 10% do volume útil durante esse mês seria de 56 metros cúbicos por segundo. O que nós temos hoje são 30 [metros cúbicos] e pouco. Todos nós gostaríamos que chegasse a 30%, 40%, 50% [do nível do Cantareira], não é só o Ministério Público. Nós aqui do Executivo somos os maiores interessados nisso. Agora existe uma limitação física, as leis da gravidade, existem as condições físicas que impedem de atender esse desejo que é nosso também".

G1: Quanto do nível do Cantareira é possível recuperar até o fim de março?
Braga: Tudo depende da precipitação (...) Nós estamos hoje com 14%, tem subido 0,3%, 0,4%, com chuvas consideráveis, mas não dá para fazer conta aritmética porque o sistema não é linear, não dá para fazer regra de três porque o sistema físico é mais complexo que isso. (...) O que nós podemos dizer é que em março ainda há expectativa de chuva, há expectativa de que o sistema se recupere mais."

 

G1: A tendência é que depois de abril o índice de chuva comece a cair, e conseqüentemente, o nível dos reservatórios. Se a chuva ficar dentro da média ou abaixo da média, vai haver rodízio?
Braga: "Se você me garantir que vai ter chuva na média, não tem rodízio. Abaixo da média, eu não sei. Porque eu tenho que esperar o que acontece em março e em abril para poder tomar uma decisão. Por quê? Porque março ainda tem expectativa de chuva. Ai nós vamos usar os nossos modelos matemáticos para fazer os estudos. O importante é o seguinte: nesse momento não há expectativa desse rodízio terrível, de ficar vários dias sem água, de 5 por 2, 4 por 3, 2 por 1, nada disso. Não temos essa perspectiva. Desde que nós tenhamos esse padrão de consumo que a população está colaborando."

G1: Quando vai ser possível descartar ou confirmar o rodízio?
Braga: "Em abril ou maio a gente já tem uma condição bastante segura para dizer: 'olha, se continuar esse padrão de consumo, se a população estiver mobilizada, não vai ter [rodízio]. Isso dá para falar em maio, eu acho."G1: Mas não será tarde para tomar essa decisão?
Braga: "Não. Se tivermos que dar essa notícia [da implantação do rodízio], ela será dada com duas ou três semanas. Na frente, já terá um plano de contingência totalmente definido, ele já está em andamento, já convoquei o grupo executivo do Comitê de Crise que se reúne na semana que vem para discutir o plano de contingência, com essa análise de hospitais, penitenciárias, escolas, centros de hemodiálise. Está tudo analisado, sendo feito com a maior técnica."

G1: Como será a divisão da água do Cantareira entre a Região Metropolitana de SP e os municípios do interior quando o sistema se recuperar?
Braga: "Nós vamos trabalhar dentro de um balanço de necessidades e demandas das duas regiões. Eu tenho certeza de que vamos chegar em um acordo [na renovação da outorga] (...) Há necessidades na região de jusante que podem ser atendidas com obras adicionais, além do Cantareira. Existem duas barragens previstas para serem construídas nas bacias do PCJ, que vão aumentar a segurança hídrica da região de Campinas. (...). Será uma discussão aberta, com o comitê da bacia PCJ, com a bacia do Alto Tietê, o DAEE, a ANA. A palavra final é da ANA e do DAEE, porque o Sistema Cantareira tem rios administrados pelo estado e pela União. (...) Pode ser que haja mudança [no número de pessoas atendidas pelo Cantareira], pode ser que continue a mesma regra. Isso vai depender da discussão entre esses atores, principalmente os comitês de bacia que têm grande interesse nessa área."

G1: O que está faltando que ações como captação de água da chuva sejam colocadas em prática em larga escala em São Paulo?
Braga: "Nós estamos trabalhando com a Desenvolve SP no sentido de montar algumas linhas de financiamento com juros subsidiados para coleta de água da chuva. Supermercados estiveram conosco. Eles têm áreas de captação muito grande e precisam de muita água de lavagem de pátio para não usar água da companhia de saneamento."

G1: Qual o andamento do pacote de obras para a crise hídrica anunciado pelo governador? Alguma delas vai ficar prontas em 2015?
Braga: "As obras que estão no PAC de R$ 3,5 bilhões não são para 2015 e nunca foram. São obras estruturantes. Porque o PAC não financia obra emergencial. As obras que o governo de São Paulo levou para o PAC são obras estruturantes que vão ter resultado ano que vem. Uma delas é a obra da interligação do Rio Jaguari com a represa Atibainha. São 830 milhões. Uma obra que começa agora em abril e que vai terminar no final de 2016 (...) A gente não pode pensar só em 2015. A gente tem que pensar em 2016, 2017... Mas governo foi atrás de uma solução emergencial para 2015. A conexão do Rio Grande com a Billings fica pronto esse ano. Trazer 1,2 metros cúbicos por segundo do Rio Itatinga para o Alto Tietê, fica pronto esse ano."

G1: A multa na conta veio para ficar e ela deve ser mais alta do que é aplicada hoje?
Braga: "Nós vamos continuar com a tarifa de contingência até a superação da crise, com certeza. Na verdade, o que nós precisamos ter é uma tarifa adequada. Uma tarifa que permita a operação, manutenção, produção de água de boa qualidade e os investimentos que têm que ser feitos para dar segurança hídrica no futuro. Se nós tivermos uma tarifa dessa natureza, não é necessária ter tarifa de contingência. (...) Quem define a tarifa é a agência reguladora, que está olhando os interesses do consumidor, do concessionário e do governo. Eu deixo a Arsesp que tem competência técnica para analisar isso. Há uma necessidade de um reequilíbrio e a Arsesp vai analisar o que é justo, o que é correto.
Hoje é muito fácil, olhando o vídeo tape, dizer que podia ter chutado de esquerda, cabeceado de direita e feito o gol."
Benedito Braga

G1 - A previsão da crise ou o investimento não deveriam ter ocorrido antes?
Braga - "Eu queria que um hidrólogo desses que estão criticando agora o que se faz, você fizesse essa pergunta para ele em janeiro de 2014 o que aconteceria em dezembro. Vai ter água no Cantareira suficiente ou não. Se ele fosse sincero, honesto profissionalmente ele seria incapaz de dizer para você que seria a maior seca da história. Sabe por que? O CPTEC, do Inpe, que é a agência brasileira espacial reconhecida mundialmente como expert em previsão climática, em outubro de 2013 fazia uma previsão de que novembro, dezembro e janeiro de 2014 com 75% de probabilidade teria chuva normal e acima da média. Quem podia imaginar que nós iríamos entrar em uma situação tão grave quanto essa? Hoje é muito fácil, olhando o vídeo tape, dizer que podia ter chutado de esquerda, cabeceado de direita e feito o gol."

G1 - A Sabesp admitiu que fechou os registros...
Braga - "Em algumas regiões onde você não tem a válvula de pressão, você tem de fechar manualmente para poder reduzir a pressão. Não quer dizer que você está deixando a linha vazia. Você está fechando a um ponto de reduzir no mesmo nível que a válvula automática reduza a pressão."

G1 - O senhor foi convidado para assumir a secretaria no meio da crise, assim como o atual presidente da Sabesp Jerson Kelman. Isso significa que houve uma mudança na visão do governo sobre a crise?
Braga - "Absolutamente não. A Sabesp fez tudo o que tinha de fazer com a maior competência. Ela conseguiu colocar aquele volume morto em ação. Se não tivesse feito, seria o caos em São Paulo. Em tempo recorde, com a engenharia perfeita. Ela conseguiu interligar os sistemas em tempo recorde. Não há nenhuma mudança de direção. Estamos caminhando, colocando mais um tijolinho no muro para resolver o problema."

G1 - Quem dá a última palavra sobre água em São Paulo?
Braga - "O governador é o chefe. Eu não entendo de política, mas o que o técnico tem de fazer é dar alternativas ao político para tomar a decisão. O técnico não decide e não deve porque o técnico não tem a visão do político. O político tem a visão geral. Todos os detalhes. O técnico tem a visão técnica. O político vai avaliar do ponto de vista mais macro qual alternativa tem de ser utilizada. Quem decide é o governador. Eu dou as alternativas para ele tomar a decisão."

 

 

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