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Adolescentes de Moscou criam tribo de "roofers" para ver cidade do alto

Adolescentes de Moscou criam tribo de "roofers" para ver cidade do alto

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:19

Um jovem pressiona vários botões do interfone de um prédio e, depois do som agudo do destravar da porta, ele desaparece, como um ladrão experiente, pela penumbra fria do lobby do edifício. Alguns minutos depois, ele pisa no telhado do prédio e observa a cidade de Moscou.

A partir do 14º andar, os telhados de metal do centro da cidade criam sombras sobre as ilhas verdes formadas pelos parques e, um pouco adiante, pelas chaminés cinzentas das fábricas dos subúrbios. Passarinhos cantam, mas debaixo vem o som abafado do trânsito. Ele se senta na beirada do telhado e admira a vista.

“É isto que os roofers procuram”, diz Dmitri Yermakov, que tem 18 anos e faz parte de uma sub-cultura que se originou entre os jovens desta cidade de tetos baixos. Os chamados roofers (termo alusivo a “roof”, telhado em inglês) são os partidários da prática, cujo encanto é ter acesso aos prédios de Moscou – não com intenções criminais, mas para embasbacar-se com a paisagem ao redor.

Eles fazem parte de uma casta secreta, com uma aura serena de quem teve o privilégio de observar algo extraordinário. A maioria dos portões de acesso aos prédios de Moscou tem trancas controladas por teclados numéricos, eletrônicos ou manuais. Os roofers mais experientes descobrem os códigos de acesso, geralmente tentando diversas combinações das teclas mais gastas.

Às vezes eles tentam entrar usando o interfone, ligando para apartamentos e se apresentando como carteiros ou vizinhos que perderam a chave. Não importa a forma como conseguem entrar, eles são sempre relutantes em compartilhar seus segredos - temendo que um fluxo de visitantes chame muita atenção. A polícia é outra preocupação: invasão de propriedade é considerada um ato de vandalismo, sujeito a multa.

“O roofing realmente é algo que penetra na pele e nos faz fugir da rotina diária”, disse Yermakov, explicando que ele aprecia a solidão dos telhados, longe das ruas movimentadas de Moscou – que tem mais de 10 milhões de habitantes.

Oleg Muravlyov, roofer de 17 anos, disse que o ambiente dos telhados é quase espiritual. “É horrível que as pessoas estejam nos confundindo com vândalos. Não causamos nenhum dano aos prédios, nosso objetivo não é a destruição. Somos levados por um desejo de refletir sobre o que realmente importa em nossas vidas, fora da confusão dos negócios. É um engano pensar que a juventude de hoje é cínica. Temos os mesmos valores espirituais que as gerações passadas”, disse Oleg.

Como a prática do roofing é uma diversão individual ilegal - além de considerada um ato de vandalismo, a prática também envolve a invasão de propriedade - não há números precisos do tamanho do fenômeno. A maioria dos casos ocorre em pequenos grupos de duas ou três pessoas. Entretanto, existem diversas comunidades online populares, a mais conhecida delas conta com quase 3.800 integrantes - aproximadamente a metade deles assume ser um roofer.

Moscou não é uma cidade tão óbvia para o explorador vertical. Desde os tempos dos czares sua paisagem foi refreada à força. Segundo a arquiteta historiadora Natalya Bronovitskaya, através do século 18 houve uma proibição informal em ultrapassar a torre mais alta do Kremlin, que tem apenas 265 pés de altura.

Restrições informais continuaram durante o período soviético e permanecem ainda hoje. O centro de Moscou não é tão interessante quando o emaranhado de espigões de Midtown Manhattan, por exemplo. Fora os monumentos ocasionais ou uma torre de escritórios que chame mais atenção, a vista que a maioria dos roofers consegue ter, com todos os problemas envolvidos, é uma pradaria de construções de porte médio e baixo.

Mas, não deixa de ser verdade que a paisagem de Moscou, em tempos de petróleo e gás lucrativos, está em constante mudança: em uma semana se vê um prédio, na outra ele já não existe mais. Este detalhe talvez explique porque o roofing virou uma moda por aqui, evoluindo através dos anos de um clichê para uma sub-cultura de pessoas que querem ver a cidade se desenvolvendo.

Os roofers compartilham estórias e fotos através de redes sociais e blogs, em bate-papos permeados de gírias que, por razões que permanecem obscuras, geralmente são emprestadas do inglês. Eles se auto-intitulam “roofers”, enquanto o zelador de um prédio é chamado “konsa” e a viatura que transporta os roofers quando estes são pegos é um “party bus”.

A maioria dos roofers costuma estar no final da adolescência ou com vinte e poucos anos. Apesar de surgirem de diferentes vertentes culturais, a atração pela atividade geralmente é fundada na espiritualidade da new age. “Eu andava estressada com problemas em casa e na escola, e as pessoas ao meu redor me irritavam. Eu sabia que encontraria obstáculos, como um zelador ou uma porta trancada no sótão, mas eu tive sorte de iniciantes: acabou acontecendo que o telhado de um prédio do meu bairro estava aberto. Eu me senti orgulhosa por conseguir chegar ao telhado e grata por finalmente ter a oportunidade de ficar um tempo sozinha”, disse Kseniya Nesterova, 19 anos.

Nas palavras de Ana V. Tikhomirova, psicóloga que pesquisa as sub-culturas adolescentes na Rússia, o que atrai os roofers é algo maior que a própria vida. “Provavelmente eles ainda não estão completamente maduros. Eles ainda sentem necessidade de conto de fadas, e a vista da cidade em crepúsculo cai como uma luva sobre seus desejos. Quando um jovem está de pé na beirada de um telhado, ele se sente mais importante, mais experiente e mais velho. Ele está se reafirmando”.

Alguns roofers transformaram tais aventuras em um empreendimento lucrativo. Um grupo de São Petersburgo oferece passeios pelos melhores telhados da cidade para estrangeiros, com preços que vão de R$ 23 a R$ 140. Outros já organizaram festas de aniversários e até casamentos em telhados, atuando com autorização formal dos prédios que utilizam.

Mas, para aqueles como Nesterova, a emoção é pessoal. Ela diz: “De certa forma, você tem de se inspirar nos exploradores famosos de territórios desconhecidos. Você deve se parecer com Colombo, Magellan, Amundsen e outros exploradores em seu desejo de investigar e de ser pioneiro”.   

Postado por: Felipe Pinheiro

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