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"Catfish": a paixão por perfis falsos nas redes sociais

"Catfish": o drama de quem se apaixona por perfis falsos nas redes sociais

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:06
Aos 14 anos, Bruna S. caiu de amores por um cara que não existia. Ou melhor, ele não era quem dizia ser, e usava fotos de outro garoto em seu perfil de uma rede social. “Eu sabia que seu perfil era fake, mas achei que pudéssemos trazer o namoro para o real”, conta.
 
O início da relação aconteceu em 2007 e, pela primeira vez na vida, Bruna estava apaixonada. “Eu nunca tinha sentido aquilo, não sabia como lidar”, lembra. “Cheguei aos 16 anos ainda apaixonada. Suspeitava do fato de ele nunca aparecer na webcam e só ter duas fotos nas redes sociais. Mas eu o amava tanto que acabei relevando isso.”
 
namoro virtual
 
Dois anos e muitas noites em claro conversando pelo MSN depois, Bruna decidiu tomar uma atitude. Viajou 395 quilômetros atrás do garoto e deu com a cara na porta. “Fui para a cidade dele algumas vezes, e ele sempre me deixava na mão, não me encontrava.”
 
No fim de 2009, ele finalmente concordou em conhecê-la. “Combinamos de nos encontrar em um shopping. Quando cheguei, ele estava sentado em um banco, com o celular na mão. Fui correndo para abraçá-lo, mas ele continuou ali, parado.”
 
Bruna não esperava que o encontro não passasse de uma armação. “Ele olhou para mim e disse ‘Você que é a Bruna?’. A voz dele ecoa na minha cabeça até hoje”, lembra.
 
O garoto cujo rosto ela conhecera nas redes sociais estava lá, mas, logo ela iria saber, não era o mesmo cara com quem tinha conversado tantas vezes nos últimos anos pela internet. Bruna descobriu que tinha se apaixonado por uma pessoa que não era quem dizia ser, que usava como suas as fotos do rapaz que tinha ido encontrá-la.
 
“Ele me disse que seu nome era Felipe , e que estava ali só porque uma amiga tinha mandado. Na realidade, essa garota era a criadora do perfil fake, e depois passou o perfil para um terceiro amigo dela. Esse cara controlava o perfil fake da pessoa por quem eu me apaixonei. Fiquei tão chocada que não quis mais saber de nada.”
 
Inconsolável, Bruna viajou os 395 quilômetros de volta para sua casa e contou com a ajuda dos pais para superar a decepção amorosa. Seis anos se passaram e ainda hoje, aos 20, é difícil para ela falar sobre o assunto. “Meu pai diz que a polícia está investigando o caso, mas nem faço questão de saber disso.”
 
Peixe-gato
 
O esquema no qual Bruna caiu não é novidade na internet., mas em janeiro deste ano um caso específico ganhou notoriedade quando o jogador de futebol americano Manti Te'o , da liga universitária, se envolveu em uma polêmica. Ele estava namorando, falava de sua namorada nas entrevistas, e um dia contou que ela tinha morrido. A morte da namorada do atleta foi muito repercutida na imprensa dos EUA, mas depois ficou claro que eles nunca tinham se encontrado e mais: que ela nunca existira.
 
jogador manti te'oDepois de chorar a morte da namorada virtual, Manti Te'o (na foto ao lado) diz ter recebido a confissão de Ronaiah Tuiasosopo , estudante de 22 anos que revelou ter inventado a mulher fictícia pela qual ele se apaixonou, e que sofria de leucemia. O jogador, que chegou a passar noites no telefone conversando com a garota, supostamente no leito de morte, cogitou abrir um processo contra o rapaz, mas a justiça nos Estados Unidos não protege os internautas desse tipo de esquema.
 
Até hoje não se sabe direito se Manti, considerado uma das promessas do esporte no EUA, inventou essa história por conta própria ou se foi mais uma vítima desse golpe, conhecido pelo nome de “catfish” .
 
O termo surgiu em 2010, quando o cineasta nova-iorquino Nev Schulman documentou sua saga em busca de uma namorada que havia conhecido pela internet. Seria apenas mais uma história de amor online se seu irmão Ariel não tivesse registrado tudo, inclusive o momento em que Nev descobre que sua namorada não existe.
 
As filmagens se transformaram no documentário “ Catfish ”, lançado naquele ano, e que mais tarde virou um reality show na MTV americana. O programa promove encontros entre casais virtuais e, na maioria das vezes, aquele cara atlético e com pinta de galã acaba se revelando uma adolescente obesa.
 
O termo “catfish” virou sinônimo para aquelas pessoas que se passam por outras na web em busca de vítimas para esse tipo de emboscada amorosa, ou até para crueldades contra adolescentes.
 
Na cidade de Dardenne Praire, no estado americano de Missouri, Megan Meiers , de 13 anos, se sucidou depois de cair no conto de uma vizinha, adulta, que criou a falsa identidade de Josh, um adolescente bonito de 16 anos no site MySpace, e trocou dezenas de mensagens com ela. Em determinado momento do relacionamento online, Josh disse que não queria ser amigo dela, a chamou de “mentirosa e vadia” e disse que “o mundo seria um lugar melhor sem ela.” No dia seguinte, ela se enforcou com uma corda dentro de seu quarto.
 
Clara que amava André que era Gabriela
 
Uma outra história de identidades trocadas – e, no caso, de gêneros também - envolveu a brasileira Clara D. , de 16 anos. Em 2009, aos 13 anos, ela se apaixonou por André , sem desconfiar de que na vida real ele era a Gabriela . Os dois se conheceram por perfis fakes, mas decidiram investir no namoro, ou ao menos foi o que Clara pensou que estava acontecendo. “Eu achava que conhecia tudo sobre ele, recebia fotos de sua família, ouvia coisas sobre seus amigos. Ele fingia com tantos detalhes que era muito difícil desconfiar de algo”, relembra.
 
“Trocamos cartas, chocolates e até travesseiros pelo correio, eu realmente acreditava que um dia nós iríamos morar juntos. Quando conversávamos por telefone, a Gabriela colocava seu irmão na linha para fingir que era o André.”
 
Mas, no final de 2011, a farsa acabou. “Uma amiga do André me contou que ele era a Gabriela. Eu chorei muito, mas recebi um grande apoio da minha mãe, que inclusive já tinha conversado com ele”, revela Clara, que conta ter perdoado Gabriela.
 
Para Luciana Ruffo , psicóloga do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC/SP, as pessoas usam perfis falsos por motivos diversos. “Alguns querem ver como é ser uma pessoa diferente, outros fazem por pura brincadeira, ainda mais porque não precisam nem mostrar sua cara. Mas ninguém consegue ser 100% fake. As pessoas sempre colocam alguma coisa real nos perfis inventados”, explica a psicóloga.
 
Segundo a pesquisadora, a internet se tornou um local seguro e facilitador para aqueles que possuem dificuldades sociais e, por isso, possibilita esse tipo de esquema. “[Na internet] é mais fácil ter uma relação mais profunda. As pessoas estão sempre disponíveis para conversar com você e, além disso, você não sabe como ela é de verdade, então acaba projetando como ela é, e a pessoa acaba sendo o que você quer que ela seja”, explica.
 
Profissão: fake
 
“Conversar pelo fake é uma rotina, já faz parte de mim”, conta a estudante A. Barros , 20 anos. Se passando por um rapaz desde 2008, ela já fez muitas garotas se apaixonarem por seu perfil falso no Facebook. “Elas se apaixonam pelo cara, não por mim”, diz.
 
A. conta que nunca agiu por maldade, e começou a usar um perfil falso para fazer amizades. “A gente conversava bastante e as meninas acabavam gostando do cara. Eu me espelhava em mim, contava para elas todo o meu dia, então o que acontecia comigo acontecia com o fake”, explica. “Era amizade, mas na internet as coisas se misturam, o elo é mais forte, a intensidade é diferente.”
 
A advogada Isabela Guimarães , do escritório Patrícia Peck Pinheiros, especializado em direito digital, explica como se aplica a lei na atividade na internet no Brasil. “A pessoa pode recorrer alegando que sofreu danos morais que justificam a solicitação de uma indenização”. No entanto, é importante que esse dano seja realmente relevante. “Se houve apenas uma frustação de expectativa, a pessoa não pode solicitar indenização por danos morais.”
 
Luciana Ruffo dá algumas dicas para evitar armadilhas como essas: “Os fake que querem enganar outras pessoas normalmente sabem identificar bem o ponto fraco dos outros e se aproveitam disso para tentar ser a pessoa ideal”, diz a especialista. “Eles sempre caem em pequenas contradições, então é bom também ficar de olho nisso. Mas o mais importante é sempre pedir um contato telefônico, novas fotos e conversas por webcam. Se a pessoa oferecer alguma resistência, ligue todos os alertas.”
 
Namorar pela internet nem sempre é uma experiência traumática e pode até dar certo. Muitos casais se conheceram pela web e, segundo estudo da Universidade de Chigago, relações iniciadas na internet podem durar mais que as convencionais. Mas é preciso ter cuidado para não ser enganado por um “catfish”. “Não é drama, mas eu queria ter meu coração inteiro de volta”, lamenta Bruna.
 

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