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Designers de moda em idade escolar sofrem preconceito

Designers de moda em idade escolar sofrem preconceito

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:53

Há dois anos, no Dia da Mentira, a revista Style.com publicou um artigo sobre a nova sensação da turma fashion: um designer prodígio chamado Damian Finch, que tinha causado frissons no mundo da moda ao mostrar uma coleção inteira com apenas 12 anos de idade. "Olha, eu não posso fazer nada em relação à minha idade, o que eu gosto mesmo é de fazer roupas legais. E se você usar a palavra ‘pré-adolescente’, eu vou ficar com vontade de vomitar", eram as declarações do garoto para a revista.

Mais ou menos na mesma época, outros garotos prodígios – como Tavi Gevinson, blogueira de moda de 12 anos de idade; David Fishman, crítico de comida também de 12 anos; e Jonathan Krohn, um escritor ultraconservador de 14 anos – eram descobertos e festejados. Talvez por isso o fato de alguns leitores da Style terem levado a matéria tão a sério, a ponto de pedirem informações sobre os pontos de venda de Finch, não tenha causado tanta surpresa.

Mas toda a história não passou de uma invenção. "Fomos contatados por diversas publicações, a maioria delas estrangeira, pedindo informações sobre Damian", conta Dirk Standen, editor chefe da Style.com, com uma pontinha de remorso no tom de voz. O garoto que aparecia nas fotos da matéria era seu próprio filho – na época, com 12 anos – posando com boné de tricô, camisa social branca com as mangas enroladas até os cotovelos, colete grafite bem comportado e jeans skinny.

Cecilia: no próprio site, ela diz ser a mais jovem fashionista do mundo

Como pai, Stanten diz ter sentimentos conflitantes em relação a crianças obcecadas pela moda que, inspiradas por celebridades teens e fortalecidas pela internet, estão começando supostas carreiras em idade tão jovem – principalmente neste segmento. Mas, neste caso, a vida real parece ainda mais esquisita que a ficção. Na mesma época em que surgia sua paródia, pelo menos meia dúzia de adolescentes de verdade lançava suas próprias coleções – alguns deles com apenas 10 anos de idade.

Um dos maiores sucessos deste grupo é a californiana Cecilia Cassini, que aos 11 anos é apresentada em sua própria loja virtual como "modista mirim" e "a designer de moda mais jovem do mundo". Sua marca registrada é um enorme laço de seda que ela geralmente usa no cabelo ou preso a um traje de festa. Ela já apareceu no programa de TV "Today", fazendo um vestido sob medida para Jenna Bush Hager e, segundo seu pai, já vendeu quase 500 modelos desde que iniciou seu negócio – aos dez anos de idade. Uma de suas musas inspiradoras é Lourdes Leon, a filha de Madonna de 14 anos que ajuda Cecilia a desenvolver as peças da linha Material Girl – coleção da cantora vendida na Macy’s.

"Veja quantos adolescentes famosos existem hoje. É superlegal fazer parte do mundo fashion quando você é jovem", disse Cecilia em uma entrevista por telefone. Os "modistas mirins" talvez sejam o resultado inevitável da cultura da moda, obcecada pela juventude (Prada, Valentino e Rodarte agora estão vestindo jovens estrelas como Hailee Steinfield e Elle Fanning em desfiles de moda) e da cultura jovem obcecada pela moda (vide Polyvore, Second Life e Project Runway). A moda se tornou um território onde é fácil para um pré-adolescente se aventurar, o que diz muito sobre a nova forma como um designer é visto. Hoje em dia, o que fascina na moda não é mais o ofício em si, mas os flashes que ele atrai.

Madis­on Waldr­op posa na casa da família, com vestido que desenhou

"Praticamente, tudo gira em torno de comentários sociais interessantes", afirma Michael Fink, diretor da escola de criação de moda do Savannah College of Art and Design. "O fato de você poder criar sua própria linha em praticamente qualquer site de moda mostra que não tem muito mistério, para qualquer idade, em relação à forma como um segmento funciona atualmente. Tudo se tornou extremamente acessível", ele explica.

Sobre a chegada dos calouros no segmento, Fink diz que, muitas vezes, "é preciso apagar, gentilmente, a noção do que é a moda da cabeça deles". Ele explica: "Ao mesmo tempo em que hoje eles têm acesso a muito mais informações através da internet, e uma melhor compreensão do lado glamoroso do negócio, muitas de suas impressões são baseadas no que eles veem em programas de TV ou no shopping center mais próximo. É isso que acontece com esses designers pré-adolescentes. Cadê a celebração da arte e do ofício? E o conhecimento histórico, onde foi parar?".

Surgem também perguntas sobre a exposição de crianças ao escrutínio público, além da preocupação de que algumas delas estão sendo manipuladas pelo fato interessante de serem tão jovens. No início, Cecilia Cassini foi orientada pela empresária Pilar DeMann, a mesma que promoveu a família Kardashian (os pais de Cecília depois romperam a relação com a agente). Além disso, muitos blogueiros adolescentes já foram cortejados por designers com intenções de se promoverem. Parece que não é fácil pra ninguém conseguir dizer não.

"Não sei bem se somos nós que vamos dizer se isto é saudável. A escritora e blogueira Tavi, por exemplo, simplesmente adora o que faz e realmente entende do assunto. Então, pergunto por que ela não deveria estar fazendo isso", argumenta Standen, da Style.com.

E existe também toda uma nova geração de designers que começou a desenvolver coleções logo ao sair da faculdade – astros da moda como Alexander Wang, Jason Wu, e da dupla Jack McCollough e Lazaro Hernandez, da marca Proenza Schouler. O sucesso imediato destes jovens inspirou outros estilistas a seguirem, ainda mais jovens, o mesmo caminho. Alguns exemplos são Esteban Cortazar, que começou aos 14 anos, e o brasileiro Pedro Lourenço, que desfilou sua coleção na Semana da Moda de Paris com apenas 19 anos.

Rascunhos de Madis­on, que está na oitava série: "É o que adoro fazer"

"As pessoas não deveriam esperar completar 20 anos para entrar na moda. Mesmo com cinco anos de idade você já pode começar", aconselha Cecilia. Na semana passada, enquanto centenas de estilistas já estabelecidos apresentavam suas coleções de outono em Nova York, Madison Waldrop, de 13 anos, ainda estava começando a preparar a sua. Ela garimpava tecidos nas ruelas do bairro nova-iorquino de confecções enquanto seus pais, criadores profissionais de poodles toy, participavam do Evento de Cães do Westminster Kennel Club.

Madison está desenvolvendo uma coleção de vestidos de noiva e trajes de festa chamada Designs by Malyse. A intenção da novata no mundo fashion, que veio do estado do Tennessee, é colocar à venda uma linha completa até outubro no Wedding Channel Couture Show – portal de internet que reúne diversas marcas e linhas de vestuário para casamentos. O fato de ela ainda estar na oitava série parece não ser um empecilho a sua carreira.

"Isso é uma coisa que eu realmente adoro fazer. Para mim, não tem a ver somente com desenhar um vestidinho fofinho; é todo o processo de realmente confeccionar as peças que eu adoro", explica a garota.

Enquanto esperava por um voo, no último mês de março, ela começou a rabiscar um modelo. Com o estímulo da mãe, Christine Waldrop, ela decidiu que aquela era a profissão que realmente queria seguir. Ela também recebeu o apoio financeiro dos pais para abrir seu negócio – seu pai, Mark Waldrop, é CEO de uma seguradora de planos de saúde do estado da Geórgia – contratar costureiras, criar um website e arcar com os custos de uma assessoria de imprensa. Seu primeiro modelo foi um mini vestido regata em seda Dupioni prateada, com uma enorme roseta de pétalas em laranja e azul no decote. Ela diz que sua peça mais barata vai custar cerca de US$ 500 (cerca de R$ 840).

Madison diz que gosta de criar suas próprias tendências e desenvolver peças ousadas. Quando questionada sobre a entrada da filha no mundo dos negócios com apenas 13 anos de idade, a mãe de Madison explica que a garota é muito centrada, madura e esclarecida. Para a mãe, criar peças de moda é uma forma da filha se expressar de forma criativa.  "Já conversamos muito sobre isso que, como tudo na vida, pode nos conduzir por dois caminhos diferentes – e temos de escolher a direção que vamos seguir", disse Christine Waldrop.

O pai de Cecilia, Lionel Cassini, defende a promoção da filha. Ele é fotógrafo e sua esposa, Michelle, é instrutora de ioga. "Eu estou feliz por ela fazer algo que realmente adora. Além de não passar o dia todo na frente da TV ou de um videogame. Tem pais que levam os filhos pra jogar futebol três vezes por semana. A nossa filha ama costurar", disse Cassini.

"Eu realmente quero ser um grande nome da alta costura", diz Grant

Aos cinco anos de idade Cecilia já começava a demonstrar interesse por roupas e pediu uma máquina de costura no aniversário de seis anos. Ela aprendeu sozinha a fazer vestidos bonitinhos em cores chocantes, juntando uma saia em tom magenta ou com estampa de oncinha a um top de lantejoulas. Não é de hoje que ela recebe convites de boutiques locais para criar coleções itinerantes – dentre elas a Tough Cookies de Sherman Oaks, e a Fred Segal de Santa Monica – onde ela já vendeu peças de US$ 78 a US$ 143 (R$ 130 a R$ 240) criadas por ela.

Ainda assim, Cecilia e outras designers mirins já foram alvo de comentários maldosos na internet. Foi o que aconteceu com Megan Kent, garota de 11 anos da Flórida entrevistada pelo site GirlsLife.com sobre a coleção de camisetas que acabava de lançar. Ela foi chamada de mimada e coisas piores por alguns leitores, enquanto alguns colegas de escola ridicularizaram seus modelos. Tricia Kent, mãe de Megan e dona da empresa de relações públicas Public Relation Divas, disse que não deixaria sua filha ler os comentários, mas que o acontecido serviu de lição para ela própria, que deveria ficar mais atenta.

"Os comentários foram simplesmente horrendos. Isso é muito triste e eu sei que é tudo fruto da inveja. Nem todo mundo dispõe de recursos para seguir seus sonhos assim tão jovens. Nós não somos ricos, mas, com o tipo de trabalho e contatos que tenho, consigo proporcionar isso a ela", explicou a mãe da garota.

Megan teve a idéia de desenvolver a linha de roupas Love Gone (algo como "amor partido") quando seus pais estavam enfrentando os momentos difíceis de um divórcio, no ano passado. Tricia diz que estimulou a filha, pois sentiu que aquela era uma forma de ela se sentir mais forte. Nessa semana, elas irão participar de um evento relacionado ao Oscar onde esperam oferecer camisetas a celebridades que possam vir a promovê-las. "Megan diz que quer fazer sucesso como a marca Ed Hardy, só que não quer ser tão brega", diz Tricia.

Muitas destas coleções contam com um componente filantrópico. Cecilia Cassini doa parte de seus lucros para o Children’s Hospital de Los Angeles, enquanto a família Waldrop está abrindo uma fundação voltada para instituições de caridade para crianças. A mãe de Megan diz que também pretende vincular a linha Love Gone a alguma instituição de caridade.  

Jane Keltner de Valle, diretora da Teen Vogue, vê a novidade como um sinal positivo de que os adolescentes estão aproveitando os recursos disponíveis na internet para começar mais cedo na carreira. "Esta é a Geração Agora. Ver o ímpeto, o talento e os trabalhos concretizados por pessoas tão jovens é realmente incrível, mas eu não acho que marcas estabelecidas, como Proenza Schoulers ou Marc Jacobs, precisam se preocupar com essa garotada", diz.

Daqui a alguns anos, pode ser que sim. No outono passado, um garoto de 11 anos de idade e rosto de querubim ganhou um concurso de moda da loja Terry Costa, de Dallas, com um elegante vestido branco de um ombro só. Muitos anos antes, o menino texano Grant Mower já desenhava modelos de roupas e só se deu conta que aquilo era moda depois de ver um episódio de "Project Runway". Quem conta é sua mãe, Moanna Mower. O garoto criativo e com dotes artísticos teve problemas na escola, onde era alvo de bullying, depois de dizer aos amigos que queria ser designer de moda.

"Foi muito hostil, ele voltada pra casa completamente arrasado. Quando ele chegava da escola, levava horas para conseguir sair daquele baixo astral", conta a mãe, que diz que em momentos de desespero ela perguntava ao filho se ele queria assistir a um desfile de Versace.

A moda deu a Grant o valor que ele procurava, diz a mãe do garoto. Costureira de mão cheia e dona de uma firma de decoração de interiores, Mower começou a executar os modelos criados pelo filho – com peças cada vez mais elaboradas cortadas em viés, com sutiãs embutidos e várias camadas de babados de chiffon – exatamente como ele as imaginava. Quando espalhou a notícia de seu sucesso pelas retransmissoras locais da rede de TV NBC e mais recentemente no programa "The Nate Berkus Show", Mower disse que percebeu que seu filho tinha um conhecimento de moda que ia muito além de sua idade. Depois de dar detalhes sobre o talento do filho, ela passou o telefone para o menino.

Empolgado, ele explicou: "Eu realmente quero ser um grande nome da alta costura, como Valentino Garavani ou Karl Lagerfeld. A moda criada por eles é realmente um marco de elegância, beleza e classe. Eu adoro! Eu realmente não consigo pensar em fazer outra coisa em minha vida".

Por: Eric Wilson

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