A cara de garoto não combina com o currículo de Fernando Grostein Andrade. Aos 30 anos, o paulistano é sócio da produtora Spray, que também atua no mercado publicitário, e dirigiu dois documentários expressivos: Coração vagabundo (de 2008, que acompanha uma turnê de Caetano Veloso) e Quebrando o tabu, lançado em junho. Ancorado na participação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o filme apresenta alternativas para o estado lidar com as drogas. E parte de duas premissas. A primeira, que não há sociedade livre do uso de entorpecentes. A outra, que a guerra contra eles jamais resultou em vitória.
O argumento do filme surgiu há dez anos, depois de Grostein conhecer coffee shops que vendem legalmente maconha e haxixe em Amsterdã, na Holanda, e a realidade do tráfico nos morros do Rio de Janeiro. "Quando explicava a ideia, achavam que eu queria fazer apologia", diz o cineasta. Irmão caçula do apresentador Luciano Huck, que se tornou um dos produtores do filme, Grostein afirma que o prestígio dele foi fundamental para atrair patrocinadores.
O documentário trouxe o tema da descriminalização das drogas de volta à mídia. Pessoalmente, o diretor afirma ter usado maconha na adolescência. Hoje, diz ser favorável ao fim da punição ao usuário de todas as substâncias ilícitas e defende a regulamentação da maconha, com regras para a venda e o consumo. Na entrevista a seguir, ele diz que é cedo para um plebiscito: "A população é mal informada".
O título do filme é Quebrando o tabu. O que falta para quebrá-lo?
Informação. A maioria das pessoas não tem acesso ao assunto e sua visão é atrapalhada pelo medo. O brasileiro é contra descriminalizar as drogas e, ao mesmo tempo, contra punir dependente químico com cadeia. Ou seja, um contrassenso. O bom é que o debate está avançando. A imprensa deu destaque. O Fantástico dedicou dez minutos ao tema e ajudou a quebrar o tabu com uma enquete, em rede nacional, na qual os telespectadores se disseram a favor da regulamentação. Falta o debate chegar às ruas, se espalhar pelas esquinas.
Em São Paulo e em outras capitais, houve a Marcha da Maconha. A iniciativa teve algo a ver com o filme?
Não. Foi coincidência. E achei muito certa a decisão do STF de permitir a manifestação. Não acho que toda manifestação deva ser autorizada, uma vez que nem toda causa legítima tem o direito de parar a cidade. Mas uma manifestação como essa, feita num sábado e na qual se discute como reduzir os danos para a sociedade, tem esse direito.
Qual droga você considera a mais perigosa?
A ignorância. Qualquer coisa em excesso pode ser muito perigosa para a saúde: álcool, comida, sexo, compras, esporte. Outras substâncias, como o tabaco ou o crack, não devem nem sequer ser experimentadas. O indivíduo que não sabe essas diferenças fica muito vulnerável.
O que o motivou a fazer o filme?
Aos 18 anos, fui para Amsterdã com um amigo, conheci as coffee shops e achei que eram bares normais. Menos alegres, mas sem violência. Anos depois, fui filmar um grupo de pagode na Rocinha, no Rio, e passei uns dias lá. Para filmar numa favela, caso ela não tenha UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), é preciso negociar com os traficantes. Fiquei indignado ao ver moleques mais novos que eu segurando armas de guerra para vender maconha e outras drogas. Me perguntei por que a situação aqui era tão diferente da de lá.
Não seria melhor resolver os problemas sociais antes de debater a descriminalização?
Seria o ideal. Mas investir em quadras, teatros e outras atividades na periferia é investir em políticas antidrogas. Muito mais eficientes, aliás, que uma propagandinha ridícula que conta um conto do tipo: "Se você fumar maconha, vai ficar com pelo na mão". Outro ponto é que, no Brasil, as coisas não funcionam do mesmo jeito para todos. A maioria dos meninos da Rocinha morreu logo depois. Se um garoto de classe média é pego com um baseado, ele vai apanhar da polícia, pode ser vítima de extorsão e ser preso. É uma p sacanagem, mas será solto. O pobre vai cair num presídio e isso vai destruir sua vida. Com tanta injustiça, não devemos permitir mais essa.
O filme tem muitos exemplos de países mais ricos e com populações menores que a do Brasil. Estamos preparados para enfrentar a questão?
A definição de Einstein para insanidade é repetir um erro e esperar resultados diferentes. Precisamos gastar o dinheiro dos impostos da melhor maneira possível. E não enxugando gelo, como fazemos com a política de guerra às drogas. Temos de criar alternativas. Não podemos descer porrada em quem se perdeu no caminho. O cara que não for ajudado vai causar problemas no futuro. Fora isso, essa guerra obriga a polícia a arriscar inutilmente a vida de policiais. O tempo deles poderia ser usado perseguindo crimes mais importantes, que também devem ser punidos.
Tropa de elite é o maior sucesso recente do cinema nacional. O capitão Nascimento, protagonista do filme, diz que usuário de droga financia o tráfico. É assim que o brasileiro pensa?
Tropa de elite faz sucesso porque é bom e porque coloca o dedo na ferida. Mas não acho que o usuário financie o tráfico. A sociedade permite que a lei contra as drogas seja das que "não pegam" e isso cria um solo fértil para o crime organizado. A maioria dos brasileiros é contra mudanças na política de drogas e a favor da mentalidade de guerra. Mas isso se deve à falta de informação. E é essa a contribuição que eu quero dar.
A prefeitura estuda internar involuntariamente usuários de crack. Você concorda com isso?
Sinceramente, não tenho opinião formada. Em Portugal, o cara pego com drogas é obrigado a se tratar. Na Holanda, é direito do indivíduo decidir se quer ser tratado. Antes de qualquer coisa, o essencial é oferecer tratamento de qualidade.
Como você chegou ao Fernando Henrique?
Uma amiga da minha mãe conhecia a Dona Ruth Cardoso (então mulher de FHC e que morreu em 2008). Ela conseguiu marcar um encontro meu com o ex-presidente. Preparei 30 argumentos para convencê-lo da importância de fazermos o filme. Ele topou no primeiro: o custo para o país ao não enfrentar essa questão. A sociedade está insistindo numa proposta fracassada.
Houve discordâncias entre vocês?
Não. O que houve foi um choque de gerações. Ele tem 80 anos e é um acadêmico. Para mim, a ideia de ir com ele a uma coffee shop, por exemplo, não era tão absurda como soou para ele no início.
Daria para ter feito o filme sem ele?
Não. Quando pensei no filme, há dez anos, diziam que eu queria fazer apologia da maconha. Mas as pessoas levam a sério quando aparece alguém com serviços prestados ao país, como o FHC. O esforço, agora, é para que o tema não vire assunto de um partido só. Fiquei muito feliz ao encontrar críticas no PSDB e apoio no PT.
Qual é sua orientação política?
Eu era tucano até ver a reação tímida do PSDB em relação às drogas. Aí, virei ateu (risos). Votei no José Serra nas últimas eleições, mas estou feliz com o governo Dilma. Não me prendo a partidos. Aliás, melhor seria se Lula e Fernando Henrique fundassem um partido novo, pegando o que há de melhor nos partidos deles. É pena que PT e PSDB não consigam trabalhar juntos.
O que você acha de, depois do filme, chamarem o FHC de THC?
Acho essa brincadeira ótima. Aliás, o primeiro título em que pensei era THC por FHC. Ele disse: "Esse não, nem pensar".
Como a maconha era tratada em sua casa?
Meu irmão é dez anos mais velho que eu; e minha mãe já tinha experiência para tratar do assunto. Educação aberta e papo franco ajudam muito. Meu colégio, o Santa Cruz, tinha um programa que foi muito esclarecedor, relacionando as drogas aos períodos históricos. Ao mesmo tempo, fui uma criança diferente. Aos 8 anos, li Eu, Christiane F. , 13 anos, drogada e prostituída e entendi o risco de se afundar nas drogas.
Quais foram suas experiências com drogas?
Experimentei cigarro aos 10 anos e não gostei. Provei uísque aos 12 e gostei. Bebo socialmente. Fumei maconha algumas vezes na adolescência e achei interessante. Em certas ocasiões, senti que aquilo era um pouco perigoso, por dar muita preguiça e vontade de não fazer nada. Hoje, não fumo mais. A maconha perdeu a graça para mim.
Se tivesse um plebiscito sobre a maconha...
Ia perder. O Brasil não está pronto. Enquanto o povão não souber a diferença entre descriminalizar e regulamentar, enquanto não entender que maconha é uma coisa e crack é outra, é besteira fazer plebiscito. Estaremos consultando pessoas que não têm acesso à informação.
Mas você toparia fazer a campanha pela descriminalização?
Sim, dentro de minhas possibilidades. Admiro o trabalho dos ativistas, mas não sou um ativista. Sou um cineasta que está começando.
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