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Jovens, apaixonados e dividindo tudo, inclusive a senha

Jovens, apaixonados e dividindo tudo, inclusive a senha

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:16

Há muito tempo os jovens casais demonstram devoção um ao outro de diversas maneiras _ dando uma jaqueta universitária, trocando anéis de formatura ou braceletes de identificação. Melhores amigos dividem o segredo da fechadura do armário.

A era digital deu início a um costume mais íntimo. Entre os jovens, está na moda expressar o afeto dividindo as senhas de contas de e-mail, do Facebook e outros serviços. Namorados e namoradas às vezes criam senhas idênticas e permitem que um leia os textos e e-mails do outro.

Eles dizem saber que esses envolvimentos digitais são arriscados porque um relacionamento azedado pode fazer as pessoas usarem _ uma contra a outra _ contas e segredos online. Porém, para eles, isso faz parte do que torna esse simbolismo da senha compartilhada tão poderoso.

"É um sinal de confiança", disse Tiffany Carandang, do último ano do ensino médio em São Francisco, sobre a decisão que ela e o namorado tomaram vários meses atrás de dividir as senhas do e-mail e Facebook. "Não tenho nada para esconder dele, e ele não tem nada para esconder de mim."

"Que gracinha", afirmou Cherry Ng, 16 anos, ouvindo o comentário da amiga a um repórter do lado de fora da escola. "Um realmente confia no outro."

"Nós confiamos", declarou Carandang, 17 anos. "Sei que ele nunca faria nada que prejudicasse minha reputação."

É claro que a história nem sempre termina bem. Trocar uma senha é simples, mas alunos, orientadores e pais dizem que o dano costuma ser feito antes de a senha ser trocada ou que o compartilhamento das vidas online pode ser o motivo do fracasso de uma relação.

As histórias das consequências incluem um namorado rejeitado do ensino médio que tenta humilhar a ex-namorada divulgando e-mails secretos, tensões entre namorados por vasculhar mensagens particulares em busca de pistas de deslealdade ou infidelidade, ou pegar o celular de um antigo melhor amigo, destravá-lo com a senha e enviar textos ameaçadores para outra pessoa.

Rosalind Wiseman, que estuda como os adolescentes usam a tecnologia e é a autora de "Queen Bees and Wannabes", livro para os pais ajudarem as garotas a sobreviverem à adolescência, afirmou que o compartilhamento de senhas e a pressão para fazer isso tinham alguma semelhança com o sexo.

Ela observou que dividir senhas tinha um quê de proibido, por geralmente ser desencorajado por adultos e envolver a vulnerabilidade. E existe pressão em muitos relacionamentos adolescentes para contar a senha e, também, para fazer sexo.

"A reação é a mesma. Se temos um relacionamento, você precisa me dar qualquer coisa."

Numa pesquisa telefônica, em 2011, a Pew Internet and American Life Project descobriu que 30 por cento dos jovens usuários da internet haviam contado a senha para um amigo ou namorado. O levantamento, com 770 pessoas de 12 a 17 anos, constatou que as garotas tinham praticamente o dobro de probabilidade de contar. E em mais de duas dezenas de entrevistas, pais, estudantes e orientadores afirmaram que a prática era disseminada.

Numa coluna recente no site Gizmodo, de notícias sobre tecnologia, Sam Biddle afirmou que dividir a senha era a base da intimidade no século XXI e ofereceu conselhos a casais e amigos para não darem passos em falso.

"Conheci um monte de casais que dividiram as senhas e todos lamentaram", disse Biddle durante entrevista, acrescentando que a prática inclui a noção implícita de destruição mutuamente assegurada se alguém fizer coisa errada. "É o tipo de simbolismo que sempre acaba mal."

Os estudantes argumentam que existem motivos, além da demonstração de confiança, para a troca de chaves digitais. Por exemplo, vários universitários falaram que regularmente compartilhavam a senha do Facebook, não para xeretar ou monitorar o outro, mas para se forçarem a estudar para as provas. Uma estudante daria a senha para uma amiga mudar, e não revelá-la, dessa forma trancando temporariamente a conta do Facebook e afastando uma grande distração.

Alexandra Radford, 20 anos, terceiranista da San Francisco State University, disse ter feito isso para os amigos várias vezes durante o período de provas. Uma amiga quis saber a senha antes que as provas acabassem, mas ela não revelou.

"Assim que as provas terminaram, eu entreguei para ela. Ela disse: 'Ai, minha nossa, obrigada.' Ela sabia que eu não devolveria a senha."

No entanto, Radford é mais reticente ao comentar as senhas que ela dividiu anos atrás no ensino médio com o namorado. Eles chegaram até a mudar as senhas para refletir o relacionamento. A dela: ILoveKevin. A dele: ILoveAly. "Fizemos isso para eu verificar suas mensagens porque não confiava nele, o que não é saudável."

Os orientadores psicológicos costumam desestimular a prática, já os pais louvam o bom senso da privacidade da senha. Winifred Lender, psicóloga infantil de Santa Barbara, Califórnia, fez os três filhos assinarem "contratos digitais" estabelecendo os termos de quanta mídia vão consumir e como devem se comportar online. Uma regra estabelece que não irão compartilhar senhas. Ainda assim, Lender disse que um amigo do filho de 14 anos pediu sua senha.

"Ele falou: 'Dê a sua que eu dou a minha'."

O filho ficou perplexo, mas depois apelou a uma desculpa consagrada para dizer não.

"Ele pôs a culpa nos pais e disse: 'Se eu der minha senha a você, minha mãe vai dar à luz'."

Emily Cole, 16 anos, formanda do ensino médio de Glastonbury, Connecticut, sentiu a dor da traição de senha na sétima série, quando forneceu a senha do e-mail ao primeiro namorado.

Depois ela passou a gostar de outra aluna e enviou um e-mail para ela. O namorado leu a mensagem e a divulgou no colégio, chamando-a de "pervertida".

Cole disse que a mágoa foi grande. Mesmo assim, apesar do que aconteceu, ela disse que não teve problemas em contar a senha para o novo namorado.

"Sei que parece esquisito, mas temos uma relação diferente. Não estamos na sétima série. Confio nele de outra forma, eu acho."

A mãe de Cole, Patti, 48 anos, psicóloga infantil, disse acreditar que a filha seria mais criteriosa em dividir uma senha. Contudo, em linhas gerais, ela acha que os jovens podem ser atraídos por esse comportamento, como acontece com o sexo, em parte porque os pais e outras pessoas alertam para que não façam isso.

"O que me preocupa é que não nos saímos muito bem em impedir os garotos de fazerem sexo, então não tenho muito confiança de que poderemos mudar esse comportamento."

Por New York Times

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