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Mães e filhas

Mães e filhas

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:50

A mamãe veio a Londres me visitar. E, além do seu amor e dos presentinhos, ela me trouxe a realidade do espelho ("você engordou, minha filha"), a saudade de casa ("volta logo, o teu pai não agüenta mais longe"), e, o maior pacote de todos, a responsabilidade ("já tem muito trabalho te esperando... o pessoal da empresa, os leitores nas escolas. Falando nisso, já é hora de você pensar numa nova história, viu?").  

Ufa. Mãe cansa, não é? E olha que eu e a minha somos melhores amigas. Elas nos cansam porque trazem sempre os dois lados. O abraço gostoso e o tapa no bumbum. Os elogios mil e algumas críticas. E, para uma pessoinha sensível como eu, qualquer crítica é A Crítica. O mundo acaba. Até eu levantar, claro.

Ah, falando nessa palavra forte e tal qual chata, minha chamada crítica literária (leia-se professora de escrita criativa) identificou tanto uma qualidade quanto um defeito meu. Certa aula, ela disse:

- Você é uma esponja, Annie. Absorve tudo, até o que não deve. Precisa saber o que guardar e o que jogar fora.

Mas crítica de mãe é ainda mais difícil ignorar. Primeiro, porque elas nos carregam nove meses (e continuam carregando até sempre... O meu sempre já são os recém completados 23 anos. Argh!). E a opinião da pessoa que conhece a gente melhor do que nós mesmas não pode ser descartável. Talvez, aprendamos com o tempo a descartar algumas críticas. Afinal, é difícil entender, mas nossa mãe é um ser normal: ela erra, fala sem pensar, e muitas falas são besteira. A mãe não é uma entidade. Bem, até certa idade, sim. A minha continua sendo – tipo Igreja, respeito natural, absoluto. Mas e o respeito às críticas, também será eterno?  

Um dia minha mãe me disse que eu cantava mal. E eu nunca mais cantei na frente dela. Só agora entendi. Eu posso cantar no karaokê, mas jamais profissionalmente. E até te agradeço, mamãe. Melhor eu incomodar um leitor do que o vizinho -- é mais fácil o primeiro fechar um livro do que o segundo a janela, pois minha voz desafinada seria ouvida mesmo assim.

Enfim, ainda prefiro mãe crítica à mãe de princesa, aquela que carrega falsas crenças no neném perfeito. Mas, ignoremos as mães de Cinderelas e pensemos nas mães de verdade – aquelas que também nos consideram princesas, mas que nos amam mesmo quando parecemos abóboras. Essas mães são pura contradição:

- Você está linda. Seu sorriso, seu cabelo. Mas a tua barriga, minha filha!  

- Não quero você estressada, aproveita enquanto é jovem. Mas você precisa estudar mais para passar com nota alta na prova.

- Querida, como você é chata!

Ah, mas coitadas das mães. Já assumem um papel contraditório desde o início. A gravidez é tão linda e ao mesmo tempo tão feia – me refiro à barriga enrijecida que vira flácida depois. É o papel contraditório das mães preenchidas de coração, mas que podem nos amedrontar como fantasmas. Assim foi a minha quando veio e já se foi. Ela chegou "mamãe" e foi embora "mãe".  Mas, admito: já estou louca para chamá-la pelo seu carinhoso apelido de novo.

Para equilibrar a bagunça na relação mãe e filha, apenas um pai equilibrado. O tanto que a mãe nos deixa nervosa, o pai acalma. Então, na próxima falarei deles, queridos. Só queridos, não chatos (bem, depende do nosso namorado).

Mas, para concluir sobre as mães, uma dica: cada vez que bater a indignação sobre tamanha influência das suas críticas, pensemos na ordem das palavras do título acima. Ou, melhor, na ordem da vida. Antes as mães, depois as filhas...

Por: Annie Piagetti Muller

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