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O problema não sou eu, é você: como terminar uma amizade

O problema não sou eu, é você: como terminar uma amizade

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:15

Graças ao Facebook, a ideia de "desfazer uma amizade" se tornou parte da cultura online. Com um clique de mouse, é possível excluir alguém da sua lista de amigos e nunca mais ver uma de suas atualizações incômodas, nem outra foto das férias de uma pessoa que você quer fora da sua vida.


Não é assim no mundo real. Apesar de pesquisas mostrarem que é natural, e talvez inevitável, que as pessoas transformem seus vínculos com grupos sociais à medida que seguem em direção à vida adulta, quem tenta realmente terminar uma amizade na vida real se dá conta de que isso muitas vezes adquire o valor de um divórcio em miniatura.


Até mesmo os colecionadores mais vorazes de amizades reconhecem que às vezes é necessário remover algumas pessoas de seu círculo.


Roger Horchow é o produtor da Broadway que ficou conhecido em "Tipping Point" ("O Ponto de Virada"), de Malcolm Gladwell, como um destacado "conector", um criador de redes sociais cuja especialidade tácita é manter uma vasta rede de amigos. Entretanto, para ele, alguns devem ficar pelo caminho.


As pessoas começam a "abandonar os seus primeiros amigos desde os primeiros dias de faculdade, ou os primeiros colegas de trabalho ou casais amigos que têm filhos como os seus", disse Horchow, que escreveu com sua filha Sally o livro "The Art of Friendship: 70 Simple Rules for Making Meaningful Connections" ("A arte da amizade: 70 regras simples para estabelecer vínculos significativos", em tradução livre; St. Martin's Press, 2006).


Os psicólogos consideram que essa é uma etapa inevitável da vida, um momento em que as pessoas têm maturidade e consciência de si próprias o suficiente para saber quem são e o que querem do futuro, e têm um certo grau de clareza quanto a que amizades merecem atenção total e quais são perda de tempo. Em outras palavras, é um momento de se afastar de pessoas de quem se aproximaram em sua juventude, quando ainda tentavam acumular amigos.

 

Teoria da seletividade socioemocional

Esse processo de redução do número de amigos tem um nome clínico: teoria da seletividade socioemocional, um termo cunhado pela professora de Psicologia Laura L. Carstensen, que dirige o Centro de Longevidade de Stanford Center, na Califórnia. Os dados de Carstensen mostram que a quantidade de interações com conhecidos começa a baixar depois dos 17 anos (presumivelmente, depois do contexto socialmente agressivo do Ensino Médio) e, depois, volta a aumentar entre os 30 e 40 anos, antes de começar a reduzir drasticamente entre os 40 e 50 anos.


"Quando os horizontes temporais são prolongados, como é típico da juventude, nós somos colecionadores, somos exploradores, somos interessados em todos os tipos de coisas novas", explicou Carstensen. "Você pode ir a uma festa à qual não quer ir, mas à qual sabe que deve ir _ e é assim que você conhece o seu futuro cônjuge."


Isso remete ao ensaio "Goodbye to All That" ("Adeus a tudo isso", em tradução livre), de Joan Didion. Nele, Didion recorda ter estado em um táxi quando tinha 23 anos, tratando de convencer um amigo mais velho a acompanhá-la a uma festa onde haveria "caras novas". 
"Ele riu até ficar sufocado, literalmente", escreveu ela. "Parecia que a última vez em que tinham prometido a ele que haveria 'caras novas' em uma festa, havia 15 pessoas no lugar, ele já tinha dormido com cinco das mulheres e devia dinheiro para todo mundo, menos dois homens", continuou.


Essa questão, porém, não se manifesta apenas com o envelhecimento. As pessoas que se aproximam dos 30 anos _ muitas lidando com mudanças na vida, como o casamento e o primeiro filho _ tendem às vezes a se sentirem sobrecarregadas de responsabilidades, então elas perdem a paciência com amizades menos significativas, afirmou a Dr. Carol Landau, professora de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Brown.


"O primeiro passo antes de terminar uma amizade é considerar, com muito cuidado e seriedade, se você quer terminar uma amizade em particular ou se você simplesmente quer se desconectar", assinalou Jan Yager, uma espécie de "treinador" de amigos e autor de "When Friendship Hurts: How to Deal With Friends Who Betray, Abandon, or Wound You" ("Quando a amizade machuca: como lidar com amigos que traem, abandonam ou ferem", em tradução livre; Simon & Schuster, 2002). "No geral, é sempre muito mais agradável se afastar e deixar de compartilhar muitas informações confidenciais."


Agir de modo passivo pode funcionar mais ou menos. Marni Zarr, de 46 anos, professora substituta que leciona em Mesa, Arizona, usou esse método quando percebeu que uma amiga que fez em um círculo de pais de família, por sua carência e competitividade constante, começou a lhe sugar demais. Zarr começou a se abrir menos ao conversar com ela, falando menos de seus sentimentos e se tornando mais vaga sobre seus planos para o futuro.


"Eu optei por me distanciar: não respondia mensagens de texto imediatamente", lembrou ela. "Eu respondia as coisas importantes, mas não as do tipo 'Ei, tudo bem? Qual é a boa de hoje à noite?'.


Por mais que a passividade tenha funcionado, em última instância (lentamente, a amiga começou a se comportar menos como alguém íntimo e mais como uma conhecida), Zarr se sentiu culpada por fazer com que a sua ex-amiga fosse atormentada por dúvidas e inseguranças a respeito de si mesma.


"Ela perguntava a amigos que tínhamos em comum: 'Você sabe o que está acontecendo? A Marni está chateada comigo?"', recordou. "Os amigos respondiam apenas 'Não, ela está muito ocupada'. E eu estava. Qualquer um pode estar ocupado. Mas quando você quer alguém por perto, você arranja tempo para estar com a pessoa."


Horchow, que, hoje com 83 anos, tem tido cuidado ao fazer e desfazer amizades desde a presidência de Franklin Roosevelt, prefere agir com cavalheirismo.


"Desfazer uma amizade é um assunto delicado e que deve ser tratado com a maior gentileza em qualquer idade", disse. "Não se deve declarar que uma amizade está menos forte ou terminou; não se deve dizer nada. Se perguntarem a você porque vocês não têm se visto, seja vago. Diga que está muito ocupado ou tem viajado bastante."


De fato, a franqueza pode não ser a melhor política, disse Landau, da Universidade Brown. "Não tem problema contar mentiras bem intencionadas para não ferir os sentimentos de alguém."


O método da passividade funciona com amizades em que os vínculos são tênues, disse Jeff Newelt, consultor de mídias sociais de Manhattan. Por conta da área em que atua, ele considera que o seu trabalho é fazer amigos, mas poucos anos atrás, ele decidiu que precisava reduzir o crescimento excessivo de seu círculo.


A solução que encontrou foi dividir a sua base social em duas categorias: amigos "contínuos" (relações duradouras, baseadas em um vínculo profundo) e "não contínuos" (amizades de ocasião, baseadas apenas no compartilhamento de uma experiência passada, como um antigo emprego).


"Tive alguns amigos do trabalho com quem costumava sair depois do expediente para relaxar, para nos vincularmos como equipe ou porque alguém era o meu superior", lembrou Newelt, de 40 anos. "Depois de eu sair da empresa, essas pessoas ainda queriam a minha amizade. Eu não as odiava. Eu gostava delas. Então deixei de vê-las. Não de modo áspero, porque eu gosto delas; eu não queria ferir os seus sentimentos. Sempre que me convidavam para sair, eu simplesmente dizia que tinha outros planos, até que entenderam a situação. Não houve nenhuma conversa, nenhuma lamúria, nenhuma lamentação."

 

"A amizade acabou"

Porém, nem todos os amigos se afastam com facilidade. Quando tinha cerca de 35 anos, a gerente de escritório Carolyn Miller, de Norwalk, Connecticut, se deu conta de que não estava disposta a aguentar as atitudes dominadoras de uma velha amiga, e decidiu enviar um e-mail para ela, listando as suas queixas e pedindo para ter espaço. A amiga lhe telefonou e insistiu que ela reconsiderasse. Miller se manteve firme.


Algumas semanas depois, quando o avô de Miller faleceu, a amiga lhe enviou uma carta que dizia, curiosamente, que ele havia sido um veterano maravilhoso (ele nunca tinha servido as Forças Armadas), e pouco tempo depois, um convite para o seu casamento. Quando Miller o devolveu junto a um cartão em que recusava o convite, a amiga lhe telefonou e perguntou por quê.


Durante a ligação, Miller soube que aquele era o momento de administrar o equivalente de uma injeção letal naquela amizade. "Eu lhe desejo amor, alegria, paz e felicidade, mas essa amizade acabou", Miller se lembra de ter dito. "Eu disse adeus e desliguei. Encontrei uma outra amiga naquela noite para tomar uns drinks e, sinceramente, eu estava triste. Eu tinha me divorciado de uma amiga."


Uma abordagem direta assim pode funcionar em última instância, mas ainda gera a mesma tristeza e embaraço que um rompimento de verdade, disse Erika Johnson, uma blogueira que vive no entorno de Boston. Poucos anos atrás, ela se pegou fazendo uma análise de custo-benefício de uma amizade, feita no início dos seus 20 anos, que estava começando a desanimá-la.


A amiga recebia com desdém todas as decisões que Johnson tomava em relação à sua vida _ fosse retomar os estudos de pós-graduação ou mudar para os arredores da cidade. Johnson decidiu terminar o relacionamento com uma ligação telefônica.


"O que eu pensava é que a vida é muito curta e fugaz, e que valorizo minha felicidade o suficiente para erradicar as energias negativas", recordou Johnson. Durante meses, a amiga continuou a tentar entrar em contato com ela. Johnson se sentiu péssima, especialmente porque amigos em comum contavam a ela sobre a tristeza que ela tinha causado à mulher.


Por fim, contudo, os relatos dos amigos em comum começaram a mudar de teor. A velha amiga de Johnson tinha refletido muito sobre si mesma por causa do rompimento, disseram eles. A tristeza mútua pode ter valido a pena, concluiu Johnson, chegando até ao ponto de reconsiderar retomar a amizade com ela.

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