O menino sírio - por Thiago Grulha

... Estou sentindo um vazio estranho dentro do meu peito. Sinto como se ninguém me visse. Como se eu fosse um pontinho no céu. Como se eu pudesse ser apagado sem ninguém notar...

Fonte: Guiame, Thiago GrulhaAtualizado: sexta-feira, 4 de setembro de 2015 às 17:59
Garoto sírio
Garoto sírio

eu nem me despedi dos meus amiguinhos.

pensei que era uma brincadeira e nem imaginava onde aquela corrida iria parar.

mamãe estava nervosa, mas não estranhei porque, ultimamente, todos parecem nervosos.

chegamos perto do mar e fiquei confuso! afinal, ali não era território proibido pra mim e pro meu irmão mais velho? quem mudou as regras?

mais pessoas desceram pela escadinha branca encostada no muro sujo e entramos num barco pequeno.

me cobriram com um lençol azul, mas tiveram que tirá-lo, pois eu passei a espirrar sem parar. acho que sou alérgico a esta cor. isto é possível?

meu pai sorriu pra nós e começou suas histórias engraçadas.

ele sempre sabe me fazer pensar em coisas diferentes.

fico tentando entrar no mundo das suas palavras e, por um momento, estava conseguindo. era tudo maravilhoso.

os outros não participavam, preferiram o silêncio. tudo estava muito quieto. não gosto de dias assim!

perguntei para onde estávamos indo e ouvi o homem de gorro verde dizer, meio sério.

- vamos para uma nova vida!

me dei por satisfeito e continuei pertinho do colo do papai.

estou cansado, acho que vou dormir.

dormi e acordei muitas vezes. muitas mesmo.

passaram-se dias.

eu estava com medo. meu irmão disse que também estava.

meus pais estão de mãos dadas e as vezes choram. não entendo a razão, mas vendo-os assim, choro também.

há pouca comida. pouca alegria. e muita água. muita.

fechei meus olhos e falei com o amigo que mora dentro da minha cabeça.

eu nunca falo dele pra ninguém.

tenho me de apanhar, de me chamarem de louco, ou de me obrigarem a mandá-lo ir embora. não quero que ele vá embora.

ele consegue me ouvir e eu consigo ouvi-lo. e fico mais calmo quando conversamos.

o chato do meu irmão diz que isto chama-se pensamento.

não daria este nome feio para alguém tão especial pra mim.

mas ele ainda não tem nome.

ah! como ele sabe do meu amigo? bem... pra ele eu contei.

e, lá onde só o amigo da minha cabeça me escuta e eu escuto o amigo da minha cabeça, aconteceu o seguinte diálogo:

- estou sentindo um vazio estranho dentro do meu peito. sinto como se ninguém me visse. como se eu fosse um pontinho no céu. como se eu pudesse ser apagado sem ninguém notar.

é noite dentro de mim.

e, antes que eu pudesse fazer qualquer pegunta, surgiu a resposta:

- teu brilho faz a noite ser bonita. você é especial. teus pais estão fazendo tudo isso por vocês. eles vão contigo até o fim. você não será apagado como se nunca tivesse feito parte do desenho. você é importante.

Eu acreditei e fiquei feliz.

Acho que vou dormir de novo.

espero que o novo lar esteja perto.

não aguento mais os meus enjoos e esta tristeza afundando nossos corações.

estou quase pegando no sono. quase.

Pai!! Pai!!

Mãe!! Mãe!!

Eu estou aqui! Aqui!

Me ajudem!

Pai!

Estou com medo!

Não consigo nadar.

Não consigo!

Não!!!!!

 

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