Brasil descobre o maravilhoso mundo dos chocolates gourmet

Brasil descobre o maravilhoso mundo dos chocolates gourmet

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:18

Primeiro foram os vinhos, depois os azeites e os cafés. Agora chegou a vez dos brasileiros se contagiarem pelos chocolates gourmet - barras puras, de origem única e com cerca de 70% de massa de cacau em sua composição. Bem distantes das variedades comuns de barras de chocolate - repletas de gordura hidrogenada, açúcar e cacau regular - elas são menos doces e bem mais caras, mas também muito mais saborosas e benéficas à saúde.

Uma boa indicação desta mudança de hábito e paladar do brasileiro está na abertura em São Paulo da primeira chocolate lounge da Valrhona do mundo e da ascensão do AMMA, primeiro chocolate premium brasileiro, produzido na Bahia. Sem contar as inúmeras pâtisseries em todo o país que usam chocolate de primeira linha em suas produções.

Queridinha dos chefs, a Valrhona, marca francesa fundada em 1922, fornecia seu produto quase que exclusivamente para os profissionais da área. Ao público final, limitava-se a um “corner” no Japão e um quiosque no shopping Iguatemi, inaugurado em janeiro (e fechado na semana passada) e o “embrião” do atual lounge, aberto em junho nos Jardins. Lá, os clientes podem comprar os oito tipos de barras de chocolate puro - duas “ao leite” e seis “amargas”.

Com porcentagens de cacau que variam de 33% a 85%, elas provêm de fazendas na América do Sul, Caribe e África e a assim como os vinhos, também conta com barras especiais, de colheitas safradas, que chegam à loja na forma de barras e 25 tipos de bombons - preferência nacional constatada por Fábio Bonchristiano, empresário que detém a licença da marca no país - que são importados da França e exibidos em balcão refrigerado. Também feitos com chocolate gourmet da marca, eles têm recheios delicados, como mousse de pera, limão e tiramisù.

Paladar mais maduro

Mas a esta altura você deve estar se perguntando: afinal, o que torna um chocolate gourmet? A explicação parece simples. Para começar, a plantação mundial se divide em dois tipos de cacau, o comum e o premium. O primeiro ocupa 98% do mercado e o último apenas 2%.

Mas o que define mesmo um produto gourmet é que, muito além do plantio de frutos selecionados, todo o processo de produção da barra do chocolate deve ser de qualidade. E isso envolve a desde a colheita, a fermentação, a secagem e a torra do cacau até a mistura dos ingredientes do chocolate na fábrica.

Segundo Chloé Doutre-Roussel, autora do livro "The Chocolate Connoisseur", degustadora profissional e consultora na área, a maneira mais simples de dizer o que é um chocolate gourmet é dizer o que ele não é. “Em um chocolate gourmet, você não consegue distinguir a baunilha, a doçura não domina, ele não tem gosto de torrado ou queimado demais e seu sabor também não é adstringente”, explica.

Para traçar um paralelo com o chocolate que é consumido em massa no país, Bonchristiano explica que na Europa existe uma lei que determina que para ser chocolate, o produto precisa ter um mínimo de 33% de cacau em sua composição. “No Brasil isso chega a 20%, variando entre 8% e 15%. Aqui, o que se come não é chocolate, mas sim achocolatado”, conta. “A menos que tenha viajado para fora e provado outros chocolates, o brasileiro em geral está acostumado a comer chocolates de baixa qualidade”, atesta.

A nomenclatura dos chocolates também não ajuda a atrair o brasileiro pelos produtos com mais cacau na composição. Por exemplo, o termo “meio amargo” não existe entre os chocolates finos. Já chamá-los de “amargos” passa uma sensação negativa de paladar aos mais incautos. Tanto no inglês como no francês, o termo usado mundialmente é “escuro” (dark e noir).

Uma década de mudanças

Tão longe de consumir o chocolate “ideal”, é de se pensar que as variedades mais escuras talvez não apeteçam o paladar brasileiro. Mas em conversa com profissionais da confeitaria, a resposta comum é de que a situação está mudando. Ao menos entre os clientes de docerias de luxo.

Para Cecília Nishioka, da Pain et Chocolat, em Moema, seu público já consegue perceber a qualidade dos chocolates gourmet. “Vendíamos ovos de páscoa ao leite e este ano já tivemos uma versão com 70% de cacau que foi muito bem aceita”, conta. Mara Mello, proprietária da pâtisserie homônima no Jardim Europa, acredita que conhecer o que se consome é o melhor caminho para a educação nos chocolates finos. “O público precisa saber pelo que está pagando”, diz ela, que procura informar as marcas de chocolates usadas em seus doces.

O resultado dessa mudança no paladar brasileiro pode ter suas raízes fincadas em um movimento iniciado há cerca de dez anos. Mara conta que quando começou seu negócio, há 13 anos, trazia chocolates premium de viagens ao exterior no fundo da mala. Já Cecília, na época de estudante de gastronomia e professora de confeitaria, tinha que se contentar com marcas de chocolate comum feitas no Brasil.

Hoje, ambas utilizam em seus confeitos a centenária grife belga Callebaut – que é vendida apenas para chocolateiros, padeiros, confeiteiros, hotéis e restaurantes e está oficialmente no Brasil desde 1999 . “Já víamos um potencial de desenvolvimento da gastronomia desde o início, com a chegada de chefs estrangeiros e o sempre existente gosto do brasileiro por chocolate”, afirma Antonio Moreira, gerente de vendas gourmet da marca.

Ele também credita essa sofisticação de hábito ao fato de os brasileiros estarem viajando mais e tentando buscar aqui o que provam fora do país, assim como a preocupação com alimentos mais saudáveis. Outra marca belga a se instalar no Brasil foi a tradicional Neuhaus. Especialista em bombons finos, tem uma loja no Shopping Iguatemi desde 2000 e, segundo sua assessoria de imprensa, foi atraída pelo poder de consumo do brasileiro e pela importância do mercado.

É do Brasil

Mais do que apenas o uso da grife e a possibilidade de poder cobrar mais caro, outro aspecto do uso de chocolates gourmet pelas pâtisseries e restaurantes da cidade é, obviamente, o enaltecimento das qualidades de seus produtos finais. Cecília conta que chocolates gourmet resultam em doces com cascas mais fininhas e mordida diferente. Para Mara, a matéria-prima de qualidade também não mascara ou interfere na qualidade e sabor de outros ingredientes de sua receita.

Dona da Maria Brigadeiro, Juliana Motter acredita que o uso do bom chocolate tem um papel fundamental no seu trabalho de divulgação do brigadeiro como um doce brasileiro e gourmet. Nas 40 variações da sobremesa servida em sua loja, Juliana mistura vários chocolates para chegar a blends diversos e causar sensações diferentes. “Usar chocolate ruim no brigadeiro é como usar vinho sem qualidade em um risoto. É impossível não notar o estrago”, avalia.

Juliana tem especial predileção por chocolates finos artesanais e diz não se importar em pagar mais caro e diminuir sua margem de lucro. Justamente por trabalharem com quantidades menores, estes pequenos chocolatiers são capazes de produzir verdadeiras obras-primas. “É como fazer um jantar para apenas cinco convidados ao invés de mil”, compara Chloé Doutre-Roussel.

COMO DEGUSTAR UM CHOCOLATE GOURMET 1. Analise o aspecto do chocolate: a cor é forte, viva e ele deve brilhar. 2. Quanto mais cacau, mais duro é o chocolate. Por isso, ao quebrá-lo, você deve ouvir um clique. 3. Chocolates gourmet começam a derreter em temperaturas de 37º C. Ou seja, você pode senti-lo derreter já na sua mão e depois na língua. 4. Para degustar, ponha o chocolate no fundo da boca, prenda a respiração, deixe derreter e inspire. 5. Perceba os aromas, que evoluem e propiciam o que é chamado de “música do chocolate”, que leva nossos sentidos a uma verdadeira experiência. 6. Acidez, Amargor, Doçura. Se esses fatores estiverem presentes, devem ser sutis e não agressivos. O mesmo vale para a adstringência. 7. Diferente do vinho, que se cheira primeiro, a degustação do chocolate junta olfato e paladar ao mesmo tempo. Um dos produtores artesanais favoritos de Juliana é a brasileira AMMA Chocolates – que serviu como inspiração para a criação de uma linha especial de brigadeiros para degustação da Maria Brigadeiro. Capitaneada pelo brasileiro Diego Badaró e pelo alemão Frederick Schilling, a AMMA aposta no cultivo orgânico no sul da Bahia de cacau do tipo Pará e Parazinho, nativos da floresta amazônica.

O cuidado também é estendido à produção própria de chocolate, que utiliza um método que seus fundadores consideram “único no mundo”. O intuito é fazer chocolate com legítimo sabor brasileiro.

Tanto Badaró quanto Schilling têm pedigree para fazer chocolates. O brasileiro vem uma família de cacauicultores com 120 anos de tradição. Ele, que viu a derrocada da produção nacional nos anos 80 e 90 por conta da vassoura-de-bruxa (praga causada por fungos que atinge o cacaueiro), deu a volta por cima e iniciou suas pesquisas e produção na área. Já o alemão é o fundador/CEO da Dagoba Organic Chocolate, uma das maiores fábricas de chocolate orgânico do mundo.

“Fundamos a AMMA em 2007 e só depois de vencer todas as etapas burocráticas e de encontrar e desenvolver em conjunto com os fabricantes as melhores máquinas, é que pudemos saborear o sonho no final de 2009”, conta Badaró. A empresa hoje faz seis tipos de chocolate, à venda em São Paulo, Bahia e Goiânia. Parte de seus grãos é exportada para a Europa, mais especificamente para o famoso chocolatier François Pralus.

A expert Chloé, que ainda não provou chocolates de qualidade feitos no Brasil, está ansiosa por testar os frutos do trabalho da AMMA. “Sigo o trabalho deles há muitos anos e estou feliz por saber que já estão vendendo no mercado brasileiro. O conceito é ótimo e as pessoas por trás dela têm todos os ingredientes para uma história brasileira de sucesso: paixão, conhecimento, coração e dinheiro.”

E o futuro?

“Eu estou adorando o intenso movimento no mercado dos chocolates gourmet no Brasil”, diz Badaró. “Fico feliz que marcas tradicionais aportem e possam, em conjunto, educar o público consumidor . Quanto mais chocolates com alto teor de cacau no mercado, mais teremos a certeza da preservação do cinturão equatorial das florestas tropicais e mais saudável será a vida de todos” .

As grandes marcas também têm mais planos para o Brasil. A Valrhona deve comercializar em breve barras de chocolate feitas com cacau brasileiro e, no verão, começará a vender sorvetes. Já a Callebaut, que inaugurou há pouco tempo uma usina na Bahia, deve instalar no país sua 13a Chocolate Academy, um centro técnico voltado para o aperfeiçoamento de profissionais.

Ao público consumidor, resta aproveitar a onda, apurar as papilas gustativas e descobrir – sem culpa e sem medo – por que o nome científico do chocolate é Theobroma Cacao, ou “manjar dos deuses”.

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