Curiosidades gastronômicas incluem queijo de leite materno

Curiosidades gastronômicas incluem queijo de leite materno

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:26

Grãos de café que passam pelo sistema digestivo de animais? Aluguel de galinhas poedeiras para ter ovos frescos em casa? Macacos treinados para colher folhas de chá? Quê? Come-se espermas de peixes? Reportagem da Folha recolhe, na Espanha, no Japão, nos EUA, na China e no Brasil, exemplos de até onde a gastronomia pode chegar.

Por conta da recente paternidade, Daniel Angerer, proprietário e chef do restaurante Klee, de Nova York, inventou uma iguaria inusitada: queijo feito do leite de sua mulher e sócia, Lori Mason. A ideia nasceu do "freezer abarrotado" com saquinhos de leite de Mason e dos "institutos de culinária natural" de Angerer, conta o austríaco. Além do ingrediente, a receita leva leite comum, iogurte, sal marinho e coalho. Com a criação, Angerer --que trabalhou em restaurantes como o do aclamado Joël Robuchon, em Paris-- elaborou, entre outros, um prato batizado de "queijo envolto em pó de cogumelo desidratado com chutney de cebola". O produto não é vendido nem produzido no Klee, enfatiza o dono, mas em seu blog www.danielangerer.com o chef ensina como fazer o experimento. Além disso, também oferece uma degustação: "Enquanto o estoque durar, todos estão convidados a provar".

Chá colhido por macacos

Com o intermédio de Cintia Lima, amante de chá e dona da loja Chocolat des Arts, a Folha entrou em contato com dois fornecedores chineses para entender o "monkey picked tea" (chá colhido por macacos, em tradução livre). Diz a lenda que monges treinavam os animais para colher as folhas que cresciam nas mais altas montanhas da China e que, no século 18, apenas a corte imperial podia degustar a bebida. Hoje, no entanto, o nome que o chá ganhou no passado apenas designa "alta qualidade" --são pequenas famílias de artesãos que realizam a colheita das folhas. Em altitudes elevadas, as plantas ficam em contato com as nuvens e absorvem mínimas gotículas. Ficam, então, largas, achatadas e com sabor e aroma refrescantes. "Estão em regiões tão altas que são difíceis de colher, por isso são raras e caras", diz Cintia, que encomendou uma amostra a uma grande empresa de chá da China para fazer uma prova e estudar a possibilidade de vendê-lo na loja.

Manga que cai na rede

Já, já é época de manga no Japão. E uma única fruta pode custar até US$ 150 (cerca de R$ 260). Quem contou à Folha sobre a a árvore foi a chef Mari Hirata, radicada em Tóquio. Na mangueira, redinhas são amarradas em volta das frutas, que são vendidas apenas quando ficam maduras e, protegidas, caem naturalmente. "Por isso são tão gostosas", diz a chef. As melhores colheitas são as de árvores com poucas mangas --na prática, conta, "uma fruta por galho". O que antes era direcionado ao mercado interno, caiu nas graças de chineses ricos. Há o costume, ainda, de leiloar as primeiras mangas do ano por preços impraticáveis. "Na verdade, no Japão, tem-se o culto de comer a primeira qualquer coisa da estação!"

Aluguel de galinha poedeira

Inspirado por uma empresa australiana, o espanhol Eduardo Otxoa montou, no fim do ano passado, seu próprio negócio: ele aluga galinhas poedeiras para quem quer comer ovos fresquinhos. Além de serem mais saborosos, sabe-se a origem dos ovos. Segundo ele, "se alterarmos a dieta dos animais, obtemos sabores diferentes". Depois de encomendar o serviço, a empresa se encarrega de levar à casa do cliente o animal, a palha, a comida e a jaula. "Exigimos um pequeno jardim para que a galinha possa passar a maior parte do tempo em liberdade." Hoje, fornecem apenas em Navarra, mas pretendem expandir o negócio para o resto da Espanha e também estudam a possibilidade de ter sócios na França e na América Latina.

As "ovas" dos machos

Nevava no interior do Japão. O violoncelista Daigo Kobayashi havia deixado Tóquio e agora, de volta à cidade natal, passara a preparar corpos para o funeral. No dia em que pensou em desistir do trabalho, seu mestre ofereceu, à mesa, espermas de baiacu, "grelhado com sal". Fez cara de repulsa. Mas, quando enfim mordeu um pedaço daquela bolsinha branca que estava sobre a chapa, abriu um sorriso.

"É muito gostoso, não?" "É delicioso". "É delicioso... Infelizmente." A cena faz parte de "A Partida" (2008), longa japonês que ganhou Oscar de melhor estrangeiro em 2009, mas não é só em filme que se come as chamadas gônadas ("designação genérica das glândulas sexuais que produzem os gametas", no dicionário). No Japão, a iguaria é chamada de shirako. E é com esse nome que Shigero Hirano, do Tanuki, na Vila Madalena, a serve a seus clientes. "Se falar o que é, brasileiro não põe na boca, mas enquanto não sabe o que está comendo, acha bom."

Segundo o chef, nascido no Japão, o importante é ter peixes frescos --pode ser sardinha, olho-de-boi, robalo etc. Para preparar, há várias formas: cru, cozido com gengibre, shoyu, saquê e algas; em um caldo de verduras; no vapor. "Cada jeito de fazer muda o sabor, mas, se você comer sem saber, vai gostar."

Tsuyoshi Murakami, que também prepara a iguaria em seu restaurante Kinoshita, diz que, no Japão, comer shirako é um sinal de status. E é parecido com o quê? "Cérebro de cordeiro. Ou... é como se fosse a parte branca da ostra. Isso, acho que é a melhor definição, a textura é igual", fala Murakami.

Café digerido por animal

"A vida é muito chata e precisamos descobrir coisas novas", diz Marco Kerkmeester, dono da rede Santo Grão. Foi por isso que trouxe, em 2008, um lote do café Kopi Luwak, da Indonésia, e, em breve, quer voltar a servi-lo (R$ 20, o expresso). "Não há nada parecido aqui. Acho que todo mundo merece tomar pelo menos uma xícara."

Considerado o mais caro do mundo, tem os grãos retirados das fezes da civeta --animal semelhante ao gambá--, que escolhe os frutos mais adocicados do pé. O grão sai quase intacto do sistema digestivo. "É protegido pelo pergaminho [película entre ele e a polpa]", diz.

Inspirado no método, um fazendeiro do Espírito Santo lançou o Jacu Bird Coffee, já vendido no Suplicy. Um novo lote deve chegar em três meses (R$ 8, o expresso). "A ave tem um processo digestivo rápido e o grão não fermenta. Além disso, é um grão de arábica", conta Marco Suplicy. "A ave só come os frutos mais maduros." Mas... diz ele, "é um café normal, um bom café normal".

Postado por: Felipe Pinheiro

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