O prato principal que virou petisco

O prato principal que virou petisco

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:10

Por mais que Londres tenha se tornado uma capital gastronômica, a culinária inglesa costuma ser considerada um "senão" nas visitas à terra da rainha. Mas batatas todos os dias e uma comida de rua das mais indigestas – alguém aí já comeu um bom "fish and chips"? – não podem ofuscar uma grata contribuição da cozinha da Inglaterra para o mundo: o rosbife.

O termo rosbife é a versão aportuguesada do nome do prato, que já dá a deixa do que virá à mesa: roast beef (carne assada). Mas o rosbife inglês não é definição para qualquer carne que vai ao forno. Trata-se do prato-símbolo do país, aquele que é servido aos domingos e tem aprovação unânime entre os jovens e os mais velhos. Sim, o rosbife inglês é um prato principal e servido quente, acompanhado por batatas (claro!), pudins de Yorkshire (feitos com massa de farinha, manteiga, leite e ovos) e legumes que, escolhidos de acordo com cada receita, ladeiam a carne na travessa.

Ali, nos fornos ingleses, nem todo rosbife é sem osso ou servido mal passado. Há quem prefira fazer rosbife com um corte de costela (rib of beef) ou com uma parte das porções chamadas de sirloin e top side. A maioria das receitas inclui especiarias, pimenta do reino e um pouco de mostarda no tempero da carne. Também segue um padrão de forno alto no princípio, seguido por um fogo moderado (com os tempos calculados pelo tamanho da peça e com o ponto desejado).

Outro segredinho dos ingleses é deixar a carne "assentar as fibras" depois de pronta. O chef-estrela Jamie Oliver, em uma receita que anuncia como "o rosbife perfeito", decreta: "A carne deve descansar depois de assada ao menos durante meia hora e depois ser fatiada bem fininha para ser apreciada tenra". No preparo, o cozinheiro inglês forra uma assadeira com vegetais cortados ainda com casca, coloca a peça de carne sobre eles, rega com azeite e tempera com alho e alecrim (veja o link da receita completa, em inglês). "Este prato deve ser mantido simples. Nada é melhor que um rosbife em um feriado", elogia ele.

Sem seguir o conselho do cozinheiro, Helena Rizzo, do restaurante paulistano Mani, se inspirou na especialidade para criar um rosbife gastronômico feito em crosta de lapsang sauchon, servido com salada morna de batatas, uma leitura bastante elaborada do trivial assado. A carne passa por dois processos: primeiro é cozida à vácuo e depois selada em uma chapa (veja receita). O sabor conferido pelo chá e a textura da carne tornou o prato um hit entre gourmets da cidade.

Recheio de sanduíche

Tal qual fazemos com os restos de pernil ou com as sobras da carne de panela, um rosbife no almoço é garantia de um sanduíche à noite ou no dia seguinte. Os ingleses complementam a carne, cortada fria bem fina, com cebola e molho inglês e queijo cheddar derretido. É tão saboroso e reconfortante que é desnecessário dizer que diversas lanchonetes do Reino Unido fazem rosbife somente para lanches servidos assim.

E é na categoria de frios que recheiam um pão que o rosbife fez fama deste lado do oceano. Dois dos mais famosos sanduíches brasileiros são feitos com ele. O pioneiro, o bauru (hoje conhecido como bauru à Ponto Chic) foi criado nos anos 1930 por Casemiro Pinto Neto, estudante de direito apelidado com o nome de sua cidade natal, Bauru, que frequentava o Ponto Chic. Faminto, uma noite ele pediu um sanduíche inventado na hora: pão francês sem miolo, uma porção de queijo derretido, fatias de rosbife, rodelas de tomate e pepino em conserva. O primeiro a copiar foi um amigo, que deu uma mordida e logo pediu "me vê um igual ao do Bauru". A receita ganhou fama dentro e fora do restaurante, para depois ganhar os balcões de lanchonetes de todo o país.

Mas o sucesso não foi o suficiente para manter a fórmula original - na falta do ingrediente principal, alguns locais passaram a substituir o rosbife pelo presunto, que hoje virou sinônimo do bauru que se encontra em lanchonetes e padarias. Não em locais como os bares paulistanos Mercearia São Pedro e Original, que têm o bauru clássico no cardápio, além do próprio Ponto Chic, onde o lanche é o carro-chefe até hoje (confira a receita do rosbife).

Enquanto a versão adaptada do bauru se tornava a mais conhecida, um outro sanduíche foi criado à imagem e semelhança do original. Edgard Sader, gerente do restaurante paulistano Bambi, especializado em cozinha sírio-libanesa, lembra que tudo aconteceu no primeiro Bambi, nos anos 1950. "Um cliente foi jantar no restaurante e pediu um bauru, mas a gente não tinha pão francês. Como meu tio Fares não quis desagradar o freguês, improvisou, recheando um pão sírio com queijo prato e tomate. Como não tinha orégano, usou zahtar. E o cliente adorou", conta. Feliz com a nova criação, Fares resolveu batizá-la homenageando sua cidade natal: Beirute.

Sem patente, o beirute caiu nas graças do público e passou a ser feito em todo lugar. Edgard conta que o segredo para o lanche, estrela do Bambi até hoje, ficar perfeito é levar o pão sírio aberto ao forno somente com o queijo. "Quando derreter, coloque os outros ingredientes, feche o pão e leve ao forno novamente, para a parte de cima ficar crocante, diz.

A escolha da carne

Lorival Habimorad, o homem por trás da tradicional Casa de Carnes Ok, no Mercado Municipal de Santo Amaro, em São Paulo, indica um tipo de peça para cada forma de preparo: "O rosbife caseiro comprado em padarias, para ser consumido frio, é feito ao forno com lagarto", conta. Ele diz que se a ideia é fazer um rosbife dessa forma, é indispensável que a carne esteja fria na hora de cortar. "Caso contrário a carne desfia inteira". A tarefa de cortar a carne bem fininha também pode ser inglória para quem não tem uma máquina de fatiar ou, ao menos, uma faca muito afiada.

Já para preparar quente, como os ingleses, Lorival sugere uma peça do meio do contrafilé "quando já vai arredondar para o lado da bisteca", com 1200 a 1500g. "A carne deve ser bem limpa, mas tem muito mais sabor", diz. Menos comum na Inglaterra, há também um rosbife feito na frigideira. "No extinto bar Ilhabela, na avenida João Dias, ele era feito na frigideira com a ponta do colchão mole", lembra.

É essa a versão que se transforma no canapé-vedete do bar alemão Zur Alten Mühle, há 30 anos no bairro paulistano do Brooklin. O proprietário Werner Heying conta que aprendeu a receita, familiar, com o pai. "Uso uma peça de colchão mole inteira, com sete a oito quilos, totalmente limpa de gordura e corto como se fossem três triângulos", explica. Depois de salgar as carnes, Werner esquenta um tacho bem quente e coloca um fio de óleo. Doura cada lado dos triângulos de carne e retira do fogo. Quando esfria, congela tudo. "Fica mais fácil de cortar bem fino sem estragar a carne - e olha que eu uso o fatiador de frios. Acho impossível conseguir o mesmo efeito com a faca", diz.

Depois de pronto e fatiado, o rosbife é colocado sobre quadradinhos de pão preto com manteiga à temperatura ambiente e coberto por uma fatia de pepino em conserva e um pouco de maionese caseira. Famoso, o canapé é o petisco mais pedido da casa, ao lado do feito com linguiça de Blumenau.

Rosbife em crosta de lapsang sauchon

Receita da chef Helena Rizzo, do Maní, em SP

Rendimento: 6 pessoas

Ingredientes

1 peça de filé mignon limpo 10g de lapsang sauchon moído 10g de pó de carvão vegetal Sal a gosto Azeite de oliva

Modo de preparo

Porcione o filé em seis pedaços compridos. Seque-os bem num pano de prato e reserve. Misture em uma vasilha o chá com o carvão vegetal. Tempere as porções de filé com sal e cubra-as com a mistura anterior. Enrole em papel filme cada porção e aperte bem. Coloque as porções numa bolsa plástica e fechá-la à vácuo. Cozinhe por 40 minutos. Depois de cozidos, marque os "rolinhos" de filé mignon dos quatro lados na chapa com um fio de azeite.

Rosbife do bar Original

Ingredientes

2,5 kg de lagarto 1 colher (sopa) de sal 5 dentes de alho 50ml de óleo

Modo de preparo

Em uma travessa, tempere o lagarto com o sal e o alho. Coloque o óleo em uma panela e o aqueça. Em seguida, coloque a carne para selar, até que fique dourada por todas as partes. Retire a carne do fogo, envolva em papel alumínio e armazene na geladeira. Para servir, retire do alumínio e fatie.

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