Podemos aprender a gostar de vegetais, diz especialista

Podemos aprender a gostar de vegetais, diz especialista

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:29

  Se você está acima do peso, e não tem nenhuma disfunção no organismo, há grandes chances de não ser fã de legumes e verduras e viver se sabores mais doces ou salgados, geralmente, as opções mais calóricas da geladeira. Uma boa parcela de seu desagrado com o sabor amargo, característico dos vegetais, pode não ser culpa sua.  

Durante os milhares de anos, foi muito importante em termos evolutivos que não gostássemos de sabores amargos. Geralmente estavam associados a vegetais tóxicos ou alimentos estragados. Darwin explica: os homens que não gostavam desses sabores “perigosos” tinham mais chances de sobreviver e passar essa características a seus descendentes.  

Acontece que as coisas mudaram, agora sabemos que muitos alimentos com um certo amargor podem ser bons para a saúde e ainda, são bem menos calóricos que doces e salgadinhos. Muitas pessoas, inclusive, aprenderam a apreciar verduras e legumes. Foi pensando nisso que biólogo Gary Beauchamp, especialista em sabores do Centro de pesquisas Monell (EUA), decidiu estudar se existem momentos específicos da vida onde podemos aprender a gostar de determinados sabores.  

Beauchamp fez uma experiência com bebês alimentados com leite materno , de sabor mais adocicado; um alimento substituto a base de leite de vaca; com um teor médio de açúcar e outra fórmula especial com nutrientes, muito amarga. O pesquisador descobriu que os bebês de 4 meses que se alimentaram com a bebida amarga foram mais receptivos aos sabores amargos quando mais velhos. Ele afirma que exista uma “janela de sabor” nessa idade e que ela pode ser influenciada pelos cheiros e gostos da comida ingerida pela mãe – não que o bebê deva ser alimentado por outra .  

Se você não teve esse estímulo na infância, nem tudo está perdido. O especialista em sabores acredita que adultos também possam ter esse tipo de abertura, embora menos evidente. Já que aprendemos a gostar dos sabores amargos do café e cerveja. “Vemos uma recompensa social em gostar dessas bebidas”, diz. Para saber mais sobre o assunto, confira a entrevista que Beauchamp concedeu a Galileu:

*Nossas preferências por sabor são genéticas ou aprendidas durante a vida?  

Ambos. Há evidências fortes que nossa preferência por coisas doces é genética. Nossa preferência por gordura deve ter também algum componente genético, mas não é tão claro como o açúcar. A preferência por sal também é em parte genética.  

*Qual é o papel do ambiente nas preferências?  

Para doce a evidência é que o ambiente tem um papel menor. As crianças nascem já com o gosto pelo açúcar, gostam mais que adultos. Como isso reflete nossa evolução: coisas doces tendem a ser bons recursos de alimento e calorias. Humanos e todas as outras espécies que comem plantas são construídas para gostar de doces. Para outras coisas, como o sal e gordura, o nível ao qual você está exposto também influencia em suas escolhas. Para gordura, importante para a obesidade, não esta muito claro, há evidencias que o gosto pode ser parcialmente inato.  

*Qual é a função do gene TAS2R38?  

É um gente que codifica o receptor de sabor. Há muitos genes que detectam sabores. Esse é famoso porque detecta o componente amargo ao qual algumas pessoas são muitos sensíveis e outras menos. Pessoas muito sensíveis acham os vegetais muito amargos. É um bom exemplo de como nossas escolhas de comida podem ser moduladas pela genética.  

* Todos temos esse gene?  

Sim, mas algumas pessoas têm uma forma e outras têm de outra.  

*Se o gene for ativado para ser menos sensível, a pessoa então gosta do sabor amargo?

Quase ninguém gosta de amargo. A diferença é que algumas pessoas sentem mais e outras sentem menos. Não faz com que a pessoa goste ou não, só determina a sensibilidade. Mesmo se a pessoa for muito sensível ao sabor amargo ela pode gostar dele?  

Sim. Nós não vemos como gostar ou desgostar para o amargo. Muitas das coisas que são amargas e as pessoas gostam costumam ter propriedades farmacológicas como o café tem cafeína, álcool tem etanol, chá tem componentes amargos. Consumimos não por causa do amargo, mas porque têm essas propriedades. Até usamos medidas para reduzir a amargura, como adicionando açúcar ou creme. Há comidas amargas que as pessoas dizem gostar porque estão misturadas com outras ou tem um teor baixo de amargor. Mas a maioria não gosta desse sabor. Há um mecanismo que nos faz não gostar, porque muitos dos componentes amargos são venenosos. O amargor é uma estratégia de plantas que não querem ser comidas e o animal não quer ser envenenado.  

* Mas você acha que é possível fazer com que crianças gostem de sabores amargos?  

Acho que é possível. Algumas evidências, não conclusivas, de que, se crianças são expostas a alguns vegetais amargos desde cedo, têm mais chances de gostarem deles mais tarde. Exposição gradual no início da vida ajuda a gostar de comidas amargas no futuro. Mas as pessoas nunca irão gostar de coisas realmente amargas porque não faz sentido do ponto de vista biológico, há muitas chances de serem perigosos.  

* Como assim “realmente amargas”?  

Se você sair por aí comendo plantas nas ruas, vai perceber que são muito amargas e provavelmente são venenosas. Não faz sentido gostar disso do ponto de vista evolucionário.  

* E adultos podem aprender a gostar de alimentos com sabor amargo?  

Sim, podem. O que acontece é que você tem experimentar o amargor com outros sabores, talvez comidas com um bom valor nutricional. Você verá que não fica doente e entende o valor nutricional desses alimentos. Vemos isso em estudos com animais. Eles costumam ser relutantes, mas depois de um tempo, percebem que não é perigoso e que é bom, irão aceitar.  

* Mas como podemos aprender?  

É por pura exposição. Você tem que ter certeza de que a pessoa prove várias vezes.  

* Como funciona essa “janela dos sabores” nos bebês?  

Há provavelmente várias janelas. A que estamos estudando é que uma que tem a ver com odores e o sabor amargo, que ocorre durante os primeiros meses de vida até os seis meses. Demonstramos que bebês expostos ao amargor em alimentos especiais antes dos quatro meses irão gostar disso depois. Se você esperar para depois dos sete meses, as crianças ficarão muito relutantes em aceitar. Acredito que exista uma janela até os 6 meses de vida. Essa é uma boa época para que os bebês conheçam os sabores baseados no que a mãe consome.  

* Como alimentar bebês com sabores amargos, se até os 6 meses é recomendado apenas leite materno?  

O leite da mãe tem os sabores do que ela come, assim o bebê conhece, é exposto, a outros sabores através do leite materno. A mãe “ensina” o filho a gostar desses sabores. Acreditamos que isso gera uma memória e associações com a amamentação, contato com a mãe. Quando esses bebês crescem mostram uma preferência maior por esses sabores.  

* E para os adultos, você acha que existe algum tipo de “janela de sabor”?

Obviamente os adultos podem aprender a gostar de comidas com esses sabores ao longo da vida. Mas esse fenômeno, que ocorre cedo, é provavelmente muito importante. Podemos aprender e desenvolver novas preferências por comidas durante a vida. Temos que ser capazes de comer novas comidas porque as antigas podem desaparecer. Não somos como pandas gigantes que só comem bambu, quando a planta acaba, eles têm problemas. Humanos são mais variados, podem aprender quando adultos, só achamos que é mais fácil quando bebê.  

* Você diz que há uma certa recompensa social que nos faz gostar de sabores amargos como café ou cerveja. É possível encontrar uma recompensa social com os vegetais?  

Espero que sim. Há muitos estudos sugerindo que crianças irão comer o que alguém que elas admiram come. É o acontece com a propaganda de comida, a maioria são de alimentos ricos em gordura e açúcar, não vemos muita propaganda de vegetais, porque não há tanto dinheiro a se ganhar com eles. É possível usar aprendizado social para gostar de vegetais.  

* É possível que sejamos capazes de gostar de vegetais, quero dizer, uma pessoa que não gostava antes?  

Espero que sim, mas não tenho uma resposta para isso. Mas nós provavelmente somos capazes de controlar o gosto por meio de experiências. Como eu disse, por exposição. Mas tenho estudos examinando isso.  

* Além do ponto de vista nutricional, você acha que as comidas precisam no satisfazer nossos sentidos gustativos?  

Não são coisas separadas, nossos sentidos gustativos são guiados por nossas necessidades nutricionais. Há uma pesquisa que mostra que alguns dos receptores, como os de amargo e açúcar, que estão na boca, estão também em nossos intestinos, pâncreas, outros lugares. O sabor começa na boca, essa é a parte consciente, mas os mesmos sentidos estão operando em nosso estômago, pâncreas e intestinos. Eles também ajudam a reconhecer nutrientes. Satisfazendo nosso sistema sensitivo de paladar também estamos satisfazendo nosso sistema nutricional.  

*Ao satisfazer nossos sentidos de paladar, acabamos comendo menos?  

Não. Durante nossa evolução, um dos maiores problemas humanos era encontrar calorias, proteínas e sódio suficientes para sobreviver e evitar sermos envenenados por muitas plantas. Fomos construídos pela evolução para ingerir o máximo possível. Por muitos milhares de anos isso fazia muito sentido. Só nos últimos 200 anos, alguns grupos de pessoas começaram a ter um excedente de comida disponível. E não tinham mais que gastar toda a vida tentando encontrá-la. O sistema que era útil à sobrevivência humana tornou-se muito perigoso, porque o excesso de consumo leva à obesidade, diabete e alguns tipos de câncer. A maior parte da história da humanidade, não nos preocupávamos com essas coisas, só queríamos conseguir o suficiente para se nutrir.  

* Se aprendermos a ter prazer comendo coisas saudáveis, principalmente vegetais, é possível que nos tornemos menos gordos?  

Essa é a esperança. Estamos tentando demonstrar que isso funciona, queremos demonstrar se é possível evitar esse componente biológico que leva ao excesso de consumo e trocar por outros alimentos. Se você olhar para as estatísticas nos EUA, os números da obesidade subiram muito nos últimos 30 anos, é preocupante, será uma coisa muito difícil de fazer.  

* Comida com menos gosto como diet e light podem nos fazer comer mais por não satisfazerem nossos sentidos?  

É uma questão controversa e muito interessante, há uma ideia de que comidas e bebidas com adoçantes artificiais agem para aumentar a insulina (o trabalho da insulina é quebrar o açúcar), mas se não há açúcar, só o gosto doce, ela causa aumento da fome e, no fim, aumenta a ingestão de comida. É uma boa história, há evidências que corroboram com ela e outras, não. Mas não está claro. E talvez seja mais complexo do que isso.  

* Mas há alguma relação entre a saciedade dos sentidos e nossa ingestão de comida?  

Acho que alguns sentidos evoluíram para nos ajudar a encontrar comidas nutritivas, têm um papel importante em nossa seleção e no quanto comemos. Mas é muito difícil de separar essas coisas.  

* Um estudo do Dr. Leonrad Epstein (Buffalo University) diz que devemos comer quase a mesma coisa e isso nos ajudaria a comer menos. O que você acha disso?  

Ficaria surpreso se funcionasse. Há mil dietas diferentes que as pessoas dizem que vão ajudar a perder peso. Não sou especialista. Toda a dieta pode fazer perder peso, mas pode engordar de novo. Como uma solução a longo prazo, acho improvável. Mas não sei do estudo e não posso comentar especificamente.  

* Baseado em seus estudos, o que você sugere para adultos que querem aprender a gostar do sabor de vegetais?  

Deve fazer um grande esforço para se expor a esses sabores. Começar comendo um pedacinho de cada vez. No fim, pode aprender a tolerar esse sabor e deixar de ingerir alimentos mais calóricos.    

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