Ser alta, magra e com cabelos lisos é inalcançável para a maioria

Ser alta, magra e com cabelos lisos é inalcançável para a maioria

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 9:36

Fomos habituados a seguir um modelo de beleza eurocêntrico. Mulher bonita é alta, magra, tem cabelos lisos, formação óssea longilínea. Em um país como o Brasil, onde a mistura de raças resultou em um número infindável de "belezas", este ideal é praticamente inalcançável para quem, em sua mistura genética, não tem estes componentes.

Podemos dizer que há como seguir um "padrão de beleza"? Para o psicólogo e psicoterapeuta Marco Antonio De Tommaso, absolutamente não. "Quando falamos em padrão, estamos falando de um atributo que 50% das pessoas possuem. Em se tratando de beleza, os atuais ícones de beleza – as modelos – correspondem a 0,5% deste chamado ‘padrão’. A primeira conclusão é que não existe um padrão de beleza, uma vez que uma porcentagem ínfima da população o possui", diz.

“Entre setembro de 2007 e agosto de 2008, registrou-se 1.252 cirurgias estéticas por dia, no Brasil. Ou 547 mil cirurgias em um ano ”

Isso não evita a avalanche de informações que recebemos de todos os lados, nos puxando para este, digamos, "modelo": as revistas de moda têm modelos magras e jovens; as atrizes do cinema e da televisão têm pele, cabelos e unhas impecáveis; as grifes enlouqueceram nos manequins e as medidas estão cada vez menores – como se, para ter o “direito” de entrar em determinada roupa, a mulher devesse seguir o que a ditadura estética impõe. Para isso há um arsenal de armas: a toda hora surgem novos tratamentos estéticos, dezenas de cosméticos com tecnologia avançada, dietas milagrosas, cirurgias estéticas com maior tecnologia e preços um pouco mais acessíveis. Como resistir?

Se o seu tipo físico foge ao ideal buscado pela maioria, inevitavelmente, você estará excluída. Será diferente. Falando como padrão, será "menos". Menos bonita, menos magra, menos malhada. E aí, o que fazer? Uma pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), encomendada ao instituto Datafolha, mostrou números que –please! –, devem nos fazer pensar: o Brasil é o segundo país do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos) em procedimentos cirúrgicos com finalidades estéticas. Entre setembro de 2007 e agosto de 2008, registrou-se 1.252 cirurgias estéticas por dia. Ou 547 mil cirurgias em um ano – o que, somado aos procedimentos cirúrgicos reparadores, totaliza 629 mil operações deste tipo. Foram 69% de cirurgias estéticas contra 31% de cirurgias reparadoras.

A pesquisa mostrou que os implantes de silicone somaram 96 mil, ultrapassando as lipoaspirações (91 mil) – e que as cirurgias de aumento dos seios são 74% mais freqüentes do que as de redução da mama (que totalizaram 55 mil no mesmo período). Uma prova irrefutável que estamos, definitivamente, vivendo em um Brasil siliconado. Este é o atual modelo. Ai daquela que ainda entrar em um sutiã M.

Outros números divulgados pelo levantamento traçam o perfil das brasileiras que se submetem a cirurgias estéticas: 38% tinham entre 19 e 35 anos; 34%, entre 36 e 50 anos; e 28% de outras faixas etárias. Foram 88% de cirurgias realizadas em mulheres, contra 12% em homens. As intervenções estéticas mais realizadas foram: mama (33%), lipoaspiração (20%), abdome (15%), pálpebras (9%), nariz (7%), face (7%) e outros procedimentos (10%).

“"As prioridades inverteram-se. Se um marciano chegar hoje à Terra, vai achar que a celulite é mais importante do que a queimadura"”

O médico Jorge Antônio de Menezes, membro titular e especialista em cirurgia plástica da SBCP/Minas Gerais, diz uma frase muito oportuna sobre a ditadura da beleza, em um excelente artigo publicado no site Medicina Avançada, da Dra. Shirley Campos: "(...) na busca do corpo ideal, pessoas querem a todo o custo se adaptar aos padrões reinantes, e visando um resultado rápido recorrem a grandes cirurgias de correção e implantes, em processos que muitas vezes submetem o paciente a diversos tipos de procedimentos em uma só cirurgia. É fundamental alertar que a cirurgia estética é um procedimento cirúrgico e como tal deve ser respeitado. Fazer uma coisa de cada vez e a seu tempo e não se expor a riscos desnecessários, que podem vir a terminar em resultados insatisfatórios ou até mesmo em complicações graves para o paciente".

Em outro trecho, em relação ao número desproporcional entre cirurgias estéticas e reparadoras, ele escreve: "As prioridades inverteram-se. Se um marciano chegar hoje à Terra, vai achar que a celulite é mais importante do que a queimadura". É ou não é para se pensar? Principalmente tendo sido escrito por um cirurgião plástico consciente de sua responsabilidade social?

O médico chama a atenção para os perigos de se buscar, a todo custo, esse padrão de beleza ideal através de dietas milagrosas, fórmulas mágicas de remédios para emagrecimento e excesso de exercícios físicos. "Em um determinado momento os excessos poderão ter uma conseqüência danosa ao organismo, levando a uma desnutrição silenciosa ou a uma fadiga crônica, prejudicando a vida profissional ou pessoal do indivíduo", escreve no artigo.

Essa busca vem pautando a vida de uma família carioca há mais de sete anos: a luta de Márcia, 57 anos, que aceitou dar este depoimento desde que não seja identificada. Ela é mãe de duas mulheres (a quem chamaremos de X, de 23 anos, e Z, de 15).

Em 2002, Márcia descobriu que X, então com 16 anos, sofria de anorexia. Assim que diagnosticou o problema, convocou uma verdadeira força-tarefa para salvá-la. Uma equipe multidisciplinar foi montada com psiquiatra, psicólogo, nutricionista, clínicos para combater os problemas decorrentes da desnutrição. Márcia trouxe uma professora de artes, outra de ioga e meditação, incentivou a filha a pintar e a escrever. Leu tudo o que havia sobre a doença. Nada aliviou sua culpa. "Tive certeza de que o fato de minha filha ser anoréxica era culpa minha. Alguma coisa eu fiz, ou não fiz, para que isso acontecesse", conta.

Márcia sentia-se péssima por não ter descoberto a doença da filha a tempo. "Ela era adolescente, alta, bonita, vivia em um meio onde a cobrança estética é muito grande. Nessa época eu estava em um processo de mudança na empresa onde trabalhava, e vivia para isso. Saía de casa às 7h e voltava às 23h. Via que ela fazia dietas, ia à academia, preocupava-se em manter a forma. Para mim era isso: manter a forma. Para ela, era um sofrimento terrível que eu não percebi".

“"Com menos de 50 quilos, ainda me achava gorda. Foi um processo longo", conta X.”

E a filha emagrecia. Dos 72 quilos iniciais, chegou a 65. Em conversas, a menina dizia que estava fazendo "reeducação alimentar", comendo coisas mais saudáveis, cortando fast-food, refrigerantes e doces. "Sinceramente, achei que era um movimento de saúde. Não estava em casa para ver que ela não comia absolutamente nada o dia inteiro, enganava o estômago com água, vomitava o que comia, tomava laxantes, ia à academia três vezes por dia e que aquilo virou uma obsessão. Tudo isso eu só soube tarde demais", admite.

Pouco tempo depois, Márcia deu-se conta: X não tinha aparência saudável. Perdia peso a cada dia, estava irritada, triste, distante dos amigos. Levou a filha para um passeio na praia e conversaram. "Fiquei apavorada, culpada, destruída. Segurei a barra na hora, mas quando cheguei em casa desmoronei. No dia seguinte começamos o tratamento".

Em alguns meses, X recuperou os quilos necessários. Mas levou bem mais tempo para recuperar a saúde. Hoje, com 23 anos, X casou-se recentemente, está terminando a faculdade de Psicologia (que escolheu como carreira por conta de sua doença) e, principalmente, está feliz com a imagem que tem. "Eu simplesmente não tinha uma opinião crítica e consciente de mim mesma quando olhava no espelho. Achava que apenas precisava emagrecer como todo mundo. Mesmo quando minha dieta era não comer nada, achava normal. Brincava com minhas amigas sobre isso. Essa atitude não era estranha para mim. Pelo menos no início", conta X.

Márcia aponta um traço na filha que, segundo ela, ajudou muito o processo de cura. "“X sempre foi uma mulher inteligente, acima da média. Por isso não entendi como ela desenvolveu a doença. Em compensação, quando em tratamento, ela deu-se conta finalmente, e ajudou muito os médicos e assistentes no processo". A filha confirma. "O mais terrível, e que foi profundamente trabalhado em análise, é que eu sabia o que estava acontecendo. Que sofria de anorexia e quais poderiam ser as conseqüências disso. Mas simplesmente não conseguia sair. Com menos de 50 quilos, ainda me achava gorda. Foi um processo longo", conta X.

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