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Saúde

Aposentado de 89 percorre caminhos mais longos do mundo a pé

Aposentado de 89 percorre caminhos mais longos do mundo a pé

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:42

Desde os 17 anos, o aposentado Virgílio Ribeiro, 89, percorre, andando, os caminhos mais longos do Brasil e do mundo.   "Caminho há 70 anos. Tenho recordes de tudo. Caminhei todo o Brasil, o México. Fui ao Vale dos Dinossauros, na Bolívia. E fiz duas vezes o caminho de Santiago.

Sou o homem mais antigo a fazer o caminho.

Da primeira vez, em 2001, foi um desafio. Peguei meu 13º salário, o que eu tinha, fiz um empréstimo e fui para lá com a cara e a coragem, sozinho, sem ninguém...

Saí de Roncesvalles, nos Pirineus. Logo 22 ou 25 km adiante, tinha um albergue, mas não parei. Fui direto para Pamplona. Naquele dia, andei 48 km, com a mochila nas costas. A mochila e o cajado de peregrino.

Voltei sete anos depois e fiz um trajeto ainda mais longo, saindo de Saint Jean Pied de Port, na França. São 850 km até Santiago de Compostela.

Ser peregrino é interessante. A gente vê tanta coisa. Eu sou um camarada assim: eu curto a vida. A única infelicidade que eu tenho é não ter minha esposa viva. Vivemos juntos 46 anos. O resto...

Eu não tenho dor, não tenho dificuldade, não tenho nada. O único problema que tive foi na primeira vez que fiz o Caminho. Senti uma canseira. Parei no albergue, veio uma médica me examinar.

'Seria bom você ir para um hospital, passar dois dias, depois se recupera', ela disse.

Veio uma ambulância na hora, me levou já com balão de gás para ajudar a respiração. Fiquei num apartamento, num centro hospitalar, coisa maravilhosa, com telefone, televisão, jornal de manhã, sem pagar nada.

Depois de dois dias, voltei para a caminhada e completei a jornada em 28 dias.     Segui cantando. Eu gosto de cantar. Estudei canto, de moço. Em qualquer albergue, eu chego cantando. Canto tudo: canções, trecho de ópera, tudo o que eu lembro.

Na minha juventude, já gostava de caminhar. Com 17 anos, escalei o pico do Jaraguá, que era selvagem naquele tempo. Fui com três amigos, e passamos os quatro dias de Carnaval. Essa foi a minha primeira aventura. Aí tomei gosto por aquilo.

CIGARRO E CERVEJA

Eu fumava um maço e meio de cigarros por dia, fumava muito, bebia também. Trabalhei 22 anos na Brahma, a gente bebia muito. Era de graça mesmo, não é?

Larguei em 1972. O homem, quando chega aos 45, 50 anos, tem de parar com essas coisas, passar a encarar melhor o que faz. Eu deixei de beber de repente, assim, cismei, falei para a mulher: 'Olha, não vou beber mais'.

Uns dias depois, eu saí de casa para comprar cigarro. No meio do caminho, parei, pensei: 'Deixei de beber, vou deixar de fumar também'.

SAÚDE

O cigarro não teve nada a ver com o câncer. O câncer foi depois. Tenho agora 89 anos, o câncer foi 24 anos atrás.

Estava em Angra dos Reis, com minha filha, meu genro, meus netos pequenos. Mergulhei no mar, tentei nadar e não consegui. Cansado demais, não respirava bem.

Voltamos para São Paulo, fui ao hospital, fiz exames. O médico me disse: 'Olha Virgílio, você está mal, vai ser operado. Eu já vou te avisando: é um caso que pode retornar, pode ter sequelas'.

Eles operaram meu estômago, fiquei um tempo no hospital. Quando voltei para casa, depois de um tempo, fui para a academia. Eu sempre fiz musculação, fazia modelagem física no Palmeiras. Sou um português palmeirense. Até o ano passado, fazia musculação.

PELO MUNDO

As grandes caminhadas foram todas depois da operação. No exterior, a primeira foi em 1997, no México: com 75 anos, percorri os caminhos da civilização maia. Em 2003, com 81, fui o homem mais antigo a subir o monte Huayna Picchu, em Machu Picchu.

Andei sete horas sem parar, foram 36 km, com uma subida de 2.825 metros. Quando desci, foi uma emoção indescritível, impressionante. Estava todo mundo na praça me esperando, para me receber e me dar os parabéns. Aí eu chorei.

Pelo Brasil, fiz todas: caminho da Luz, caminho do Sol, caminho das Missões, passos de Anchieta. O caminho da Luz, em Minas Gerais, com o pico da Bandeira, é lindo, lindo, lindo.

Num certo trecho, a gente caminha por onde era o leito da estrada de ferro que vinha do Rio, a Leopoldinense. Não tinha mais a estrada, não tinha trilhos nem dormentes, mas tinha aquelas estaçõezinhas velhas, sem telhado.

Eu vivo o caminho. Aquela beleza, os rios, as matas, as flores, os pássaros, aquela coisa maravilhosa que eu encontro pelo caminho. Eu paro no meio da trilha, me apoio no cajado e fico pensando, imaginando: eu sou um mensageiro de Deus.

Somos todos uma figura só: árvores, pássaros. É isso ai. Essas coisas é que eu busco no caminho.

COTIDIANO

Meu dia é assim: deito de madrugada, aproveito todo o possível do dia, faço palavras cruzadas, vejo filmes, escrevo poesia, impressões que tenho das viagens.

Faço almoço, porque, com o meu salário, não dá para almoçar fora. Faço sopa, uso cenoura, mandioquinha, para quatro, cinco dias. Ponho no freezer, para não fazer todo dia, porque eu saio muito também.

Encontro os amigos, as amigas. Mais interessante é encontrar as amigas. Porque aí é beijinho daqui, beijinho dali...

A vida é assim. Eu tenho uma vida formidável, rapaz.

Vida fora do normal. Não posso me queixar. Sou feliz, apesar de viver sozinho. Ganho pouco, mas sou feliz."    

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