Um grupo coordenado pela neurocientista brasileira Carol Elias deu um passo importante para desvendar os mecanismos bioquímicos de um fenômeno que vem alarmando médicos americanos: a antecipação da puberdade feminina.
Depois de quase uma década de investigação que começou no Brasil, com financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), da Capes e do CNPq, e terminou nos Estados Unidos, com apoio dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), Carol e sua equipe identificaram a região cerebral em que o hormônio leptina age despertando o amadurecimento sexual. É o núcleo pré-mamilar ventral.
Há um mecanismo bioquímico delicado que informa ao cérebro que o organismo está pronto para reproduzir, disse Carol, ex-professora na Universidade de São Paulo (USP) e atualmente pesquisadora na Universidade do Texas. E quem dá esse recado ao cérebro é a leptina, hormônio secretado pelas células de gordura, mais conhecido por despertar a sensação de saciedade e reduzir a fome.
Anos atrás surgiram as primeiras pistas de que esse hormônio iniciava uma cadeia de reações químicas que levam ao desenvolvimento dos órgãos sexuais e à fertilidade. Camundongos e seres humanos que não produzem leptina não entram na puberdade, período em que começam transformações fisiológicas que preparam o corpo para procriar.
De 1997 a 1999, período em que passou na Universidade Harvard, Carol colaborou com a identificação das regiões cerebrais que produzem receptores de leptina, proteína à qual o hormônio de mesmo nome se liga estimulando o funcionamento das células cerebrais (neurônios).
Entre as regiões do hipotálamo que expressam receptores de leptina, uma chamou a atenção: o núcleo pré-mamilar ventral. Esse grupo de células, como já havia sido demonstrado por outro brasileiro, Newton Canteras, pesquisador da USP, se conecta a regiões cerebrais produtoras do hormônio liberador de gonadotrofinas, responsável por estimular a secreção de outros hormônios sexuais.
Mas a comprovação de que era esse núcleo que mediava a ação da leptina no início da puberdade levou mais tempo. Convidada pelo neurocientista Joel Elmquist a integrar sua equipe no Texas, Carol e os pesquisadores José Donato Júnior, Roberta Cravo e Renata Frazão desenvolveram em laboratório um camundongo geneticamente modificado para, em certas condições, produzir o receptor de leptina apenas no núcleo pré-mamilar ventral. A estratégia deu certo, relatam os pesquisadores em artigo publicado no dia 22 na revista Journal of Clinical Investigation.
As fêmeas de camundongo inférteis entraram na puberdade e se tornaram capazes de procriar quando se estimulou a produção do receptor de leptina exclusivamente no núcleo pré-mamilar ventral. As células desse núcleo passaram a reconhecer a presença da leptina, induzindo o amadurecimento sexual, explicou Carol.
A provável explicação é que os neurônios do núcleo pré-mamilar ventral estimulam a atividade de células produtoras do hormônio liberador de gonadotrofinas que, por sua vez, induz a produção de outros hormônios sexuais. Essa cadeia de reações bioquímicas, que, por razão ainda desconhecida despertou a puberdade apenas nas fêmeas, ajuda a compreender porque uma proporção cada vez maior de meninas norte-americanas com 7 e 8 anos de idade estão entrando na puberdade, como mostrou estudo publicado em setembro na Pediatrics.
É possível que as taxas mais elevadas de leptina em crianças obesas estejam estimulando regiões cerebrais que normalmente só seriam ativadas mais tarde, disse Carol.
Agora que identificamos o grupo de células responsáveis por mediar a ação da leptina no início da puberdade teremos condições de desvendar os mecanismos celulares, genéticos e bioquímicos envolvidos nesta função, disse.
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