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Saúde

Pedofilia é doença?

Pedofilia é doença?

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:30

Por Adriana Amorim

Até mesmo em dicionários, o termo pedofilia deixa dúvidas sobre seu significado: "Pedofilia: "1 Prática sexual de adultos com crianças. 2 Perversão que leva um adulto a sentir atração sexual por crianças" (Aulete, Caldas - Ed. Nova fronteira - 2004). No entanto, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (também conhecida como Classificação Internacional de Doenças - CID 10), publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a pedofilia é um transtorno da preferência sexual, caracterizado pela "preferência sexual por crianças, meninos ou meninas, ou ambos, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade (CID 10 - item F65.4 ).

Danilo Baltieri, mestre e doutor em medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do ambulatório de transtornos da sexualidade da faculdade de Medicina do ABC (ABSex), explica que "pedofilia não é sinônimo de agressão sexual de crianças, embora, em algumas situações, ambos os termos possam de fato ser intermutáveis. Se um indivíduo portador de pedofilia tem atividades sexuais com crianças, seguramente ele também é um agressor sexual de crianças. Todavia, se um indivíduo portador de pedofilia nunca teve quaisquer atos sexuais contra crianças, ele não pode ser considerado um criminoso".

Para o médico, a utilização do termo pela mídia tem sido "inadequada e perniciosa". E essa abordagem estende-se até mesmo ao tratamento da pedofilia como doença médica, que envolve psicoterapia e medicações. Na última fase, em uma pequena porcentagem dos casos, quando solicitada pelo paciente, é aplicada medicação de controle da ação da testosterona. O método tem sido chamado com freqüência pela mídia de 'castração química', o que, na opinião do Dr. Baltieri, "é uma forma criminosa de se abordar um tratamento sério". De acordo com o médico, quando bem administrada, a medicação não traz ao paciente prejuízos, não causa impotência, problemas de ereção ou redução da libido. "O objetivo é diminuir a impulsividade [...] Alguns pacientes são casados e mantém relações sexuais com suas esposas", reitera o especialista.

Em entrevista ao Guia-me, Dr. Danilo Baltieri explica a pedofilia como doença médica, aborda a complexidade do diagnóstico, o tratamento e os resultados.

Guia-me: O que é pedofilia para a Medicina?

Dr. Danilo Baltieri: A Medicina entende a Pedofilia como uma doença, classificada entre os chamados Transtornos da Preferência Sexual. O termo Pedofilia, ao que a Medicina se refere, é caracterizado por fantasias, atividades e / ou práticas sexuais intensas e recorrentes envolvendo crianças e / ou púberes com menos de 14 anos de idade. Isso significa que o portador de Pedofilia excita-se sexualmente, predominantemente ou quase que exclusivamente com crianças ou adolescentes.

Trata-se de uma doença clínica, onde o portador tem dificuldades para cessar suas fantasias e excitação sexual envolvendo crianças e / ou adolescentes.

O portador de Pedofilia não necessariamente comete atos sexuais contra menores de idade. Algumas vezes, este indivíduo apenas satisfaz-se com fantasias masturbatórias envolvendo crianças. Logo, do ponto de vista médico, nem sempre o portador de Pedofilia comete atos criminosos.

Guia-me: Como ela pode ser diagnosticada? Quais podem ser as raízes?

Dr. Danilo Baltieri: O diagnóstico médico da Pedofilia é um processo bastante complexo. A entrevista psiquiátrica específica, aliada à avaliação neuropsicológica e aos exames de imagem cerebral, são ferramentas indispensáveis no diagnóstico destes pacientes.

Existem múltiplos fatores causais relacionados ao surgimento e desenvolvimento da Pedofilia. Sabemos que alterações funcionais cerebrais, principalmente em região de lobos frontal e temporal, estão implicadas com esta doença. Além disso, experiências sexuais precoces (abuso sexual), inabilidades sociais, experiências de negligência parental, inadequadas formas de aprendizagem sexual, alterações neuroquímicas têm sido apontadas na etiologia da Pedofilia.

Guia-me: A interpretação do termo pela mídia tem sido correta?

Dr. Danilo Baltieri: Infelizmente, a divulgação midiática do termo Pedofilia tem sido amplamente inadequada e perniciosa. Isso, também infelizmente, não é prática exclusiva do nosso país. O público leigo e não especializado na matéria médica relacionada aos transtornos da sexualidade freqüentemente denomina qualquer indivíduo que tenha cometido um crime sexual contra criança como "Pedófilo". Além disso, os indivíduos que têm acessado sites de pornografia infantil também têm sido chamados de "Pedófilos" pelos meios midiáticos e não especializados.

Pedofilia não é SINÔNIMO de agressor sexual de crianças, embora, em algumas situações, ambos os termos possam de fato ser intermutáveis. Se um indivíduo portador de Pedofilia tem atividades sexuais com crianças, seguramente ele também é um agressor sexual de crianças. Todavia, se um indivíduo portador de Pedofilia nunca teve quaisquer atos sexuais contra crianças, ele não pode ser considerado um criminoso.

Guia-me: Como funciona a psicoterapia? Quais são as etapas do tratamento?

Dr. Danilo Baltieri: Os pacientes portadores de Pedofilia que procuram tratamento médico e psicológico devem, uma vez adequadamente diagnosticados, participar de programas específicos de psicoterapia. As formas de terapia mais estudadas para esta população têm sido as de definição cognitivo-comportamental. Através da psicoterapia, objetiva-se melhorar a qualidade de vida do paciente, prevenir quaisquer formas de recaídas, adequar a sua sexualidade patológica para uma forma mais adequada, auxiliar este indivíduo a reestruturar suas crenças e conceitos a respeito de sexo e prazer, proporcionar habilidade cognitivas para o controle das fantasias e impulsos, orientar técnicas de manejo comportamental para situações de risco, dentre outras. Esta forma de psicoterapia deve ser realizada por especialistas na área. As sessões de psicoterapia devem ocorrer semanalmente e durante todo o processo de tratamento médico e psicossocial.

Guia-me: Em quais casos utiliza-se a medicação de controle da ação da testosterona? Como ela é aplicada (método) e quais são os seus efeitos?

Dr. Danilo Baltieri: Medicações para controlar a ação da testosterona são muito poucas vezes necessárias para a população de pessoas que padecem da doença médica conhecida como Pedofilia. A princípio, cerca de 90% dos portadores de Pedofilia conseguem adequada resposta terapêutica através da psicoterapia e de medicações como antidepressivos e outras medicações que auxiliam no controle dos impulsos sexuais desviados. Medicações que controlam a ação da testosterona, conhecidas como medicações hormonais, podem ser necessárias para os restantes 10%, quando nenhuma outra forma de tratamento produziu efeitos adequados, em termos de cessação de impulsos sexuais desviados. Infelizmente, algumas pessoas, freqüentemente leigas ou não especialistas, não têm idéias adequadas sobre esta forma de tratamento e formulam conceitos bastante incorretos sobre ela.

Durante todas as fases do tratamento médico e psicológico, o paciente deve concordar e colaborar com mesmo. O efeito dos tratamentos somente será benéfico, se o paciente sentir a necessidade de melhorar e modificar seu padrão de comportamento sexual.

Guia-me: É correto definir essa etapa do tratamento como castração química?

Dr. Danilo Baltieri: É totalmente incorreto. Este termo não faz qualquer sentido dentro da área médica, uma vez que este termo traz em seu bojo a idéia de coação, sofrimento e perda de função sexual. Isso não é verdade dentro de um tratamento médico baseado em evidências científicas, desempenhado por profissionais altamente qualificados na matéria e baseado nos mais fiéis princípios da ética médica. O objetivo do tratamento, durante todas as suas fases, é melhorar a qualidade de vida do paciente, controlar seu impulso sexual desviado, adequar a sua sexualidade e promover o bem-estar. Logo, o objetivo do tratamento é melhorar a qualidade de vida do paciente, promover o bem-estar, evitar as recaídas e adequar a sua sexualidade. O objetivo do tratamento não é prejudicar a ereção deste indivíduo, mas sim promover o controle dos impulsos.

Guia-me: Há como definir um perfil dos pacientes que procuram tratamento? Eles vêm por iniciativa própria?

Dr. Danilo Baltieri: Os pacientes portadores de Pedofilia constituem uma população bastante heterogênea. O segredo do sucesso terapêutico é o desejo dos mesmos em melhorar sua qualidade de vida, reestruturar-se socialmente, conviver com sua própria família e evitar estresse e mal estar.

Guia-me: O senhor já tratou algum caso em que houve cura?

Dr. Danilo Baltieri: Muitos portadores de Pedofilia respondem adequadamente ao tratamento médico e psicológico. Se adequadamente diagnosticados e tratados, muitos deles terão resultados bastante satisfatórios, com melhora da qualidade de vida sexual, familiar, social e profissional.

Seguramente não apenas um caso, mas alguns casos que tratei apresentaram bons resultados terapêuticos, estando hoje casados, com filhos e produzindo socialmente.

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