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Saúde

Portadores de esquizofrenia levam 10 anos para receber tratamento a

Portadores de esquizofrenia levam 10 anos para receber tratamento a

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:24

O Brasil tem 760 mil pessoas acometidas pela esquizofrenia. Este transtorno mental, afirma o psiquiatra Rodrigo Bressan – um dos maiores especialistas brasileiros no assunto – está em qualquer endereço, classe social e é sofrido por pessoas de todos os tipos, de moradores de rua a advogados renomados, médicos e profissionais liberais.

Mas a palavra esquizofrênico hoje ganhou tons de adjetivo (pejorativo), comumente associado à loucura plena, à criminalidade iminente e à incapacidade mental. Por isso, o engenheiro pela Universidade de São Paulo, pós-graduado nos Estados Unidos e conquistador de mulheres bonitas, José Alberto Orsi, quase acreditou no estigma acarretado pelo diagnóstico quando se viu portador da doença. “Eu só queria fugir”, lembra ele.

O peso trazido pela confirmação do transtorno mental, e a consequente resistência ao tratamento desencadeada por causa dele, faz com que as pessoas demorem anos para encontrar as terapias eficazes que permitem ao portador de esquizofrenia ter uma vida praticamente normal.

Esta dificuldade acaba de ser mapeada em uma pesquisa inédita feita pelo Ibope, a pedido da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em um acompanhamento de 60 núcleos familiares que convivem com a doença, os pesquisadores encontraram uma demora média de 10 anos para encontrar a terapêutica adequada, fato que compromete as funções neurológicas do portador, agravadas em cada novo surto.

“Foi unânime em todos os entrevistados a busca por explicações fora da medicina para os sintomas apresentados, sendo os principais alucinações, escutar vozes e a sensação de perseguição”, contou o diretor do Ibope, Hélio Gastaldi.

“Muitos citaram que inicialmente procuraram as explicações religiosas, ou de outro mundo, para entender o que estava acontecendo”, completa.

“E não teria problema nenhum encontrar suportes fora da ciência caso, simultaneamente, estes pacientes tivessem apoio medicamentoso e terapêutico adequado. Mas não é assim”, emenda a terapeuta ocupacional e diretora executiva da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre), Cecília Villares.

Sem remédios específicos, as recaídas comprometem o cérebro e a chance de recuperação. José Alberto Orsi passou por seis surtos, o primeiro aos 26 anos, foi preso, ficou isolado para só então encontrar o equilíbrio médico que hoje lhe permite dirigir uma entidade e ser artista (com já alguns quadros vencedores de prêmios).

Televisão

O primeiro contato de José Alberto com a esquizofrenia não foi o seu próprio diagnóstico. “Meu pai tinha a doença. Vi minha mãe ter de abandonar a carreira brilhante de pianista para cuidar dele. Eu fui criado pelos meus avós e meu pai morreu cedo demais, aos 44 anos.”

A genética, de fato, é um dos motivos para desencadear o transtorno, mas as causas são multifatoriais e passam também por estresse e uso de drogas, entre outros. Outra característica é que a esquizofrenia nunca compromete só o portador. Na pesquisa do Ibope, por exemplo, os familiares que cuidam dos pacientes (65% deles são as mães) gastam, em média, 12 horas diárias só com as demandas exigidas pela função de cuidador.

Mesmo já tendo vivido na pele todos estes fatos mapeados pelo levantamento – ainda que na função de espectador – José Alberto nem desconfiou ser um sinal de esquizofrenia quando, pela televisão, acreditou que o ator da novela falava com ele. Ele estava nos Estados Unidos, terminando o MBA, após estudar em um dos mais tradicionais colégios paulistanos e cursar engenharia na Poli. A outra crise foi mais séria.

“Acreditei que a minha mãe havia sido assassinada pela CIA. Liguei para os meus familiares e dei a notícia para eles. Vivi a sensação de morte. Para mim, era fato que minha mãe havia morrido”, conta.

Cérebro

Segundo o psiquiatra Bressan, o que é alucinação para o mundo externo, é verdade absoluta para o portador de esquizofrenia. “As ressonâncias mostram que, no momento do delírio, as partes do cérebro acionadas pela audição, cheiro ou visão ficam ativadas”, explica o médico. “E a origem disso é o excesso de um neurotransmissor chamado dopamina. Por isso, as medicações agem para controlar este fator.”

O desespero de achar que a mãe tinha sido assassinada não foi o último enfrentado por José Alberto. Ele ainda estudava nos Estados Unidos quando tirou a roupa em público e acabou preso. A irmã foi ajudá-lo e a mãe, que sempre esteve viva, foi buscá-lo para trazer ao Brasil.

“Foi quando comecei o tratamento correto e a situação ficou controlada. Meu último surto foi em 2001 e, de lá para cá, aos poucos reconstrui a minha vida”, lembra ele.

Arte de viver

O caso de José Alberto Orsi, mesmo com todos os entraves, é considerado de sucesso. Ele não resistiu às medicações, como fazem três em dez pacientes, e “mesmo com uma dificuldade enorme de levantar da cama todos os dias” tem uma grande vontade de viver.

“Claro que nem tudo são flores. Engordei muito por causa dos remédios, tenho dificuldade de raciocínio e também por isso não quis voltar à engenharia”, conta. “Mas até consigo ser grato à esquizofrenia. Por causa dela, hoje aos 44 anos (a idade em que o pai morreu) eu redescobri a paixão pela pintura, retratos e arte. Sou diretor da Abre e também feliz.”

No ano passado, um dos quadros pintados por José Alberto Orsi ganhou primeiro lugar no concurso Arte de Viver.

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