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Saúde

Preguiça de sair de casa é reflexo de mudança de prioridades

Preguiça de sair de casa é reflexo de mudança de prioridades

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:25

Exposições, filmes em 3D, lançamentos, estreias de todo tipo. O mundo se tornou um lugar abarrotado de atrações irrecusáveis. O paradoxo é que muito mais gente, hoje, "paga" para ficar em casa. Para se ter uma ideia, só uma das várias comunidades do Orkut que reúnem gente com preguiça de sair tem mais de 1.700 membros.

"Estamos hiperconectados e precisamos nos desconectar um pouco", resume o sociólogo Dario Caldas, diretor do Observatório de Sinais, agência de consultoria especializada em tendências. "Às vezes, dá preguiça ter que se informar sobre tudo, ler o último livro, assistir ao último filme."

É fato que o mundo corporativo exige cada vez mais que as pessoas sejam "antenadas" e informadas. Mas até as relações sociais acabam vítimas dessa cobrança. Por isso, não surpreende que precisemos de um pouco de sossego.

"Ficar em casa pode revelar a necessidade de relaxar depois da quantidade enorme de estímulos e solicitações de que somos alvo ao longo do dia", faz eco a psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

Além disso, sair dá trabalho. "Sair pode ser vivido como se você tivesse que subir num palco e dar um show de bola pelo qual, ainda por cima, será avaliado", diz Minerbo. Para ela, isso pode demandar muito esforço. É preciso se arrumar, criar um visual que mostre estilo e atitude, ir aos lugares certos, ter coisas interessantes para contar, filmes a que assistiu, viagens que fez ou que está planejando. "Acho que a preguiça de sair pode ter a ver com o esforço envolvido na performance social que a pessoa vai ter que fazer", diz Minerbo.

Em grande parte, o fenômeno é reflexo da mudança para uma atitude mais individualista. "Hoje as pessoas priorizam o prazer no lugar do dever", analisa Caldas. Isso dá mais liberdade e autonomia para cada um decidir o que fazer.

Para tirar a pessoa do sofá, só mesmo um motivo bem forte. "Antes de fazer algo, as pessoas se perguntam qual o sentido daquilo dentro da sua escala de valores", diz o sociólogo. Sem essa motivação, muitos preferem o aconchego do lar.

Para o psicólogo Cristiano Nabuco, do Hospital das Clínicas, em São Paulo, esse comportamento está muito ligado às facilidades do mundo virtual. "As novas tecnologias permitem mais controle da realidade e isso tem a ver com autoestima, que é a capacidade de tolerar frustrações e de mudar o que não está legal no seu entorno", diz Nabuco. "Na internet isso está mais assegurado: qualquer coisa, é só deletar."

"Se os encontros na internet substituem mais que 50% do tempo que a pessoa teria para se encontrar com outras pessoas, isso se torna preocupante", diz Ari Rehfeld, supervisor da clínica psicológica da PUC de São Paulo.

Mas isso não quer dizer que se voltar para o mundo virtual seja algo necessariamente ruim. "Se bem usadas, as redes sociais virtuais podem dar uma sustentação emocional importante para as pessoas, é possível ver coisas interessantes navegando na internet, um filme em casa pode ser um programa excelente...", analisa Minerbo.

Até porque nem sempre o fato de você estar fora de casa significa que está interagindo com as pessoas. "Se a pessoa saiu, mas está no bar vendo televisão ou no celular, talvez não tenha propriamente saído", avalia a psicanalista.

E ela cutuca: "Por que há televisões nos lugares em que as pessoas vão para estarem juntas? Uma interpretação é que elas não sabem mais conversar, outra é que esses artefatos servem de mediação entre as pessoas. Mas acho que servem, principalmente, para elas poderem relaxar de sua performance social."

Para Minerbo, a preguiça de sair só se torna preocupante quanto é sintoma de que poucos programas são verdadeiramente significativos. "Se a pessoa sente que nada é interessante, isso pode apontar um vazio existencial empobrecedor e, até mesmo, uma depressão."

Afinal, sair ou ficar são apenas meios de alcançar coisas que buscamos desde sempre: afeto, comunicação, interação. "O ser humano mudou, mas seus anseios e expectativas continuam os mesmos", diz Caldas. Às vezes, eles estão bem mais perto do que se imagina.

Por: Gabriela Cupani

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