Ter vergonha de algumas coisas, explodir de raiva em certos momentos, dramatizar situações ou ter atitudes egoístas esporadicamente é comum na vida de grande parte das pessoas. O problema é quando algumas características passam a ocorrer com frequência e em exagero. Ao ultrapassar esta linha tênue, o diagnóstico pode ser de transtorno de personalidade - também conhecido como sociopatia, condutopatia e psicopatia. "Todos nós temos um pouco de tudo, o problema é a quantidade deste distúrbio", afirmou o psiquiatra forense Guido Palomba.
Assassinos como Chico Picadinho, Francisco de Assis Pereira (maníaco do parque) e Champinha são exemplos de portadores de transtorno de personalidade, mas o leque é muito mais amplo e a "deformação moral", como classifica Palomba, não está ligada diretamente ao crime. "Os condutopatas - portadores de transtorno de personalidade - que praticam delito são minoria", disse.
Mania de perseguição, dificuldade em se relacionar, desrespeito constante às normas, impulsividade, baixa tolerância a frustrações, perfeccionismo e falta de determinação são características que, quando em exagero, podem indicar um transtorno de personalidade. "A medida é quando a característica começa a chamar muito a atenção dos outros", explicou Palomba.
De acordo com o psiquiatra, um indivíduo com transtorno de personalidade tem três defeitos básicos: são altamente egoístas; não se arrependem dos atos; têm valores morais distorcidos; gostam ou não se incomodam com o sofrimento alheio. "Aparentemente, a pessoa é normal e lúcida, mas tem uma conduta deformada", disse. "O problema foi descrito pela primeira vez em 1835, como insanidade moral. (...) Ao longo dos anos, já foi chamado de psicopatia, sociopatia, condutopatia e transtorno de personalidade", lembrou Palomba.
A deformação de conduta pode ou não se manifestar, no entanto, não existe cura para o problema, segundo Palomba. "Existe tratamento para controlar", afirmou o psiquiatra. De acordo com a psiquiatra e psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise Leda Beolchi Spessoto, o indivíduo pode ter predisposição aos transtornos, mas o problema está ligado ao ambiente em que ele vive quando criança. "Os traços se formam na infância, mas devem ser bem analisados na adolescência", disse.
O tratamento é difícil, pois, quando uma pessoa tem um transtorno de personalidade, dificilmente assume o problema. "Se assume, não quer por em cheque que está com o transtorno. E procurar ajuda profissional já é um terceiro passo", afirmou Leda. Segundo ela, o tratamento da doença comportamental fica ainda mais difícil nos casos mais graves, como dos criminosos em série.
Leda afirmou que uma pessoa que gosta de dirigir a 200 km/h e faz isso por puro prazer, sem se importar se pode ocasionar a morte de alguém, tem um transtorno de personalidade. O transtorno narcisista - em que a pessoa tem o desejo de ser melhor do que os outros - é um dos mais presentes no dia a dia da psicanalista. "A cultura atual incentiva isso: ser mais esperto, passar por cima dos outros, ser mais bonito", explicou.
Veja a seguir as características comuns de diferentes transtornos de personalidade.
Transtorno paranoide - "São aquelas pessoas cismadas demais, que acham que estão sendo perseguidas", descreveu o psiquiatra. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), os paranoides são desconfiados, têm sensibilidade excessiva a contrariedades e o sentimento de sempre serem prejudicados pelos outros.
Transtorno esquizoide - Segundo descrição da CID, os esquizoides são desapegados, não têm interesse pelo contato social, têm dificuldade em se relacionar de forma íntima e afetiva com as demais pessoas e bloqueio para experimentar prazer e relações sexuais.
Transtorno antissocial - Eles são indiferentes aos sentimentos alheios, podem ter comportamento cruel, não obedecem a normas e obrigações, têm baixa tolerância à frustração e cometem facilmente atos violentos. Este tipo viola os direitos das outras pessoas e não sente remorso pelo que faz, de acordo com a CID.
Transtorno emocionalmente instável - Pessoas impulsivas e imprevisíveis. Além de agir de forma descontrolada em determinadas situações, o indivíduo também tem perturbações que dificultam a definição de preferências pessoais e provocam o sentimento de vazio, segundo a Classificação Internacional de Doenças.
Transtorno histriônico - "São pessoas que têm o comportamento dramático e fazem palco para aparecer. O transtorno está relacionado à histeria", explicou Palomba. Segundo a CID, os histriônicos são egocêntricos, não toleram frustrações e têm a necessidade de atrair a atenção para eles próprios. Quando algo é bom se torna excelente para o histriônico e, quando é ruim, vira uma tragédia.
Transtorno anancástico - De acordo com a Classificação Internacional de Doenças, o portador tem excessiva preocupação com detalhes, é rígido e teimoso. A pessoa tem pensamentos repetitivos e é perfeccionista.
Transtorno ansioso - Tem sensibilidade excessiva a críticas, sentimentos persistentes de tensão e apreensão e timidez excessiva por insegurança pessoal, descreve a CID.
Transtorno dependente - Pessoas com falta de determinação e iniciativa em excesso podem ter transtorno dependente. O dependente não contraria, não age ou resolve qualquer coisa, de acordo com a CID.
Transtorno abúlico - "São aqueles indivíduos que não fazem nada, que estão sempre na vagabundagem", explicou Guido Palomba. A pessoa não para em empregos e não estuda. Segundo o psiquiatra, se a família do abúlico estiver passando fome, ele só vai trabalhar para manter o próprio sustento. "E, se ele tiver um pão com queijo naquele dia, não vai trabalhar porque já arrumou o que comer", disse Palomba. Esses indivíduos costumam se fundar em álcool ou drogas.
Transtorno narcisista - "Quem não tem vaidade não é normal", afirmou Palomba. No entanto, o exagero em querer se sentir superior e a necessidade em rebaixar os demais para se sentir bem é um transtorno de personalidade. "Se caracteriza pelo culto à beleza e à aparência", descreveu ele.
Transtorno fanático - Hitler, Mussolini e Kadafi foram os exemplos dados por Palomba. Segundo ele, o condutopata fanático é movido por ideias fixas que podem levá-lo a cometer crimes, homicídio e até a tirar a própria vida.
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