A bordo de um gigante

A bordo de um gigante

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 09:53

No quarto do americano Barry Katz, de 60 anos, fotos da família cobrem as paredes, dezenas de livros e sapatos se espalham pelo chão e há muitas roupas no armário. Seria um quarto normal se não fosse um detalhe: o cômodo é na verdade uma das cabines do gigante Mariner of the Seas, navio que saiu de San Pedro, na costa oeste dos Estados Unidos, com destino a Santos, no litoral paulista. A impressão é que Katz, um dos 3.835 hóspedes do cruzeiro, não está ali apenas de passagem. “Trago a vida para dentro desse navio, afinal ele vira minha casa por mais de um mês”.

Dizer que leva a vida dentro do navio não é exagero. Porque cabe. Construído na Finlândia e inaugurado em 2003, o Mariner of the Seas, que pertence à Royal Caribbean, está entre os cinco maiores navios do mundo e é o maior que já navegou em águas brasileiras. São quase cinco mil pessoas a bordo, entre hóspedes e tripulantes, em uma embarcação de 14 andares e 311 metros de comprimento. Dentro, há restaurantes – um deles com três andares, bares, quadras de esportes, campo de minigolfe, cassino, parede de escalada, teatro, spa, piscinas e até pista de patinação no gelo.

Viagens assim não são tão caras quanto parecem. Uma cabine dupla das mais simples pode custar R$ 900 por pessoa em um cruzeiro de seis noites – e chegar até a R$ 30 mil em cabines mais luxuosas. A maior delas, por exemplo, tem 110m², piano de cauda, jacuzzi e varanda. Todas as refeições são sempre inclusas nos pacotes. As facilidades de pagamento e a opção de se fazer minicruzeiros de até dois dias tornam o navio mais acessível. Prova disso é que a companhia espera vender no Brasil 155 mil pacotes de cruzeiros em 2011 e 72% da meta foi atingida só em fevereiro.

O público das viagens varia de acordo com o trajeto. Passeios mais longos, como o que a reportagem do iG acompanhou, tendem a atrair o público com mais de 60 anos. “Eles precisam ser muito organizados pra tomar conta de mais de 3 mil hóspedes”, comenta o canadense William Guillermo, de 80 anos, enquanto espera o garçom trazer o cereal com leite. “Ainda estou confuso se isso aqui é um hotel flutuante ou uma minicidade”, completa. Quando perguntado se algo o deixou insatisfeito, Guillermo é enfático: “Olha, já estou muito velho, não é? Então, se eu perder a hora para chegar ao ponto de encontro do meu grupo, estou perdido! O navio é comprido demais!”.

Casa-caracol

Com o rádio preso na cintura, o engenheiro paulistano Mauro Maccori, de 64 anos, está tranquilo. “Num navio tão grande, fica fácil encontrar minha família. Somos em 10. Já trago sempre uns seis ou sete rádios na mala e distribuo pra todo mundo logo no primeiro dia”. Mauro é um cruzeirista reincidente. O trajeto San Pedro-Santos é seu 154º cruzeiro. Ele passa literalmente metade do ano dentro de navios. E não se cansa?

“Eu posso dizer que simplesmente odeio aviões e amo navios. Chamo a experiência de viagem-caracol, porque é como se eu carregasse toda minha casa comigo. O melhor é ter toda a diversão à mão e ficar livre do estresse do trânsito nas férias”. Depois de tantos cruzeiros, Mauro ficou conhecido entre a tripulação. “Encontro com os mesmos garçons em viagens diferentes. Um deles tornou-se amigo da família”.

Tricô a bordo

Pode parecer óbvio dizer que há opções para todos os gostos. O que impressiona é que realmente exista público para cada atividade, algumas bastante inusitadas. Se de um lado do navio oferecem “Jazz Sessions”, do outro há a reunião “Tricotando sobre Novelas”, em que interessados participam de um quiz sobre os maiores sucessos da TV. E se no spa os turistas podem escolher entre massagens com pedras quentes ou esfoliações, no saguão principal a aula é de “Dobraduras em Toalhas”.

Na “Royal Promenade”, uma pequena avenida bem no meio do navio com butiques e bares, turistas se divertem com o desfile de personagens de contos de fadas e atores em pernas-de-pau, que dublam músicas no maior estilo “baile de formatura” e dançam sob chuva de papel picado. O formato da atração é bem americano e se para alguns turistas o desfile soa um tanto quanto exagerado, para outros parece agradar, tamanha quantidade de câmeras fotográficas que surgem por ali. Pelo fato da bandeira do navio ser americana, a impressão é de estar assistindo àqueles desfiles de “Dia da Independência” que se vê em filmes que passam à tarde.

Haja batata!

Para atender às necessidades dos hóspedes, 1.185 tripulantes de 61 nacionalidades seguem a bordo. Tedmore Lorraine, da ilha caribenha San Vincent, trabalha como camareiro nos navios da empresa há 11 anos. São seis meses a bordo trabalhando sete dias por semana e dois meses de férias em casa. “Sinto falta do meu filho de cinco anos, mas tenho a oportunidade de conhecer vários lugares do mundo enquanto trabalho”, explica. O gerente de entretenimento Rodrigo Ambrissi, responsável pelas atividades oferecidas no cruzeiro, diz que não existe dia monótono. “Eu já não me imagino trabalhando de segunda à sexta, em horário comercial e batendo cartão pra entrar”.

A monotonia também passa longe da cozinha. São mais de 140 profissionais de 40 nacionalidades diferentes – a maioria filipina e indiana. Gente o bastante para preparar 3 mil litros de sopa por dia, 10 mil quilos de carne, 700 quilos de lagosta e descascar 9 mil quilos de batata. Nos horários de pico, profissionais se dividem diariamente para servir cerca de 20 mil pratos. As despensas são recheadas de caixas e caixas de mercadorias. São frutas, verduras e todo tipo de mantimento, tudo abastecido nos portos. Toda a água usada para lavar e cozinhar os alimentos vem do mar. Assim como a água do chuveiro, pias e piscinas. O navio possui uma rede de tratamento de água. “Só temos água ao nosso redor, não faria sentido não usá-la”, relata Ambrissi.

Com tanta gente a bordo, a quantidade de lixo produzida é enorme. Para isso, a embarcação construiu um sistema de escoamento de lixo orgânico e seleção de resíduos recicláveis. O que pode ser reaproveitado é vendido nos portos americanos e o dinheiro arrecadado – cerca de R$ 6 mil por semana – é revertido em produtos para o lazer da tripulação. “Eles podem comprar vídeo-games, TVs de plasma, aparelhos de som. E como sabem disso, cuidam do lixo com atenção”, explica o head chef Shaun Candon.

Pelo visto, não só quem está de férias se diverte.

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